“Estão
entregando dinheiro na mão de terrorista!”, dizia o vídeo publicado no dia 26
de janeiro pelo site Gospel Prime, um portal de notícias focado no público
evangélico com média de quase 2,8 milhões de leitores ao mês. De acordo com a
denúncia do site, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente Michel
Temer estavam tentando desviar dinheiro de uma obra, por meio de uma Medida
Provisória de ocasião, para financiar terroristas palestinos. No Facebook, o
líder da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, o pastor Takayama
(PSC-PR), gravou outro vídeo com um comentário que teve cerca de 4 mil
visualizações. “Estão nos comunicando que muito do que é enviado para a
Palestina é para patrocinar terrorismo”, disse, grave.
Há uma Medida Provisória que busca liberar, sim, dinheiro para a Palestina. Mas a doação visa reformar quatro das 50 colunas da Basílica da Natividade, igreja construída sobre o ponto considerado local de nascimento de Jesus, que consta como patrimônio histórico mundial na lista da Unesco. Se é apropriado ou não gastar dinheiro público em tal iniciativa, é uma discussão longa. O intrigante era por que o próprio Takayama — que já havia até pedido vista do projeto quando este foi examinado por uma comissão do Congresso — replicava uma notícia errada, falsa e inventada envolvendo dois potenciais candidatos à Presidência em ano eleitoral.
O Ministério das Relações Exteriores publicou uma nota desmentindo a informação, mas o Gospel Prime manteve a postagem no ar. Incluiu o comunicado no pé da página e insistiu no texto original mentiroso, sem errata ou pedido de desculpas. Procurado, Takayama não quis se pronunciar sobre o caso.
A empresa Prime Comunicação Digital, responsável pelo Gospel Prime, tem endereço registrado na pacata Criciúma, em Santa Catarina, cuja população cabe em menos de três estádios do tamanho do Maracanã. Metade do 2o andar do prédio amarelo com pastilhas marrons de dois andares, onde está registrado o CNPJ da firma, pertence à empresa de contabilidade Atual. Subindo as escadas, chega-se a um espaço amplo, mas simples, com móveis e paredes de cores claras. Indagado, o recepcionista informou que a Prime funciona em outro endereço, mas é uma das clientes da empresa. Ele contou que David Gregório, o dono da Prime, trabalha a partir de casa, um apartamento próximo ao estádio Majestoso, casa do time que leva o nome da cidade: “É perto, mas não sou autorizado a te dar o endereço”. Ele anotou um número de telefone em um Post-it e disse que mais informações não poderiam ser passadas sem autorização do patrão.
Telefonei para Gregório e disse estar fazendo uma pesquisa acadêmica sobre sites de mídia alternativa. Sem muito perguntar, ele passou a dar detalhes de seu negócio. Confirmou trabalhar de casa e afirmou ter abandonado o emprego como gerente de posto de gasolina há seis anos, quando o site, criado em 2008, começou a render R$ 300 por mês. Hoje, segundo ele, rende de R$ 10 mil a R$ 20 mil por mês, valor que seria dividido entre seus quatro integrantes fixos. Nesses dez anos, Gregório conta ter se formado em publicidade, mas que aprende muito “pela internet mesmo”. Afirma que todo conteúdo publicado no site passa por sua aprovação.
Foi ele quem puxou o assunto sobre a reportagem que acusava o governo brasileiro de destinar recursos para uma obra que já havia sido concluída com o objetivo de financiar terroristas palestinos: “Dois dias depois que a gente publicou o texto dizendo que a obra estava acabada, que tudo já estava pronto, os camaradas trocaram a placa na Palestina”, disse animado. “Eu tenho certeza de que isso foi uma reação ao que publicamos.” A placa mencionada por Gregório e citada na reportagem estava na porta da Basílica da Natividade, mostrando o prazo da primeira fase da reforma, que acabou em dezembro de 2017. Ela foi trocada, obviamente, quando a reforma entrou na fase dois. O curioso é que Gregório menciona a troca da placa pelo telefone, mas essa informação não consta nas publicações de seu site.
Ele defendeu seu trabalho e seu ponto de vista como uma “cosmovisão”: “Tudo que eu publico, se tiver minha cosmovisão, se tiver meu modo de olhar esse mundo, desse fato, pode ser chamado de fake news, porque não está na mídia mainstream”. Emendando uma frase na outra, ele disse que não quer ser o MBL, o movimento de direita conservadora. “Os diários que eles inventam têm realmente uma cara de fake news. Sabemos que algumas coisas que a gente publica também podem causar estranhamento, mas é porque a gente está vendo um ponto que a grande mídia não olha.” Ele contou ainda que o vídeo com o complô terrorista foi feito por Roberto Grobman, um dos quase 80 colunistas que escrevem para o site gratuitamente. “Essas pessoas acham que o Gospel Prime vai ser a vitrine do pensamento delas.” A equipe fixa, segundo Gregório, é formada por ele e mais três pessoas, das quais somente duas são formadas em jornalismo. Nenhum teve experiência prévia com a profissão.
Perguntei se parlamentares já ofereceram dinheiro para que reportagens a seu favor fossem publicadas. Ele fez uma longa pausa e retomou: “Olha, sempre tem, mas não é interessante para nós”. Finalizou a conversa sem dar mais detalhes e afirmou que “tenta” não se envolver financeiramente com políticos.
Não é bem assim. Seis notas fiscais emitidas pelos gabinetes dos deputados Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e Geovania de Sá (PSDB-SC), ambos da bancada evangélica, mostram que os parlamentares usaram dinheiro da cota parlamentar para pagar por textos publicados no Gospel Prime entre 2015 e 2016. Cada um custou R$ 250. Os conteúdos eram elogiosos ou visavam repercutir falas polêmicas dos congressistas. “Sóstenes Cavalcante é o deputado mais atuante do RJ” foi publicada em julho de 2015. “Bolsa Família não deveria tornar beneficiários dependentes, diz Geovania de Sá” é de abril de 2016.
Segundo Gregório, o faturamento do Gospel Prime vem de plataformas de propagandas on-line: “Ganhamos com publicidade do Google. A gente tem uma empresa que gerencia a publicidade, também vendemos publicidade direta, mas é pouco. É mais a publicidade que o próprio Google faz a negociação”. De fato, há anúncios dispostos no site por meio da plataforma de publicidade da gigante de tecnologia.
Ele se refere à corrida do ouro digital chamada clickbait (em português, “caça-clique”). Redes como Google e Facebook monitoram os interesses de seus usuários a partir do que cada um curte, compartilha, segue ou busca. Usando os dados disponíveis nas redes, nos computadores e nos smartphones, as plataformas conseguem filtrar os internautas por grupos de interesse. Quanto mais afunilados os filtros — por exemplo, selecionar apenas pessoas que pesquisaram ou curtiram um clube de futebol específico —, maior a garantia de efetividade do investimento em publicidade. Além desse filtro, essas empresas também fazem a ponte entre os anunciantes e os donos de sites onde esse tipo de publicidade será exposta. O pagamento é feito por clique no hiperlink, daí vem o nome caça-clique. Seguindo essa lógica, sites de fake news se inscrevem em plataformas de venda de anúncios e, em busca do maior número de cliques possível, fazem manchetes e textos sensacionalistas de forma a atrair o leitor desavisado.
Ter páginas nas redes sociais é importante para fidelizar a audiência. Uma vez criado o perfil na rede, esses sites se conectam a pessoas reais populares, que compartilham seu discurso levando o link a novos leitores, dessa vez com uma chancela dada pela figura pública reconhecida. Exatamente como, no caso do Gospel Prime, o deputado Takayama fez em seu vídeo.
A criação de redes entre sites e perfis divulgadores de fake news dá ao internauta a falsa impressão de que o assunto está sendo repercutido, quando, na verdade, muitas vezes é o mesmo autor ou o mesmo e pequeno grupo de autores trocando a bola entre si. Isso, aliado à estratégia de publicar um vasto material verídico com uma informação errada misturada no meio, traz uma falsa sensação de credibilidade, que leva a pessoa a confiar — e clicar — mais naquele site. O Gospel Prime, por exemplo, não publica única e exclusivamente informações falsas, mas, de vez em quando, solta pérolas como a dos terroristas palestinos ou a de um cientista que colocou em xeque a Teoria da Evolução (que, na realidade, acabou demitido).
Há uma Medida Provisória que busca liberar, sim, dinheiro para a Palestina. Mas a doação visa reformar quatro das 50 colunas da Basílica da Natividade, igreja construída sobre o ponto considerado local de nascimento de Jesus, que consta como patrimônio histórico mundial na lista da Unesco. Se é apropriado ou não gastar dinheiro público em tal iniciativa, é uma discussão longa. O intrigante era por que o próprio Takayama — que já havia até pedido vista do projeto quando este foi examinado por uma comissão do Congresso — replicava uma notícia errada, falsa e inventada envolvendo dois potenciais candidatos à Presidência em ano eleitoral.
O Ministério das Relações Exteriores publicou uma nota desmentindo a informação, mas o Gospel Prime manteve a postagem no ar. Incluiu o comunicado no pé da página e insistiu no texto original mentiroso, sem errata ou pedido de desculpas. Procurado, Takayama não quis se pronunciar sobre o caso.
A empresa Prime Comunicação Digital, responsável pelo Gospel Prime, tem endereço registrado na pacata Criciúma, em Santa Catarina, cuja população cabe em menos de três estádios do tamanho do Maracanã. Metade do 2o andar do prédio amarelo com pastilhas marrons de dois andares, onde está registrado o CNPJ da firma, pertence à empresa de contabilidade Atual. Subindo as escadas, chega-se a um espaço amplo, mas simples, com móveis e paredes de cores claras. Indagado, o recepcionista informou que a Prime funciona em outro endereço, mas é uma das clientes da empresa. Ele contou que David Gregório, o dono da Prime, trabalha a partir de casa, um apartamento próximo ao estádio Majestoso, casa do time que leva o nome da cidade: “É perto, mas não sou autorizado a te dar o endereço”. Ele anotou um número de telefone em um Post-it e disse que mais informações não poderiam ser passadas sem autorização do patrão.
Telefonei para Gregório e disse estar fazendo uma pesquisa acadêmica sobre sites de mídia alternativa. Sem muito perguntar, ele passou a dar detalhes de seu negócio. Confirmou trabalhar de casa e afirmou ter abandonado o emprego como gerente de posto de gasolina há seis anos, quando o site, criado em 2008, começou a render R$ 300 por mês. Hoje, segundo ele, rende de R$ 10 mil a R$ 20 mil por mês, valor que seria dividido entre seus quatro integrantes fixos. Nesses dez anos, Gregório conta ter se formado em publicidade, mas que aprende muito “pela internet mesmo”. Afirma que todo conteúdo publicado no site passa por sua aprovação.
Foi ele quem puxou o assunto sobre a reportagem que acusava o governo brasileiro de destinar recursos para uma obra que já havia sido concluída com o objetivo de financiar terroristas palestinos: “Dois dias depois que a gente publicou o texto dizendo que a obra estava acabada, que tudo já estava pronto, os camaradas trocaram a placa na Palestina”, disse animado. “Eu tenho certeza de que isso foi uma reação ao que publicamos.” A placa mencionada por Gregório e citada na reportagem estava na porta da Basílica da Natividade, mostrando o prazo da primeira fase da reforma, que acabou em dezembro de 2017. Ela foi trocada, obviamente, quando a reforma entrou na fase dois. O curioso é que Gregório menciona a troca da placa pelo telefone, mas essa informação não consta nas publicações de seu site.
Ele defendeu seu trabalho e seu ponto de vista como uma “cosmovisão”: “Tudo que eu publico, se tiver minha cosmovisão, se tiver meu modo de olhar esse mundo, desse fato, pode ser chamado de fake news, porque não está na mídia mainstream”. Emendando uma frase na outra, ele disse que não quer ser o MBL, o movimento de direita conservadora. “Os diários que eles inventam têm realmente uma cara de fake news. Sabemos que algumas coisas que a gente publica também podem causar estranhamento, mas é porque a gente está vendo um ponto que a grande mídia não olha.” Ele contou ainda que o vídeo com o complô terrorista foi feito por Roberto Grobman, um dos quase 80 colunistas que escrevem para o site gratuitamente. “Essas pessoas acham que o Gospel Prime vai ser a vitrine do pensamento delas.” A equipe fixa, segundo Gregório, é formada por ele e mais três pessoas, das quais somente duas são formadas em jornalismo. Nenhum teve experiência prévia com a profissão.
Perguntei se parlamentares já ofereceram dinheiro para que reportagens a seu favor fossem publicadas. Ele fez uma longa pausa e retomou: “Olha, sempre tem, mas não é interessante para nós”. Finalizou a conversa sem dar mais detalhes e afirmou que “tenta” não se envolver financeiramente com políticos.
Não é bem assim. Seis notas fiscais emitidas pelos gabinetes dos deputados Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e Geovania de Sá (PSDB-SC), ambos da bancada evangélica, mostram que os parlamentares usaram dinheiro da cota parlamentar para pagar por textos publicados no Gospel Prime entre 2015 e 2016. Cada um custou R$ 250. Os conteúdos eram elogiosos ou visavam repercutir falas polêmicas dos congressistas. “Sóstenes Cavalcante é o deputado mais atuante do RJ” foi publicada em julho de 2015. “Bolsa Família não deveria tornar beneficiários dependentes, diz Geovania de Sá” é de abril de 2016.
Segundo Gregório, o faturamento do Gospel Prime vem de plataformas de propagandas on-line: “Ganhamos com publicidade do Google. A gente tem uma empresa que gerencia a publicidade, também vendemos publicidade direta, mas é pouco. É mais a publicidade que o próprio Google faz a negociação”. De fato, há anúncios dispostos no site por meio da plataforma de publicidade da gigante de tecnologia.
Ele se refere à corrida do ouro digital chamada clickbait (em português, “caça-clique”). Redes como Google e Facebook monitoram os interesses de seus usuários a partir do que cada um curte, compartilha, segue ou busca. Usando os dados disponíveis nas redes, nos computadores e nos smartphones, as plataformas conseguem filtrar os internautas por grupos de interesse. Quanto mais afunilados os filtros — por exemplo, selecionar apenas pessoas que pesquisaram ou curtiram um clube de futebol específico —, maior a garantia de efetividade do investimento em publicidade. Além desse filtro, essas empresas também fazem a ponte entre os anunciantes e os donos de sites onde esse tipo de publicidade será exposta. O pagamento é feito por clique no hiperlink, daí vem o nome caça-clique. Seguindo essa lógica, sites de fake news se inscrevem em plataformas de venda de anúncios e, em busca do maior número de cliques possível, fazem manchetes e textos sensacionalistas de forma a atrair o leitor desavisado.
Ter páginas nas redes sociais é importante para fidelizar a audiência. Uma vez criado o perfil na rede, esses sites se conectam a pessoas reais populares, que compartilham seu discurso levando o link a novos leitores, dessa vez com uma chancela dada pela figura pública reconhecida. Exatamente como, no caso do Gospel Prime, o deputado Takayama fez em seu vídeo.
A criação de redes entre sites e perfis divulgadores de fake news dá ao internauta a falsa impressão de que o assunto está sendo repercutido, quando, na verdade, muitas vezes é o mesmo autor ou o mesmo e pequeno grupo de autores trocando a bola entre si. Isso, aliado à estratégia de publicar um vasto material verídico com uma informação errada misturada no meio, traz uma falsa sensação de credibilidade, que leva a pessoa a confiar — e clicar — mais naquele site. O Gospel Prime, por exemplo, não publica única e exclusivamente informações falsas, mas, de vez em quando, solta pérolas como a dos terroristas palestinos ou a de um cientista que colocou em xeque a Teoria da Evolução (que, na realidade, acabou demitido).
ÉPOCA questionou o Google sobre o funcionamento de
sua plataforma de propagandas, perguntando se é possível um anunciante saber se
sua marca está sendo divulgada em um site que publica notícias falsas. Em nota,
a empresa informou que atualizou suas diretrizes em novembro de 2016 “para
impedir que publishers exibam anúncios do Google em conteúdos enganosos” e que
as medidas adotadas com aqueles que agem contra a política da empresa vão desde
avisos até a retirada da plataforma, “dependendo da gravidade da violação”.
Questionado sobre sua participação no sustento de um site que publica informações falsas, o deputado Sóstenes Cavalcante afirmou que desconhece as “supostas” fake news mencionadas por ÉPOCA e que não tem “vínculos com o portal Gospel Prime, nem com qualquer outro veículo de comunicação”. “Em 2015, e apenas em 2015, foram divulgadas algumas das minhas atividades parlamentares no portal Gospel Prime. A divulgação ocorreu de forma legal, seguindo as regras, o protocolo e as exigências da Câmara em relação ao uso da cota parlamentar, como pode ser checado no portal transparência da Casa”, disse o parlamentar, declarando ser contra a divulgação de notícias falsas. “Não compartilho qualquer tipo de informação que não tenha sua veracidade verificada”, garantiu. Até a conclusão desta edição, a deputada Geovania de Sá não havia respondido aos contatos da reportagem.
Durante dois meses, ÉPOCA escrutinou os maiores sites de notícias falsas do Brasil. O levantamento teve como base os bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com os sites noticiosos mais compartilhados por brasileiros nas redes sociais. Entre os mais de 200 sites listados, foram encontrados 69 veículos com conteúdo suspeito. Depois de uma análise que avaliava a frequência com que publicavam informações erradas e se alguma errata era publicada, examinou-se a audiência pelo número de acessos mensais entre outubro de 2017 e março de 2018. Chegou-se ao resultado dos dez maiores divulgadores de boatos na internet brasileira.
Os donos das fábricas de boatos do Brasil são pessoas desconhecidas, que em sua maioria usam o anonimato como proteção. Além de David Gregório, do Gospel Prime, os demais perfis reúnem donos de empresas-fantasmas, jovens em busca de dinheiro fácil e até mesmo pessoas diagnosticadas com esquizofrenia. Há gente sem interesses políticos claros, com objetivos puramente econômicos, que buscam converter cliques em dólares amealhados por manchetes sensacionalistas, iscas para os incautos. Há também os que querem influenciar escolhas políticas. Todos os matizes ideológicos estão presentes: dos discípulos de Lula aos devotos de Bolsonaro.
Na véspera da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Imprensa Viva afirmou que a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, o salvaria da cadeia. A realidade foi outra: ela proferiu o voto de minerva que condenou Lula. Já o Falando Verdades afirmou que uma comissão internacional condenou o governo brasileiro pela prisão de Lula. A comissão não existe.
Lula é um dos alvos favoritos das fake news. Desde outubro de 2016 segue exposta na internet uma falsa acusação de que ele teria US$ 108 milhões em Luxemburgo. O conteúdo — uma miscelânea de recortes e colagens da Wikipédia misturada a puras invencionices — foi inicialmente publicado no blog sofadipobre, mas é repercutido de tempos em tempos por outros sites divulgadores de notícias falsas. O texto afirma que a Polícia Federal, em conjunto com a Interpol, o FBI e “outros”, teria encontrado uma “poupança” com a fortuna, que pertenceria a Lula, mas que “não existe US$ 0,01” em seu nome. Neste ano, a mentira ressuscitou em publicações dos sites Jornal do País e Pensa Brasil. Os dois ficaram de fora do ranking de ÉPOCA porque seus índices de audiência, apesar de altos, não foram suficientes para chegar ao top 10. O Jornal do País tem uma audiência média de 200 mil cliques por mês e o Hoje Notícias 400 mil acessos mensais. Mas a nota de corte para entrar nessa lista é a do 10o colocado: o Folha Política tem uma média de 516 mil acessos por mês.
As fake news se tornaram assunto debatido mundialmente a partir da escandalosa revelação de uma fábrica de mentiras favoráveis a Donald Trump durante a eleição americana. Os “Veles boys”, como ficaram conhecidos — em referência à pequena cidade de 45 mil habitantes da Macedônia, onde habitam —, são jovens que criaram mais de 140 sites e enriqueceram à custa de quem acreditava em suas invencionices, publicadas nas semanas finais da corrida eleitoral de 2016. “É claro que ganhei dinheiro publicando notícias falsas, mas o Google ganhou mais”, afirmou o adolescente que se apresenta como Christian em entrevista gravada para o documentário Fake News – Baseado em fatos reais.
Se a maioria das informações divulgadas nos sites dos garotos da Macedônia era pró-Trump, não significa que eles de fato apoiavam aquele que veio a se tornar presidente. Faziam isso porque era o que lhes rendia mais dinheiro. Apoiadores de Trump compartilhavam mais os links de seus sites e, em um ciclo vicioso, quanto mais os eleitores republicanos clicavam nas publicações, mais mentiras pró-Trump os garotos de Veles produziam e mais eles lucravam. Nas declarações de Christian gravadas para o documentário, ele conta que a mesma estratégia foi testada com eleitores dos opositores de Trump, sem sucesso, e chama de estúpidos aqueles que votaram no magnata.
A versão brasileira dos Veles boys se encontra em Porto Alegre. Assim como no caso internacional, para eles a política e o jornalismo são secundários. O foco está nos cliques. A quitinete de aproximadamente 40 metros quadrados de Matheus Agranonik, de 28 anos, é a típica descrição de uma residência universitária: ao lado da porta, um quadro do “Poderoso Chefão” Vito Corleone, um porta-chaves dos Beatles e muita bagunça. Sobre a pia, entre a pilha de louças sujas, há uma grelha de churrasco intocada. Na mesma mesa onde está o computador de última geração — acompanhado de teclado, mouse e suporte típicos para jogar videogames —, há um cinzeiro, um pacote de preservativos e algumas das inúmeras garrafas de bebida alcoólica que se espalham pelo apartamento.
Esse é o local de trabalho do dono do Virgulistas, o 2o colocado da lista: 1,8 milhão de acessos por mês, em média. Entre baforadas de cigarro, ele contou como criou uma plataforma (que chama de network) de produtores de conteúdo (que chama de publishers), influenciadores digitais que atraem cliques para seus sites. Alguns perfis de publishers, como youtubers famosos, segundo Agranonik, foram comprados pela network para divulgar seus links.
Além do Virgulistas, o grupo tem sites de humor, esportes e entretenimento. Ele garante que o trabalho de gerenciar mais de 30 páginas de Facebook é árduo. Não por causa dos textos, que também são terceirizados. Seu esforço principal é o monitoramento das publicações produzidas por terceiros em suas páginas e dos números de audiência. “Meu negócio deu tão certo que parei, agora sou empresário”, disse. Ele abandonou a faculdade de contabilidade para cuidar do site. Segundo afirmou, o faturamento bruto foi de R$ 500 mil em dezembro. Ficou com 20% e repassou 10% para o sócio, que se chama Thiago e mora no Rio de Janeiro. Agranonik explica que o dinheiro vem majoritariamente do Audience Network, a plataforma de anúncios do Facebook, que permite a monetização de publicações.
Entre as notícias falsas publicadas pelo Virgulistas, se destaca a manchete “Lutadora de vale-tudo enfrenta adversária trans e morre”. A postagem utiliza uma foto do enterro de Napadol Wongbandit, policial de Bangcoc que foi atropelado em 2015 por uma atriz naturalizada britânica, chamada Anna Reese. Fora do contexto, a imagem vem acompanhada de um texto afirmando se tratar do velório da suposta lutadora, que não existe em nenhum dos rankings especializados de MMA.
“O foco não está no jornalismo ainda”, justificou Matheus. Ele conta que o objetivo dos textos é reproduzir conteúdos polêmicos publicados em outros sites, atraindo muitos cliques sem checagem de informação, apenas com uma edição que repagine “até 80%” do que foi escrito. Para produzir o conteúdo são contratados freelancers em plataformas on-line de oferta de emprego temporário. Os redatores recebem por texto escrito. “É pouco, porque o nosso foco é assim... Eles ganham mais na quantidade. Já que não é nenhuma matéria desenvolvida, eles conseguem escrever um texto em 15 a 20 minutos, a gente pede de 400 a 500 palavras”, afirma. Um produtor de conteúdo para o Virgulistas, segundo Agranonik, ganha no máximo R$ 3 mil mensais. “São pessoas que querem ter uma renda extra. Nenhum é formado em jornalismo.”
ÉPOCA procurou o Facebook para que explicasse o funcionamento do Audience Network, serviço que, segundo o dono do Virgulistas, foi sua principal fonte de faturamento. A plataforma leva anúncios que já existem dentro do ambiente virtual do Facebook para sites de conteúdo que tenham páginas na rede. O serviço começou a ser disponibilizado no Brasil em setembro de 2017. Verificando, porém, a existência de páginas e sites com notícias falsas, a rede suspendeu novas entradas no serviço em vários países, entre eles o Brasil, no início deste ano. Contratos antigos seguirão ativos apenas até o prazo previamente contratado. “Estamos trabalhando para reduzir os incentivos econômicos por trás de notícias falsas e desenvolvendo novos produtos para reduzir a propagação de conteúdos enganosos na plataforma. Além disso, estamos trabalhando com acadêmicos, agências de checagem e especialistas em iniciativas para ajudar as pessoas a tomar decisões mais conscientes sobre o conteúdo que elas consomem”, afirmou a empresa, por e-mail.
A reportagem também questionou a companhia sobre sua responsabilidade dentro de uma dinâmica sistêmica de disseminação de mentiras e de lucro a partir delas. Em nota, a empresa afirmou estar combatendo esse tipo de publicações. “Sabemos que muitas notícias falsas têm motivação financeira, a partir de anúncios em sites que utilizam estratégias de ‘caça-cliques’ ou spam para atrair pessoas. No ano passado, atualizamos a plataforma para que as pessoas vissem menos posts no Feed de Notícias que levassem para sites com conteúdo de baixa qualidade e um grande número de anúncios programáticos”.
O professor da USP Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, não gosta de usar os termos “site de fake news” ou “fábrica de mentiras”, argumentando que nenhum site publica única e exclusivamente notícias falsas por uma questão estratégica: quando um site divulga muitas notícias erradas seguidas, logo perde a credibilidade e, com ela, a audiência. Ele entende que, como no caso das eleições americanas, existem veículos que se aproveitam da polarização da política nacional para divulgar informações de maneira irresponsável. No entanto, acredita que, no Brasil, os que fazem isso por motivações ideológicas são em número muito maior do que aqueles que, como o Virgulistas, só querem lucrar com os cliques. “Os mais relevantes são os que fazem informação de combate, são chamados de ultrapartidários e ultraengajados. Fazem um recorte conveniente das situações, simulam um formato de texto jornalístico para passar imagem de credibilidade, usam manchetes sensacionalistas e, eventualmente, publicam boatos e mentiras apresentadas como fatos.” Segundo ele, a prática costuma revelar a agenda política de cada site. “Repercutem uma informação sem checar só quando interessa a eles, mas, quando é contra alguém que eles defendem, o rigor é lá em cima.”
Ortellado aponta um casal como os donos de uma das maiores concentrações de sites que divulgam notícias falsas do país: Thais Raposo do Amaral Pinto Chaves e Ernani Fernandes Barbosa Neto. Ambos administram uma rede de sites conhecida como RFA, responsável por boatos como “Leonardo Sakamoto recebe mais de R$ 1 milhão para chamar opositores de mercenários” e “Delegado alerta para falso atentado contra Lula que estaria sendo articulado pelo MST”. O principal site da rede se chama Folha Política.
A foto do perfil de Ernani Fernandes no Facebook é um retrato do juiz Sergio Moro com os dizeres “Todo apoio a Sergio Moro!”. A imagem de capa da página é uma manifestação de pessoas vestidas com as cores da bandeira brasileira, onde se podem ver os bonecos infláveis de Lula e Dilma caricaturados ao lado de uma faixa enorme com os dizeres “Impeachment já”. Os compartilhamentos feitos pela página, que está sem publicar nada desde abril de 2017, são replicações de uma segunda página, chamada Movimento Contra Corrupção, que continua ativa e operante. Nas duas está indicado que a autoria e administração dos espaços são da “Rede RFA”.
Três outras contas — essas de caráter pessoal, com poucos amigos e conteúdo bloqueado — levam o nome de Ernani. Em duas delas só é possível ver as fotos de perfil: nas imagens, o rapaz de 30 anos, cabelos longos, braços inchados e regata é visto com uma menina no colo. A terceira conta é mais antiga, mostra Ernani em sua versão mais jovem e mais magra, com cabelos curtos e espetados para o alto. É essa a conta que sua mulher vincula quando publica fotos da família. Em seu perfil, Thais informa ter se formado em Direito na USP em 2013. Mais velha, ela informa ter concluído o ensino médio em 1991, dois anos após seu parceiro ter nascido. Seu cadastro na OAB-SP está ativo desde 2014. Uma pesquisa na Biblioteca Virtual da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) informa que Thais já recebeu bolsas de mestrado e doutorado em letras, entre 1997 e 2000. Em seu Facebook, ela marca o marido em publicações em que se pode conhecer a filha do sorridente casal desde a primeira ultrassonografia. Liginha comemora 5 anos de idade neste ano.
No site Folha Política, porém, Lígia Ferreira é uma “analista de sócio-mecanismos” e autora de textos como a notícia falsa “Lula admite que mentia e usava dados falsos quando era oposição”. O Folha Política — que não tem qualquer ligação com o Grupo Folha, que controla o jornal Folha de S.Paulo — foi o site que veiculou a mentira sobre o jornalista Leonardo Sakamoto. Blogueiro do UOL — este, sim, um site que faz parte do grupo editorial Folha —, Sakamoto recorreu à Justiça para entender quem havia pago pela promoção do link com as calúnias a seu respeito na internet. Documentos produzidos em 2016 por ordem judicial sugeriam que um anúncio no Google pago pela JBS promoveu a exposição do texto difamatório. A empresa da família Batista, dona de frigoríficos e envolvida em escândalo após ser o centro de denúncias contra o presidente Michel Temer, negou as acusações.
Em suas páginas nas redes sociais e no próprio site, o Folha Política anuncia ser gerenciado pela “Rede RFA — Raposo Fernandes Associados”, nome criado pela união dos sobrenomes de seus dois donos. No banco de dados públicos da Receita Federal há duas empresas registradas nos nomes do casal: a Raposo Fernandes Marketing Digital Ltda. e a Novo Brasil. ÉPOCA esteve nos endereços registrados nos cadastros das duas empresas. A Raposo Fernandes tem seu CNPJ registrado em um número da movimentada Avenida Interlagos, na capital paulista. O endereço, o mesmo informado por Thais no Cadastro Nacional de Advogados, leva a um quiosque metálico que mais se assemelha a uma banca de jornal fechada. O plástico rasgado do pequeno letreiro luminoso pendurado no telhado informa que ali era um consultório dentário. A tela metálica que serve de porta está fechada e degradada. O local tem sinais claros de abandono. A poucos minutos de caminhada está o endereço registrado pela Novo Brasil. No condomínio residencial Vila Inglesa, um dos funcionários, que pediu para não ser identificado, informa que ninguém frequenta o apartamento procurado, que ele está vazio e que não há qualquer empresa funcionando ali. Também diz que a única coisa que chega são encomendas, recolhidas diretamente na portaria por Ernani.
Em uma ligação para o telefone de Thais registrado no Cadastro Nacional de Advogados da OAB, gravada, ela me atende e, após me identificar como repórter de ÉPOCA, confirma ser sócia das duas empresas registradas em seu nome. Questionada se a Raposo Fernandes Marketing Digital é a mesma Raposo Fernandes Associados que comanda inúmeras páginas nas redes sociais, ela desconversa: “Ih, querida, eu já estou de saída, tenho de ir buscar minha filha na escola”. E desligou.
Se é difícil encontrar um endereço físico da RFA, não faltam endereços virtuais. No Facebook há, pelo menos, 14 páginas que informam ser geridas pela empresa. Além do Folha Política, estão nessa relação as páginas Gazeta Social, TV Revolta, Ficha Social, Correio do Poder, Política na Rede e Movimento Contra Corrupção, entre outras.
A conta oficial do ator e pré-candidato a deputado federal Alexandre Frota (PSL) no Facebook também traz a informação de que é “administrada pela Rede RFA, Raposo Fernandes Associados”. A página compartilha frequentemente as publicações dos sites ligados ao grupo. ÉPOCA procurou o ator para comentar sobre a escolha da RFA para gerenciar suas redes sociais. Respondeu por e-mail que quem administra sua carreira e seus negócios é Cleber Teixeira, indicado pelo partido como seu assessor de imprensa. “Confio e tenho uma equipe muito boa comigo e tenho parcerias com diversos sites”, afirmou Frota. Questionado sobre as informações erradas que o Folha Política e os demais sites do grupo RFA publicam, disse desconhecer qualquer condenação que levasse a RFA a pagar indenizações.
Entre as publicações do Imprensa Viva há, por exemplo, uma notícia falsa sobre a Procuradoria-Geral da República querer investigar o “passado terrorista” da ex-presidente Dilma Rousseff. Ao longo dos dois meses de reportagem, ÉPOCA encontrou seis páginas no Facebook que informavam ser ligadas ao site, com o link em suas descrições de autoria. Apenas uma delas, Fora PT Comunistas, tem uma conta pessoal vinculada. É a página com menos seguidores, apenas 14, e foi tirada do ar logo após a prisão de Lula, voltando à ativa na semana desta publicação. A foto de perfil da página Fora PT Comunistas é a bandeira do Brasil, e a imagem de capa mostra os retratos de Jair Bolsonaro e do general Antonio Hamilton Mourão. Sua declaração de autoria leva a dois perfis registrados no mesmo nome: Heleodoro Santos, sargento reformado, morador de Porto Alegre.
Documentos processuais levantados pela reportagem apontam que o terceiro-sargento reformado Heleodoro Pinto dos Santos está no centro de uma disputa judicial. A família já entrou com inúmeros pedidos de interdição de Heleodoro, diagnosticado com esquizofrenia. Em um dos processos, o voto assinado pela desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha conta que, “pelas conclusões da perícia realizada, o autor é portador de esquizofrenia paranoide; necessita de tratamento continuado e necessita de supervisão relativa”.
Não há qualquer informação no site do Imprensa Viva sobre quem compõe sua equipe, nem telefone de contato, o que impede a verificação de seus autores. A única forma de comunicação é uma caixa de mensagens por escrito, que não respondeu ao pedido de informação feito pela reportagem. Os dados de registro do domínio também são protegidos por um serviço de privacidade, o que impede a localização de qualquer outro nome ligado ao site. A reportagem tentou contato com Heleodoro, sem retorno nos e-mails e nos telefones informados em suas seis contas.
Dentro do grupo dos sites de fake news com interesse político inclinado à direita, O Diário Nacional é abertamente vinculado ao Movimento Brasil Livre. Quando a caravana que levava o ex-presidente Lula pela Região Sul do país sofreu um atentado, O Diário Nacional repercutiu o texto do site O Antagonista afirmando que, segundo “autoridades”, “os disparos devem ter sido feitos a curta distância e com os veículos parados”. A verdadeira perícia concluiu que os tiros foram feitos a cerca de 19 metros de distância. Jornalistas que estavam dentro do ônibus testemunharam a ação e afirmam que ele estava em movimento na hora dos disparos.
Os sites investigados nesta reportagem têm como regra insistir nas notícias falsas e ignorar retificações. Recentemente, o Papo TV publicou que os militares da intervenção federal no Rio de Janeiro teriam “licença para matar”, uma informação contestada pelo então ministro da Secretaria-Geral de Governo, Moreira Franco, que afirmou se tratar de uma “ideia ideológica de quem intrinsecamente é capaz de praticar isso”. O texto sobre a licença para matar segue on-line e sem errata no site. Também permanecem dispostos, ali, boatos de que o atentado contra a comitiva do ex-presidente Lula era falso e que teria sido “combinado com os sem-terra”.
Nenhum dos textos tem assinatura e não há, no portal, registros sobre qualquer integrante da equipe. Dentro da seção de contato, o Papo TV informa apenas um e-mail, que não respondeu às mensagens enviadas. Há, também, um longo texto sobre as “políticas do site” em que explica que o conteúdo “NÃO constitui recomendações políticas, financeiras, fiscais, legais, jurídicas, contábeis ou de qualquer outra natureza” e que suas informações “não devem ser interpretadas como definitivas”.
Ainda à direita encontra-se o News Atual, de onde saiu a pérola “Cubazela”: aparentemente, Lula teria a intenção de mudar o nome do Brasil para essa peculiar palavra. Entre os 650 mil leitores mensais do site está o ex-ministro do Desenvolvimento Social Osmar Terra. ÉPOCA pediu ao hoje pré-candidato à reeleição na Câmara dos Deputados para se pronunciar sobre por que segue a página. Ele não respondeu até a conclusão deste texto.
O dono do News Atual é Alteni Amaral da Silva, que mora em São Paulo. No início da conversa com a reportagem, afirmou que cuidava de todas as publicações sozinho, mas depois disse que se pauta por um “grupo de WhatsApp com umas dez pessoas” que produzem o material divulgado. Quando questionado sobre a checagem da veracidade das informações divulgadas, ele disse que não poderia mais falar porque estava “muito ocupado trabalhando” e desligou.
Assim como os pares da direita, o site Falando Verdades repercutiu a informação publicada originalmente pelo SBT sobre a suposta condenação do governo brasileiro por uma comissão internacional em razão da prisão de Lula. O site está registrado em nome de Victor Javier Furtado Ventura, mas, quando ÉPOCA tentou contato com o telefone registrado no CNPJ referente à empresa, uma senhora atendeu a ligação e informou apenas que aquela era a casa da tia de Victor e que ele estaria viajando. O site de seu sobrinho tem uma média de 940 mil leitores mensais — entre eles o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e o ex-jogador de futebol Juninho Pernambucano — e já publicou uma lista de universidades públicas que iriam fechar as portas. O deputado Paulo Teixeira afirmou, via assessoria, que “tem a prática de seguir de volta os seguidores que o acompanham no Twitter (a não ser perfis totalmente automatizados ou ‘ciborgues’)” e questionou a confiabilidade dos perfis seguidos por ÉPOCA no Twitter, afirmando que vários “se enquadram na categoria de fakes ou contas desativadas”. Também disse que “o referido site” não faz parte dos canais que utiliza como fonte de informação e que “nenhuma postagem” do Falando Verdades foi compartilhada por ele.
Ainda no campo de esquerda, o Click Política foi outro a dar publicidade à nota da suposta Comissão União Europeia-Mercosul. O domínio é registrado no nome de João Antônio Marques da Nóbrega e Silva, mas a única empresa em seu nome se chama Livraria e Papelaria Santa Teresa de Jesus e fica em Sousa, no interior da Paraíba. Em resposta ao e-mail enviado, João afirmou que não responderia por telefone “haja vista da rotina atribulada da redação”. O endereço do registro de seu CNPJ leva a um prédio de dois andares e com apartamentos de varandas amarelas, sem qualquer placa indicando a existência de uma redação ou de uma livraria.
O professor da Universidade Federal do Espírito Santo Fábio Malinie, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cultura, explica a importância das plataformas de publicidade para sites de fake news. “Essas plataformas hoje viraram a coluna vertebral econômica de sites que distorcem informação. É um modelo perfeito para empresas digitais. Esses sites puxam anunciantes que muitas vezes não sabem que suas propagandas estão inseridas ali.” Para o especialista, a questão central não é em torno da produção de informações falsas — algo que já era feito antes mesmo do advento da internet —, mas, sim, a “cultura caça-cliques” de criação de textos jornalísticos e de busca pelo lucro.
ÉPOCA questionou o Tribunal Superior Eleitoral sobre a contratação de pessoas ou empresas envolvidas em fake news para trabalhar em campanhas de candidatos. Em nota, o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, respondeu que “iniciativas que possam abalar as estruturas da convivência democrática, como a manipulação informativa no intuito de degradar a imagem e a honra de candidatos legítimos, tornaram-se uma das maiores preocupações da Justiça Eleitoral nestas eleições”. Ele lembrou que foi formado um Conselho Consultivo, do qual fazem parte o Ministério Público Federal e órgãos de inteligência, para mapear esse fenômeno e propor o aperfeiçoamento de normas, “sem pôr em risco direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de informação e o devido processo legal”.
Questionado sobre sua participação no sustento de um site que publica informações falsas, o deputado Sóstenes Cavalcante afirmou que desconhece as “supostas” fake news mencionadas por ÉPOCA e que não tem “vínculos com o portal Gospel Prime, nem com qualquer outro veículo de comunicação”. “Em 2015, e apenas em 2015, foram divulgadas algumas das minhas atividades parlamentares no portal Gospel Prime. A divulgação ocorreu de forma legal, seguindo as regras, o protocolo e as exigências da Câmara em relação ao uso da cota parlamentar, como pode ser checado no portal transparência da Casa”, disse o parlamentar, declarando ser contra a divulgação de notícias falsas. “Não compartilho qualquer tipo de informação que não tenha sua veracidade verificada”, garantiu. Até a conclusão desta edição, a deputada Geovania de Sá não havia respondido aos contatos da reportagem.
Durante dois meses, ÉPOCA escrutinou os maiores sites de notícias falsas do Brasil. O levantamento teve como base os bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com os sites noticiosos mais compartilhados por brasileiros nas redes sociais. Entre os mais de 200 sites listados, foram encontrados 69 veículos com conteúdo suspeito. Depois de uma análise que avaliava a frequência com que publicavam informações erradas e se alguma errata era publicada, examinou-se a audiência pelo número de acessos mensais entre outubro de 2017 e março de 2018. Chegou-se ao resultado dos dez maiores divulgadores de boatos na internet brasileira.
Os donos das fábricas de boatos do Brasil são pessoas desconhecidas, que em sua maioria usam o anonimato como proteção. Além de David Gregório, do Gospel Prime, os demais perfis reúnem donos de empresas-fantasmas, jovens em busca de dinheiro fácil e até mesmo pessoas diagnosticadas com esquizofrenia. Há gente sem interesses políticos claros, com objetivos puramente econômicos, que buscam converter cliques em dólares amealhados por manchetes sensacionalistas, iscas para os incautos. Há também os que querem influenciar escolhas políticas. Todos os matizes ideológicos estão presentes: dos discípulos de Lula aos devotos de Bolsonaro.
Na véspera da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Imprensa Viva afirmou que a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, o salvaria da cadeia. A realidade foi outra: ela proferiu o voto de minerva que condenou Lula. Já o Falando Verdades afirmou que uma comissão internacional condenou o governo brasileiro pela prisão de Lula. A comissão não existe.
Lula é um dos alvos favoritos das fake news. Desde outubro de 2016 segue exposta na internet uma falsa acusação de que ele teria US$ 108 milhões em Luxemburgo. O conteúdo — uma miscelânea de recortes e colagens da Wikipédia misturada a puras invencionices — foi inicialmente publicado no blog sofadipobre, mas é repercutido de tempos em tempos por outros sites divulgadores de notícias falsas. O texto afirma que a Polícia Federal, em conjunto com a Interpol, o FBI e “outros”, teria encontrado uma “poupança” com a fortuna, que pertenceria a Lula, mas que “não existe US$ 0,01” em seu nome. Neste ano, a mentira ressuscitou em publicações dos sites Jornal do País e Pensa Brasil. Os dois ficaram de fora do ranking de ÉPOCA porque seus índices de audiência, apesar de altos, não foram suficientes para chegar ao top 10. O Jornal do País tem uma audiência média de 200 mil cliques por mês e o Hoje Notícias 400 mil acessos mensais. Mas a nota de corte para entrar nessa lista é a do 10o colocado: o Folha Política tem uma média de 516 mil acessos por mês.
As fake news se tornaram assunto debatido mundialmente a partir da escandalosa revelação de uma fábrica de mentiras favoráveis a Donald Trump durante a eleição americana. Os “Veles boys”, como ficaram conhecidos — em referência à pequena cidade de 45 mil habitantes da Macedônia, onde habitam —, são jovens que criaram mais de 140 sites e enriqueceram à custa de quem acreditava em suas invencionices, publicadas nas semanas finais da corrida eleitoral de 2016. “É claro que ganhei dinheiro publicando notícias falsas, mas o Google ganhou mais”, afirmou o adolescente que se apresenta como Christian em entrevista gravada para o documentário Fake News – Baseado em fatos reais.
Se a maioria das informações divulgadas nos sites dos garotos da Macedônia era pró-Trump, não significa que eles de fato apoiavam aquele que veio a se tornar presidente. Faziam isso porque era o que lhes rendia mais dinheiro. Apoiadores de Trump compartilhavam mais os links de seus sites e, em um ciclo vicioso, quanto mais os eleitores republicanos clicavam nas publicações, mais mentiras pró-Trump os garotos de Veles produziam e mais eles lucravam. Nas declarações de Christian gravadas para o documentário, ele conta que a mesma estratégia foi testada com eleitores dos opositores de Trump, sem sucesso, e chama de estúpidos aqueles que votaram no magnata.
A versão brasileira dos Veles boys se encontra em Porto Alegre. Assim como no caso internacional, para eles a política e o jornalismo são secundários. O foco está nos cliques. A quitinete de aproximadamente 40 metros quadrados de Matheus Agranonik, de 28 anos, é a típica descrição de uma residência universitária: ao lado da porta, um quadro do “Poderoso Chefão” Vito Corleone, um porta-chaves dos Beatles e muita bagunça. Sobre a pia, entre a pilha de louças sujas, há uma grelha de churrasco intocada. Na mesma mesa onde está o computador de última geração — acompanhado de teclado, mouse e suporte típicos para jogar videogames —, há um cinzeiro, um pacote de preservativos e algumas das inúmeras garrafas de bebida alcoólica que se espalham pelo apartamento.
Esse é o local de trabalho do dono do Virgulistas, o 2o colocado da lista: 1,8 milhão de acessos por mês, em média. Entre baforadas de cigarro, ele contou como criou uma plataforma (que chama de network) de produtores de conteúdo (que chama de publishers), influenciadores digitais que atraem cliques para seus sites. Alguns perfis de publishers, como youtubers famosos, segundo Agranonik, foram comprados pela network para divulgar seus links.
Além do Virgulistas, o grupo tem sites de humor, esportes e entretenimento. Ele garante que o trabalho de gerenciar mais de 30 páginas de Facebook é árduo. Não por causa dos textos, que também são terceirizados. Seu esforço principal é o monitoramento das publicações produzidas por terceiros em suas páginas e dos números de audiência. “Meu negócio deu tão certo que parei, agora sou empresário”, disse. Ele abandonou a faculdade de contabilidade para cuidar do site. Segundo afirmou, o faturamento bruto foi de R$ 500 mil em dezembro. Ficou com 20% e repassou 10% para o sócio, que se chama Thiago e mora no Rio de Janeiro. Agranonik explica que o dinheiro vem majoritariamente do Audience Network, a plataforma de anúncios do Facebook, que permite a monetização de publicações.
Entre as notícias falsas publicadas pelo Virgulistas, se destaca a manchete “Lutadora de vale-tudo enfrenta adversária trans e morre”. A postagem utiliza uma foto do enterro de Napadol Wongbandit, policial de Bangcoc que foi atropelado em 2015 por uma atriz naturalizada britânica, chamada Anna Reese. Fora do contexto, a imagem vem acompanhada de um texto afirmando se tratar do velório da suposta lutadora, que não existe em nenhum dos rankings especializados de MMA.
“O foco não está no jornalismo ainda”, justificou Matheus. Ele conta que o objetivo dos textos é reproduzir conteúdos polêmicos publicados em outros sites, atraindo muitos cliques sem checagem de informação, apenas com uma edição que repagine “até 80%” do que foi escrito. Para produzir o conteúdo são contratados freelancers em plataformas on-line de oferta de emprego temporário. Os redatores recebem por texto escrito. “É pouco, porque o nosso foco é assim... Eles ganham mais na quantidade. Já que não é nenhuma matéria desenvolvida, eles conseguem escrever um texto em 15 a 20 minutos, a gente pede de 400 a 500 palavras”, afirma. Um produtor de conteúdo para o Virgulistas, segundo Agranonik, ganha no máximo R$ 3 mil mensais. “São pessoas que querem ter uma renda extra. Nenhum é formado em jornalismo.”
ÉPOCA procurou o Facebook para que explicasse o funcionamento do Audience Network, serviço que, segundo o dono do Virgulistas, foi sua principal fonte de faturamento. A plataforma leva anúncios que já existem dentro do ambiente virtual do Facebook para sites de conteúdo que tenham páginas na rede. O serviço começou a ser disponibilizado no Brasil em setembro de 2017. Verificando, porém, a existência de páginas e sites com notícias falsas, a rede suspendeu novas entradas no serviço em vários países, entre eles o Brasil, no início deste ano. Contratos antigos seguirão ativos apenas até o prazo previamente contratado. “Estamos trabalhando para reduzir os incentivos econômicos por trás de notícias falsas e desenvolvendo novos produtos para reduzir a propagação de conteúdos enganosos na plataforma. Além disso, estamos trabalhando com acadêmicos, agências de checagem e especialistas em iniciativas para ajudar as pessoas a tomar decisões mais conscientes sobre o conteúdo que elas consomem”, afirmou a empresa, por e-mail.
A reportagem também questionou a companhia sobre sua responsabilidade dentro de uma dinâmica sistêmica de disseminação de mentiras e de lucro a partir delas. Em nota, a empresa afirmou estar combatendo esse tipo de publicações. “Sabemos que muitas notícias falsas têm motivação financeira, a partir de anúncios em sites que utilizam estratégias de ‘caça-cliques’ ou spam para atrair pessoas. No ano passado, atualizamos a plataforma para que as pessoas vissem menos posts no Feed de Notícias que levassem para sites com conteúdo de baixa qualidade e um grande número de anúncios programáticos”.
O professor da USP Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, não gosta de usar os termos “site de fake news” ou “fábrica de mentiras”, argumentando que nenhum site publica única e exclusivamente notícias falsas por uma questão estratégica: quando um site divulga muitas notícias erradas seguidas, logo perde a credibilidade e, com ela, a audiência. Ele entende que, como no caso das eleições americanas, existem veículos que se aproveitam da polarização da política nacional para divulgar informações de maneira irresponsável. No entanto, acredita que, no Brasil, os que fazem isso por motivações ideológicas são em número muito maior do que aqueles que, como o Virgulistas, só querem lucrar com os cliques. “Os mais relevantes são os que fazem informação de combate, são chamados de ultrapartidários e ultraengajados. Fazem um recorte conveniente das situações, simulam um formato de texto jornalístico para passar imagem de credibilidade, usam manchetes sensacionalistas e, eventualmente, publicam boatos e mentiras apresentadas como fatos.” Segundo ele, a prática costuma revelar a agenda política de cada site. “Repercutem uma informação sem checar só quando interessa a eles, mas, quando é contra alguém que eles defendem, o rigor é lá em cima.”
Ortellado aponta um casal como os donos de uma das maiores concentrações de sites que divulgam notícias falsas do país: Thais Raposo do Amaral Pinto Chaves e Ernani Fernandes Barbosa Neto. Ambos administram uma rede de sites conhecida como RFA, responsável por boatos como “Leonardo Sakamoto recebe mais de R$ 1 milhão para chamar opositores de mercenários” e “Delegado alerta para falso atentado contra Lula que estaria sendo articulado pelo MST”. O principal site da rede se chama Folha Política.
A foto do perfil de Ernani Fernandes no Facebook é um retrato do juiz Sergio Moro com os dizeres “Todo apoio a Sergio Moro!”. A imagem de capa da página é uma manifestação de pessoas vestidas com as cores da bandeira brasileira, onde se podem ver os bonecos infláveis de Lula e Dilma caricaturados ao lado de uma faixa enorme com os dizeres “Impeachment já”. Os compartilhamentos feitos pela página, que está sem publicar nada desde abril de 2017, são replicações de uma segunda página, chamada Movimento Contra Corrupção, que continua ativa e operante. Nas duas está indicado que a autoria e administração dos espaços são da “Rede RFA”.
Três outras contas — essas de caráter pessoal, com poucos amigos e conteúdo bloqueado — levam o nome de Ernani. Em duas delas só é possível ver as fotos de perfil: nas imagens, o rapaz de 30 anos, cabelos longos, braços inchados e regata é visto com uma menina no colo. A terceira conta é mais antiga, mostra Ernani em sua versão mais jovem e mais magra, com cabelos curtos e espetados para o alto. É essa a conta que sua mulher vincula quando publica fotos da família. Em seu perfil, Thais informa ter se formado em Direito na USP em 2013. Mais velha, ela informa ter concluído o ensino médio em 1991, dois anos após seu parceiro ter nascido. Seu cadastro na OAB-SP está ativo desde 2014. Uma pesquisa na Biblioteca Virtual da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) informa que Thais já recebeu bolsas de mestrado e doutorado em letras, entre 1997 e 2000. Em seu Facebook, ela marca o marido em publicações em que se pode conhecer a filha do sorridente casal desde a primeira ultrassonografia. Liginha comemora 5 anos de idade neste ano.
No site Folha Política, porém, Lígia Ferreira é uma “analista de sócio-mecanismos” e autora de textos como a notícia falsa “Lula admite que mentia e usava dados falsos quando era oposição”. O Folha Política — que não tem qualquer ligação com o Grupo Folha, que controla o jornal Folha de S.Paulo — foi o site que veiculou a mentira sobre o jornalista Leonardo Sakamoto. Blogueiro do UOL — este, sim, um site que faz parte do grupo editorial Folha —, Sakamoto recorreu à Justiça para entender quem havia pago pela promoção do link com as calúnias a seu respeito na internet. Documentos produzidos em 2016 por ordem judicial sugeriam que um anúncio no Google pago pela JBS promoveu a exposição do texto difamatório. A empresa da família Batista, dona de frigoríficos e envolvida em escândalo após ser o centro de denúncias contra o presidente Michel Temer, negou as acusações.
Em suas páginas nas redes sociais e no próprio site, o Folha Política anuncia ser gerenciado pela “Rede RFA — Raposo Fernandes Associados”, nome criado pela união dos sobrenomes de seus dois donos. No banco de dados públicos da Receita Federal há duas empresas registradas nos nomes do casal: a Raposo Fernandes Marketing Digital Ltda. e a Novo Brasil. ÉPOCA esteve nos endereços registrados nos cadastros das duas empresas. A Raposo Fernandes tem seu CNPJ registrado em um número da movimentada Avenida Interlagos, na capital paulista. O endereço, o mesmo informado por Thais no Cadastro Nacional de Advogados, leva a um quiosque metálico que mais se assemelha a uma banca de jornal fechada. O plástico rasgado do pequeno letreiro luminoso pendurado no telhado informa que ali era um consultório dentário. A tela metálica que serve de porta está fechada e degradada. O local tem sinais claros de abandono. A poucos minutos de caminhada está o endereço registrado pela Novo Brasil. No condomínio residencial Vila Inglesa, um dos funcionários, que pediu para não ser identificado, informa que ninguém frequenta o apartamento procurado, que ele está vazio e que não há qualquer empresa funcionando ali. Também diz que a única coisa que chega são encomendas, recolhidas diretamente na portaria por Ernani.
Em uma ligação para o telefone de Thais registrado no Cadastro Nacional de Advogados da OAB, gravada, ela me atende e, após me identificar como repórter de ÉPOCA, confirma ser sócia das duas empresas registradas em seu nome. Questionada se a Raposo Fernandes Marketing Digital é a mesma Raposo Fernandes Associados que comanda inúmeras páginas nas redes sociais, ela desconversa: “Ih, querida, eu já estou de saída, tenho de ir buscar minha filha na escola”. E desligou.
Se é difícil encontrar um endereço físico da RFA, não faltam endereços virtuais. No Facebook há, pelo menos, 14 páginas que informam ser geridas pela empresa. Além do Folha Política, estão nessa relação as páginas Gazeta Social, TV Revolta, Ficha Social, Correio do Poder, Política na Rede e Movimento Contra Corrupção, entre outras.
A conta oficial do ator e pré-candidato a deputado federal Alexandre Frota (PSL) no Facebook também traz a informação de que é “administrada pela Rede RFA, Raposo Fernandes Associados”. A página compartilha frequentemente as publicações dos sites ligados ao grupo. ÉPOCA procurou o ator para comentar sobre a escolha da RFA para gerenciar suas redes sociais. Respondeu por e-mail que quem administra sua carreira e seus negócios é Cleber Teixeira, indicado pelo partido como seu assessor de imprensa. “Confio e tenho uma equipe muito boa comigo e tenho parcerias com diversos sites”, afirmou Frota. Questionado sobre as informações erradas que o Folha Política e os demais sites do grupo RFA publicam, disse desconhecer qualquer condenação que levasse a RFA a pagar indenizações.
Entre as publicações do Imprensa Viva há, por exemplo, uma notícia falsa sobre a Procuradoria-Geral da República querer investigar o “passado terrorista” da ex-presidente Dilma Rousseff. Ao longo dos dois meses de reportagem, ÉPOCA encontrou seis páginas no Facebook que informavam ser ligadas ao site, com o link em suas descrições de autoria. Apenas uma delas, Fora PT Comunistas, tem uma conta pessoal vinculada. É a página com menos seguidores, apenas 14, e foi tirada do ar logo após a prisão de Lula, voltando à ativa na semana desta publicação. A foto de perfil da página Fora PT Comunistas é a bandeira do Brasil, e a imagem de capa mostra os retratos de Jair Bolsonaro e do general Antonio Hamilton Mourão. Sua declaração de autoria leva a dois perfis registrados no mesmo nome: Heleodoro Santos, sargento reformado, morador de Porto Alegre.
Documentos processuais levantados pela reportagem apontam que o terceiro-sargento reformado Heleodoro Pinto dos Santos está no centro de uma disputa judicial. A família já entrou com inúmeros pedidos de interdição de Heleodoro, diagnosticado com esquizofrenia. Em um dos processos, o voto assinado pela desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha conta que, “pelas conclusões da perícia realizada, o autor é portador de esquizofrenia paranoide; necessita de tratamento continuado e necessita de supervisão relativa”.
Não há qualquer informação no site do Imprensa Viva sobre quem compõe sua equipe, nem telefone de contato, o que impede a verificação de seus autores. A única forma de comunicação é uma caixa de mensagens por escrito, que não respondeu ao pedido de informação feito pela reportagem. Os dados de registro do domínio também são protegidos por um serviço de privacidade, o que impede a localização de qualquer outro nome ligado ao site. A reportagem tentou contato com Heleodoro, sem retorno nos e-mails e nos telefones informados em suas seis contas.
Dentro do grupo dos sites de fake news com interesse político inclinado à direita, O Diário Nacional é abertamente vinculado ao Movimento Brasil Livre. Quando a caravana que levava o ex-presidente Lula pela Região Sul do país sofreu um atentado, O Diário Nacional repercutiu o texto do site O Antagonista afirmando que, segundo “autoridades”, “os disparos devem ter sido feitos a curta distância e com os veículos parados”. A verdadeira perícia concluiu que os tiros foram feitos a cerca de 19 metros de distância. Jornalistas que estavam dentro do ônibus testemunharam a ação e afirmam que ele estava em movimento na hora dos disparos.
Os sites investigados nesta reportagem têm como regra insistir nas notícias falsas e ignorar retificações. Recentemente, o Papo TV publicou que os militares da intervenção federal no Rio de Janeiro teriam “licença para matar”, uma informação contestada pelo então ministro da Secretaria-Geral de Governo, Moreira Franco, que afirmou se tratar de uma “ideia ideológica de quem intrinsecamente é capaz de praticar isso”. O texto sobre a licença para matar segue on-line e sem errata no site. Também permanecem dispostos, ali, boatos de que o atentado contra a comitiva do ex-presidente Lula era falso e que teria sido “combinado com os sem-terra”.
Nenhum dos textos tem assinatura e não há, no portal, registros sobre qualquer integrante da equipe. Dentro da seção de contato, o Papo TV informa apenas um e-mail, que não respondeu às mensagens enviadas. Há, também, um longo texto sobre as “políticas do site” em que explica que o conteúdo “NÃO constitui recomendações políticas, financeiras, fiscais, legais, jurídicas, contábeis ou de qualquer outra natureza” e que suas informações “não devem ser interpretadas como definitivas”.
Ainda à direita encontra-se o News Atual, de onde saiu a pérola “Cubazela”: aparentemente, Lula teria a intenção de mudar o nome do Brasil para essa peculiar palavra. Entre os 650 mil leitores mensais do site está o ex-ministro do Desenvolvimento Social Osmar Terra. ÉPOCA pediu ao hoje pré-candidato à reeleição na Câmara dos Deputados para se pronunciar sobre por que segue a página. Ele não respondeu até a conclusão deste texto.
O dono do News Atual é Alteni Amaral da Silva, que mora em São Paulo. No início da conversa com a reportagem, afirmou que cuidava de todas as publicações sozinho, mas depois disse que se pauta por um “grupo de WhatsApp com umas dez pessoas” que produzem o material divulgado. Quando questionado sobre a checagem da veracidade das informações divulgadas, ele disse que não poderia mais falar porque estava “muito ocupado trabalhando” e desligou.
Assim como os pares da direita, o site Falando Verdades repercutiu a informação publicada originalmente pelo SBT sobre a suposta condenação do governo brasileiro por uma comissão internacional em razão da prisão de Lula. O site está registrado em nome de Victor Javier Furtado Ventura, mas, quando ÉPOCA tentou contato com o telefone registrado no CNPJ referente à empresa, uma senhora atendeu a ligação e informou apenas que aquela era a casa da tia de Victor e que ele estaria viajando. O site de seu sobrinho tem uma média de 940 mil leitores mensais — entre eles o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e o ex-jogador de futebol Juninho Pernambucano — e já publicou uma lista de universidades públicas que iriam fechar as portas. O deputado Paulo Teixeira afirmou, via assessoria, que “tem a prática de seguir de volta os seguidores que o acompanham no Twitter (a não ser perfis totalmente automatizados ou ‘ciborgues’)” e questionou a confiabilidade dos perfis seguidos por ÉPOCA no Twitter, afirmando que vários “se enquadram na categoria de fakes ou contas desativadas”. Também disse que “o referido site” não faz parte dos canais que utiliza como fonte de informação e que “nenhuma postagem” do Falando Verdades foi compartilhada por ele.
Ainda no campo de esquerda, o Click Política foi outro a dar publicidade à nota da suposta Comissão União Europeia-Mercosul. O domínio é registrado no nome de João Antônio Marques da Nóbrega e Silva, mas a única empresa em seu nome se chama Livraria e Papelaria Santa Teresa de Jesus e fica em Sousa, no interior da Paraíba. Em resposta ao e-mail enviado, João afirmou que não responderia por telefone “haja vista da rotina atribulada da redação”. O endereço do registro de seu CNPJ leva a um prédio de dois andares e com apartamentos de varandas amarelas, sem qualquer placa indicando a existência de uma redação ou de uma livraria.
O professor da Universidade Federal do Espírito Santo Fábio Malinie, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cultura, explica a importância das plataformas de publicidade para sites de fake news. “Essas plataformas hoje viraram a coluna vertebral econômica de sites que distorcem informação. É um modelo perfeito para empresas digitais. Esses sites puxam anunciantes que muitas vezes não sabem que suas propagandas estão inseridas ali.” Para o especialista, a questão central não é em torno da produção de informações falsas — algo que já era feito antes mesmo do advento da internet —, mas, sim, a “cultura caça-cliques” de criação de textos jornalísticos e de busca pelo lucro.
ÉPOCA questionou o Tribunal Superior Eleitoral sobre a contratação de pessoas ou empresas envolvidas em fake news para trabalhar em campanhas de candidatos. Em nota, o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, respondeu que “iniciativas que possam abalar as estruturas da convivência democrática, como a manipulação informativa no intuito de degradar a imagem e a honra de candidatos legítimos, tornaram-se uma das maiores preocupações da Justiça Eleitoral nestas eleições”. Ele lembrou que foi formado um Conselho Consultivo, do qual fazem parte o Ministério Público Federal e órgãos de inteligência, para mapear esse fenômeno e propor o aperfeiçoamento de normas, “sem pôr em risco direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de informação e o devido processo legal”.
Helena Borges, na
Revista Época
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