A
Operação Lava Jato, que condenou Luiz Inácio Lula da Silva a 12 anos e um mês
de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, também já transformou
outros ex-presidentes brasileiros e o atual presidente Michel Temer em alvos da
investigação.
Lula, contudo, é o primeiro
ex-presidente do Brasil ser condenado por corrupção pela Justiça - Fernando
Collor, apesar de ter sofrido impeachment em 1992, foi absolvido pelo STF
(Supremo Tribunal Federal) em 2014. E, a depender da decisão do STF que julga
nesta quarta-feira o pedido do petista de não ser preso até que se esgotem
todos os recursos judiciais a que tem direito, Lula pode também entrar para a
história como primeiro ex-chefe de Estado do Brasil a ir para trás das grades
por corrupção.
Mas a lista de líderes e ex-líderes mundiais investigados, processados e até condenados por suspeita de corrupção não se limita ao Brasil. Pelo menos outros 11 países contabilizam políticos que, nos últimos anos, perderam o cargo, foram convocados a prestar depoimento, estão se defendendo em cortes criminais ou estão até mesmo presos por acusações de terem se aproveitado do cargo público para benefício pessoal.
São políticos da Europa, América Latina, África e Ásia que passaram a ser alvos de mecanismos de controle e de instituições anticorrupção em seus respectivos países.
O professor da Academia Internacional Anticorrupção na Áustria e da Colgate University nos EUA Michael Johnston observa, contudo, que os mecanismos de controle de diferentes países têm sido mais eficientes em revelar esquemas envolvendo "peixes grandes" do que exatamente em conter a corrupção. Assim como o Brasil, países como Peru, Guatemala e Coreia do Sul, por exemplo, têm mais de um ex-mandatário enfrentando denúncias e processos.
Questionados se casos como, por exemplo, o de Lula, do francês Nicolas Sarcozy, do peruano Pedro Pablo Kuczynski, do sul-africano Jacob Zuma ou da sul-coreana Park Geun-hye têm algo em comum, Johnston prefere a cautela e evita comparações.
"Tem muita coisa acontecendo em diferentes níveis", observa. Ele diz que, apesar de haver uma maior percepção e monitoramento, em especial por meio das redes sociais e de iniciativas como Wikileaks, em relação à conduta individual de alguns líderes, isso não necessariamente tem levado a esforços mais robustos para conter a corrupção considerada sistêmica.
O especialista alerta que corrupção, pela dificuldade de ser mensurada, é uma questão de percepção e, muitas vezes, se transforma em um problema que engloba ou que é veículo para outras insatisfações crescentes como desigualdades, estagnação ou deterioração econômica.
"Por isso, é difícil dizer o quanto as pessoas, grupos de oposição, etc. estão reagindo à corrupção em si, o quanto reflete outras questões passageiras sobre as quais as pessoas têm sentimentos intensos e quanto reflete tensões e divisões mais profundas na sociedade. No caso do Brasil, estou tentado a dizer que são 'todas as opções acima'", avalia Johnston.
Para o professor, mandar para a cadeia ex-chefes de Estado não resolve o problema da corrupção. "Eu não acho que 'fritar um peixe grande' seja o tipo de abordagem anticorrupção promissora que alguns dizem ser. Eu diria que é importante que o peixe grande claramente envolvido na corrupção seja punido, e não seja permitido que se perpetue a impunidade, mas os efeitos disso (dessa punição) para conter funcionários de nível inferior e seus clientes são realmente limitados", observa.
Para ele, uma fórmula eficiente de se enfrentar o problema vai além de investigar e punir o corrupto. "É importante olhar para outros fatores também, como a opinião pública, a força da sociedade civil, a qualidade do jornalismo, a qualidade da competição (política e empresarial) e qualidade dos líderes. Tudo isso contribui para a efetividade ou para a falta de 'accountability' (responsabilidade)", diz Johnston.
A BBC Brasil listou as principais suspeitas que pesam contra alguns ex-chefes de Estado investigados ou que enfrentam julgamentos por suspeita de corrupção em 11 países.
Há não muito tempo, o ex-presidente sul-africano Jacob Zuma, que renunciou ao cargo em fevereiro deste ano, parecia intocável. Em 2009, o Supremo Tribunal da África do Sul chegou a derrubar 783 acusações de corrupção contra ele, o que o permitiu concorrer à Presidência naquele ano.
Além das acusações passadas, Zuma passou, ao longo do mandato, a colecionar novas suspeitas de corrupção, em especial por supostamente favorecer empresários com concessões públicas milionárias.
No final do ano passado, Zuma sofreu um revés. A mais alta corte sul-africana decidiu revisar as centenas de acusações que pesavam contra o então presidente. Pressionado pela população e pelo próprio partido, ele renunciou ao cargo em fevereiro de 2018 e, no mês seguinte, a procuradoria anunciou que iria reabrir processo no qual ele é suspeito de corrupção e fraude por ter participado de um acordo de compra de armas com fornecedores europeus no fim da década de 1990.
Ele é suspeito de ter cobrado propinas em um contrato de armamento de US$ 5,16 bilhões, assinado em 1999 pela África do Sul com várias empresas estrangeiras, quando ele ocupava o cargo de vice-presidente. Zuma nega as acusações e diz não ter cometido nenhuma irregularidade.
A ex-presidente Cristina Kirchner, que governou o país entre 2007 e 2015 e foi eleita senadora no final do ano passado, enfrenta diferentes ações judiciais por suspeita corrupção.
Além de responder a quatro processos que tramitam em três tribunais diferentes, ela ainda é alvo de investigações de supostas irregularidades nos negócios imobiliários da família e de suspeita de lavagem de dinheiro e fraudes em contratações no período em que era presidente.
Nesta terça-feira (3), o jornal argentino La Nacion revelou mais uma acusação contra a ex-presidente. Segundo o periódico, procuradores investigam Kirchner por ter contratado o próprio hotel em nove oportunidades entre 2009 e 2015 para garantir o descanso da tripulação das Aerolineas Argentinas, que é controlada pelo governo.
No mês passado, a Justiça argentina anunciou que Kirchner irá a julgamento por dois casos distintos. Ela é acusada de acobertar criminosos iranianos envolvidos no atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que deixou 85 mortos em 1994, e também de direcionar 52 contratos de uma obra pública para favorecer um empresário.
Em dezembro passado, o juiz argentino Claudio Bonadio pediu a prisão da ex-presidente e o fim da imunidade pelo caso dos iranianos - Kirchner foi acusada de "trair a pátria" por ter assinado em 2012, quando era presidente, um acordo com o Irã para que os iranianos acusados pelo atentado fossem interrogados em Teerã ou em um terceiro país.
Mas, para que o pedido do juiz seja cumprido, um processo de perda do foro privilegiado contra Kirchner precisa ser aberto no Congresso argentino e aprovado por dois terços dos congressistas.
Kirchner nega todas as acusações e se diz vítima de perseguição judicial ordenada pelo presidente Mauricio Macri.
A ex-presidente da Coreia do Sul Park Geun-hye, que governou o país de 2013 a 2016, está presa há um ano. Ela foi destituída do cargo em dezembro de 2016, sob acusações de corrupção, suborno, abuso de poder e vazamento de segredos de Estado durante o período que ocupou o cargo.
A procuradoria sul-coreana pediu 30 anos de prisão para a ex-presidente e o pagamento de uma multa equivalente a US$ 127,1 milhões. A ex-presidente é suspeita de desviar milhões de dólares de fundos secretos procedentes dos serviços de inteligência do país e usar o dinheiro com botox, roupas de grifes e compra de presentes para amigos.
No centro do escândalo está a amizade entre ela e Choi Soon-sil, filha do fundador da seita Igreja da Vida Eterna. Park é acusada de permitir que Choi tivesse acesso a documentos oficiais e que usasse as ligações com a presidente para pressionar empresas como Samsung, LG e Hyundai a fazer doações milionárias a fundações controladas por ela.
Park, que nega as acusações, não é a primeira ex-chefe de Estado da Coreia do Sul a ser detida por corrupção.
Nos anos 1990, Chun Doo-Hwan e Roh Tae-Woo cumpriram pena de prisão por acusações similares. Em 2009, o ex-presidente Roh Moo-Hyun cometeu suicídio depois que ele e a família passaram a ser investigados por corrupção. E, no mês passado, outro presidente sul-coreano foi intimado a prestar esclarecimentos à Justiça. Lee Myung-bak, que comandou o país entre 2008 e 2013, também é suspeito de recebimento de propina, apropriação indébita e evasão fiscal.
Elías Antonio Saca, o "Tony Saca", que presidiu El Salvador entre 2004 e 2009, está sendo julgado por enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. Uma nova audiência para analisar o caso do ex-presidente salvadorenho está marcado para este mês.
Saca foi detido em 2016 e acusado pela procuradoria, junto com seis colaboradores, de ter desviado US$ 246 milhões de fundos públicos para contas privadas.
Antes de Saca, Francisco Flores, presidente de 1999 a 2004, também foi processado por peculato, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Flores morreu em 2016, quando enfrentava na Justiça uma acusação pelo desvio de US$ 15 milhões doados por Taiwan para combater a pobreza em El Salvador.
Os dois ex-presidentes sempre negaram as acusações.
Além de estar sendo investigado por receber financiamento ilegal de campanha, o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy, que governou o país de 2007 a 2012, vai à julgamento por suspeita de tentar corromper um juiz.
O francês foi detido em 20 de março para ser interrogado sobre a suspeita de ter recebido 50 milhões de euros da Líbia, quando o país era comandando por Muammar Gaddafi, para financiar a campanha que o levou à Presidência da França. Sarkozy foi liberado logo depois de ter prestado depoimento.
Dias depois, foi anunciado que ele vai ser julgado por tentar usar a própria influência oferecendo, em 2014, um cargo a um juiz para obter informações de uma investigação na qual era suspeito de ter aceito pagamentos ilegais da herdeira da L'Oreal, Liliane Bettencourt, para financiar sua campanha eleitoral de 2007 - Sarkozy acabou absolvido das acusações relacionadas a Bettencourt.
Sarkozy nega as acusações que pesam contra ele e diz não haver provas de que a campanha dele contou com financiamento da Líbia.
Em 2015, o guatemalteco Otto Perez Molina apresentou a renúncia ao Congresso e, horas depois, teve a prisão ordenada. A Justiça avaliava que o ex-mandatário poderia fugir em meio à investigação que apurava uma rede de corrupção chamada de "La Línea", na qual empresários pagavam propina para importar sem pagar impostos.
O escândalo também forçou a saída da vice de Molina, Roxana Baldetti, que foi presa em 2015 acusada de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. Sobre Baldetti pesa ainda a suspeita de ter participação de um esquema de tráfico de cocaína para os EUA e, por isso, procuradores americanos pedem a extradição da ex-vice-presidente.
Tanto Baldetti quanto Molina, que estão presos, rechaçam as acusações. No ano passado, a Justiça da Guatemala decidiu que os dois iriam ser julgados por supostamente liderar o esquema de corrupção.
O antecessor de Molina, Alvaro Colom, que presidiu a Guatemala de 2008 a 2012, também é acusado de corrupção. Colom e nove ex-auxiliares, entre eles o ex-ministro de finanças, foram detidos em fevereiro deste ano acusados de terem fraudado a concessão de 25 rotas de ônibus públicos na Cidade da Guatemala.
Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta pelo menos quatro acusações de corrupção. O cerco tem se fechado contra o premiê em especial depois que consultor político Ari Harow, seu ex-chefe de gabinete, firmou um acordo de delação premiada com a promessa de detalhar a participação do líder israelense em esquemas que envolvem contratos suspeitos, troca de favores e presentes de empresários e ficaram conhecidos como casos "1.000", "2.000", "3.000" e "4.000".
No fim de março, a polícia de Israel interrogou Netanyahu, a mulher e seu filho sobre a ligação dele com a maior companhia de telecomunicações do país. Essa foi a segunda vez que o primeiro-ministro israelense foi interrogado como parte de uma investigação - em janeiro do ano passado, ele já havia sido ouvido pela polícia por suspeita de ter recebido presente de empresários.
Em fevereiro, a polícia já havia prendido duas autoridades do governo israelense próximas a Netanyahu, além do sócio majoritário e diretor-executivo da maior empresa de telecomunicações do país. As prisões aconteceram poucos dias depois de a polícia recomendar que o próprio Netanyahu seja indiciado por recebimento de propina e fraude em outros casos.
No Facebook, Netanyahu negou as acusações e descreveu as investigações como uma "caça às bruxas".
Netanyahu chegou ao poder em 2009, substituindo um primeiro-ministro também implicado em um escândalo de corrupção Ehud Olmert.
Olmert foi afastado do cargo em 2008 e, em 2014, foi condenado a 27 meses de prisão por corrupção e por obstrução de Justiça - ele aceitou suborno de promotores para desenvolver um projeto imobiliário.
Em junho de 2017, o ex-premiê deixou a prisão em liberdade condicional, depois de cumprir um ano e quatro meses da sentença.
De escândalos sexuais a escândalos de corrupção, o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi enfrentou mais de duas dezenas de julgamentos em aproximadamente 25 anos. Em 2013, foi condenado em última instância por fraude fiscal. Além de ter sido sentenciado a um ano de serviços sociais, a decisão o deixou inelegível até 2019.
O ex-líder italiano, contudo, é alvo de outras investigações e tem mais condenações no currículo, das quais recorre. Recentemente, ele se tornou réu por corrupção de testemunhas por, supostamente, subornar frequentadores de suas festas na tentativa de escapar de uma condenação por manter relações com prostitutas menores de idade.
Berlusconi, contudo, entrou com um pedido de "reabilitação" no Tribunal de Vigilância de Milão. Caso o pedido dele seja aceito, ele poderia estar livre para uma eventual candidatura.
A Itália está diante de um impasse político porque nas eleições de março nenhum partido conseguiu maioria suficiente no Parlamento para formar um governo e há a possibilidade de que uma nova eleição seja convocada. Mesmo sem mandato, o ex-premiê tem atuado como líder de uma aliança nacionalista de centro-direita.
Acusado de corrupção e espionagem ilegal, o ex-presidente do Panamá Ricardo Martinelli, no cargo entre 2008 e 2014, foi detido em junho do ano passado na Flórida. Ele havia saído do Panamá no mesmo dia em que uma investigação foi aberta contra ele. Martinelli chegou em Miami em 2015 e, desde então, vive nos EUA.
Martinelli é suspeito de ter se beneficiado do esquema da construtora Odebrecht, que admitiu ter pago propina a diferentes políticos da América Latina em troca de contratos.
Ele é acusado ainda de usar recursos públicos para espionar adversários políticos quando estava no cargo de presidente. O Panamá pede a extradição do ex-presidente.
Acusado de receber quantias milionárias da Odebrecht por consultorias, o peruano Pedro Pablo Kuczynski, no poder entre 2016 e 2018, renunciou ao cargo de presidente menos de dois anos depois de eleito. Em dezembro, PPK tentou escapar do impeachment concedendo indulto ao ex-presidente peruano Alberto Fujimori, condenado em 2009 a 25 anos de prisão por cometer crimes de direitos humanos e por corrupção em sua gestão, que se estendeu de 1990 a 2000.
Além de PPK e Fujimori, o Peru tem outros três ex-mandatários respondendo a processos por corrupção. Alejandro Toledo (2001-2006) é considerado foragido da Justiça peruana, que pediu sua extradição aos Estados Unidos. Toledo é suspeito de receber suborno milionário da empresa Odebrecht.
Alan García, que presidiu o Peru duas vezes (1985-1990 e 2006-2011) está sendo investigado na Justiça por acusações de lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Ollanta Humala, presidente entre 2011 e 2016 também é suspeito de ter sido favorecido no esquema de pagamentos de propina da Odebrecht e foi emitida contra ele uma ordem de prisão preventiva de 18 meses.
Todos negam as acusações.
Svetozar Marovic, que presidiu a extinta Sérvia e Montenegro até a separação dos dois países, é um dos poucos líderes que admitiu a participação em esquema de corrupção. Em 2016, ele, que havia sido preso em dezembro do ano anterior, se declarou culpado de ter favorecido empresas da construção civil com contratos públicos.
Marovic, contudo, não escapou de uma condenação. Ele recebeu uma pena de três anos e dez meses de prisão acusado de liderar o esquema. Ele foi a primeira vítima de uma promotoria especial contra corrupção criada em 2015 em Montenegro.
Mas a lista de líderes e ex-líderes mundiais investigados, processados e até condenados por suspeita de corrupção não se limita ao Brasil. Pelo menos outros 11 países contabilizam políticos que, nos últimos anos, perderam o cargo, foram convocados a prestar depoimento, estão se defendendo em cortes criminais ou estão até mesmo presos por acusações de terem se aproveitado do cargo público para benefício pessoal.
São políticos da Europa, América Latina, África e Ásia que passaram a ser alvos de mecanismos de controle e de instituições anticorrupção em seus respectivos países.
O professor da Academia Internacional Anticorrupção na Áustria e da Colgate University nos EUA Michael Johnston observa, contudo, que os mecanismos de controle de diferentes países têm sido mais eficientes em revelar esquemas envolvendo "peixes grandes" do que exatamente em conter a corrupção. Assim como o Brasil, países como Peru, Guatemala e Coreia do Sul, por exemplo, têm mais de um ex-mandatário enfrentando denúncias e processos.
Questionados se casos como, por exemplo, o de Lula, do francês Nicolas Sarcozy, do peruano Pedro Pablo Kuczynski, do sul-africano Jacob Zuma ou da sul-coreana Park Geun-hye têm algo em comum, Johnston prefere a cautela e evita comparações.
"Tem muita coisa acontecendo em diferentes níveis", observa. Ele diz que, apesar de haver uma maior percepção e monitoramento, em especial por meio das redes sociais e de iniciativas como Wikileaks, em relação à conduta individual de alguns líderes, isso não necessariamente tem levado a esforços mais robustos para conter a corrupção considerada sistêmica.
O especialista alerta que corrupção, pela dificuldade de ser mensurada, é uma questão de percepção e, muitas vezes, se transforma em um problema que engloba ou que é veículo para outras insatisfações crescentes como desigualdades, estagnação ou deterioração econômica.
"Por isso, é difícil dizer o quanto as pessoas, grupos de oposição, etc. estão reagindo à corrupção em si, o quanto reflete outras questões passageiras sobre as quais as pessoas têm sentimentos intensos e quanto reflete tensões e divisões mais profundas na sociedade. No caso do Brasil, estou tentado a dizer que são 'todas as opções acima'", avalia Johnston.
Para o professor, mandar para a cadeia ex-chefes de Estado não resolve o problema da corrupção. "Eu não acho que 'fritar um peixe grande' seja o tipo de abordagem anticorrupção promissora que alguns dizem ser. Eu diria que é importante que o peixe grande claramente envolvido na corrupção seja punido, e não seja permitido que se perpetue a impunidade, mas os efeitos disso (dessa punição) para conter funcionários de nível inferior e seus clientes são realmente limitados", observa.
Para ele, uma fórmula eficiente de se enfrentar o problema vai além de investigar e punir o corrupto. "É importante olhar para outros fatores também, como a opinião pública, a força da sociedade civil, a qualidade do jornalismo, a qualidade da competição (política e empresarial) e qualidade dos líderes. Tudo isso contribui para a efetividade ou para a falta de 'accountability' (responsabilidade)", diz Johnston.
A BBC Brasil listou as principais suspeitas que pesam contra alguns ex-chefes de Estado investigados ou que enfrentam julgamentos por suspeita de corrupção em 11 países.
Há não muito tempo, o ex-presidente sul-africano Jacob Zuma, que renunciou ao cargo em fevereiro deste ano, parecia intocável. Em 2009, o Supremo Tribunal da África do Sul chegou a derrubar 783 acusações de corrupção contra ele, o que o permitiu concorrer à Presidência naquele ano.
Além das acusações passadas, Zuma passou, ao longo do mandato, a colecionar novas suspeitas de corrupção, em especial por supostamente favorecer empresários com concessões públicas milionárias.
No final do ano passado, Zuma sofreu um revés. A mais alta corte sul-africana decidiu revisar as centenas de acusações que pesavam contra o então presidente. Pressionado pela população e pelo próprio partido, ele renunciou ao cargo em fevereiro de 2018 e, no mês seguinte, a procuradoria anunciou que iria reabrir processo no qual ele é suspeito de corrupção e fraude por ter participado de um acordo de compra de armas com fornecedores europeus no fim da década de 1990.
Ele é suspeito de ter cobrado propinas em um contrato de armamento de US$ 5,16 bilhões, assinado em 1999 pela África do Sul com várias empresas estrangeiras, quando ele ocupava o cargo de vice-presidente. Zuma nega as acusações e diz não ter cometido nenhuma irregularidade.
A ex-presidente Cristina Kirchner, que governou o país entre 2007 e 2015 e foi eleita senadora no final do ano passado, enfrenta diferentes ações judiciais por suspeita corrupção.
Além de responder a quatro processos que tramitam em três tribunais diferentes, ela ainda é alvo de investigações de supostas irregularidades nos negócios imobiliários da família e de suspeita de lavagem de dinheiro e fraudes em contratações no período em que era presidente.
Nesta terça-feira (3), o jornal argentino La Nacion revelou mais uma acusação contra a ex-presidente. Segundo o periódico, procuradores investigam Kirchner por ter contratado o próprio hotel em nove oportunidades entre 2009 e 2015 para garantir o descanso da tripulação das Aerolineas Argentinas, que é controlada pelo governo.
No mês passado, a Justiça argentina anunciou que Kirchner irá a julgamento por dois casos distintos. Ela é acusada de acobertar criminosos iranianos envolvidos no atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que deixou 85 mortos em 1994, e também de direcionar 52 contratos de uma obra pública para favorecer um empresário.
Em dezembro passado, o juiz argentino Claudio Bonadio pediu a prisão da ex-presidente e o fim da imunidade pelo caso dos iranianos - Kirchner foi acusada de "trair a pátria" por ter assinado em 2012, quando era presidente, um acordo com o Irã para que os iranianos acusados pelo atentado fossem interrogados em Teerã ou em um terceiro país.
Mas, para que o pedido do juiz seja cumprido, um processo de perda do foro privilegiado contra Kirchner precisa ser aberto no Congresso argentino e aprovado por dois terços dos congressistas.
Kirchner nega todas as acusações e se diz vítima de perseguição judicial ordenada pelo presidente Mauricio Macri.
A ex-presidente da Coreia do Sul Park Geun-hye, que governou o país de 2013 a 2016, está presa há um ano. Ela foi destituída do cargo em dezembro de 2016, sob acusações de corrupção, suborno, abuso de poder e vazamento de segredos de Estado durante o período que ocupou o cargo.
A procuradoria sul-coreana pediu 30 anos de prisão para a ex-presidente e o pagamento de uma multa equivalente a US$ 127,1 milhões. A ex-presidente é suspeita de desviar milhões de dólares de fundos secretos procedentes dos serviços de inteligência do país e usar o dinheiro com botox, roupas de grifes e compra de presentes para amigos.
No centro do escândalo está a amizade entre ela e Choi Soon-sil, filha do fundador da seita Igreja da Vida Eterna. Park é acusada de permitir que Choi tivesse acesso a documentos oficiais e que usasse as ligações com a presidente para pressionar empresas como Samsung, LG e Hyundai a fazer doações milionárias a fundações controladas por ela.
Park, que nega as acusações, não é a primeira ex-chefe de Estado da Coreia do Sul a ser detida por corrupção.
Nos anos 1990, Chun Doo-Hwan e Roh Tae-Woo cumpriram pena de prisão por acusações similares. Em 2009, o ex-presidente Roh Moo-Hyun cometeu suicídio depois que ele e a família passaram a ser investigados por corrupção. E, no mês passado, outro presidente sul-coreano foi intimado a prestar esclarecimentos à Justiça. Lee Myung-bak, que comandou o país entre 2008 e 2013, também é suspeito de recebimento de propina, apropriação indébita e evasão fiscal.
Elías Antonio Saca, o "Tony Saca", que presidiu El Salvador entre 2004 e 2009, está sendo julgado por enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. Uma nova audiência para analisar o caso do ex-presidente salvadorenho está marcado para este mês.
Saca foi detido em 2016 e acusado pela procuradoria, junto com seis colaboradores, de ter desviado US$ 246 milhões de fundos públicos para contas privadas.
Antes de Saca, Francisco Flores, presidente de 1999 a 2004, também foi processado por peculato, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Flores morreu em 2016, quando enfrentava na Justiça uma acusação pelo desvio de US$ 15 milhões doados por Taiwan para combater a pobreza em El Salvador.
Os dois ex-presidentes sempre negaram as acusações.
Além de estar sendo investigado por receber financiamento ilegal de campanha, o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy, que governou o país de 2007 a 2012, vai à julgamento por suspeita de tentar corromper um juiz.
O francês foi detido em 20 de março para ser interrogado sobre a suspeita de ter recebido 50 milhões de euros da Líbia, quando o país era comandando por Muammar Gaddafi, para financiar a campanha que o levou à Presidência da França. Sarkozy foi liberado logo depois de ter prestado depoimento.
Dias depois, foi anunciado que ele vai ser julgado por tentar usar a própria influência oferecendo, em 2014, um cargo a um juiz para obter informações de uma investigação na qual era suspeito de ter aceito pagamentos ilegais da herdeira da L'Oreal, Liliane Bettencourt, para financiar sua campanha eleitoral de 2007 - Sarkozy acabou absolvido das acusações relacionadas a Bettencourt.
Sarkozy nega as acusações que pesam contra ele e diz não haver provas de que a campanha dele contou com financiamento da Líbia.
Em 2015, o guatemalteco Otto Perez Molina apresentou a renúncia ao Congresso e, horas depois, teve a prisão ordenada. A Justiça avaliava que o ex-mandatário poderia fugir em meio à investigação que apurava uma rede de corrupção chamada de "La Línea", na qual empresários pagavam propina para importar sem pagar impostos.
O escândalo também forçou a saída da vice de Molina, Roxana Baldetti, que foi presa em 2015 acusada de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. Sobre Baldetti pesa ainda a suspeita de ter participação de um esquema de tráfico de cocaína para os EUA e, por isso, procuradores americanos pedem a extradição da ex-vice-presidente.
Tanto Baldetti quanto Molina, que estão presos, rechaçam as acusações. No ano passado, a Justiça da Guatemala decidiu que os dois iriam ser julgados por supostamente liderar o esquema de corrupção.
O antecessor de Molina, Alvaro Colom, que presidiu a Guatemala de 2008 a 2012, também é acusado de corrupção. Colom e nove ex-auxiliares, entre eles o ex-ministro de finanças, foram detidos em fevereiro deste ano acusados de terem fraudado a concessão de 25 rotas de ônibus públicos na Cidade da Guatemala.
Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta pelo menos quatro acusações de corrupção. O cerco tem se fechado contra o premiê em especial depois que consultor político Ari Harow, seu ex-chefe de gabinete, firmou um acordo de delação premiada com a promessa de detalhar a participação do líder israelense em esquemas que envolvem contratos suspeitos, troca de favores e presentes de empresários e ficaram conhecidos como casos "1.000", "2.000", "3.000" e "4.000".
No fim de março, a polícia de Israel interrogou Netanyahu, a mulher e seu filho sobre a ligação dele com a maior companhia de telecomunicações do país. Essa foi a segunda vez que o primeiro-ministro israelense foi interrogado como parte de uma investigação - em janeiro do ano passado, ele já havia sido ouvido pela polícia por suspeita de ter recebido presente de empresários.
Em fevereiro, a polícia já havia prendido duas autoridades do governo israelense próximas a Netanyahu, além do sócio majoritário e diretor-executivo da maior empresa de telecomunicações do país. As prisões aconteceram poucos dias depois de a polícia recomendar que o próprio Netanyahu seja indiciado por recebimento de propina e fraude em outros casos.
No Facebook, Netanyahu negou as acusações e descreveu as investigações como uma "caça às bruxas".
Netanyahu chegou ao poder em 2009, substituindo um primeiro-ministro também implicado em um escândalo de corrupção Ehud Olmert.
Olmert foi afastado do cargo em 2008 e, em 2014, foi condenado a 27 meses de prisão por corrupção e por obstrução de Justiça - ele aceitou suborno de promotores para desenvolver um projeto imobiliário.
Em junho de 2017, o ex-premiê deixou a prisão em liberdade condicional, depois de cumprir um ano e quatro meses da sentença.
De escândalos sexuais a escândalos de corrupção, o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi enfrentou mais de duas dezenas de julgamentos em aproximadamente 25 anos. Em 2013, foi condenado em última instância por fraude fiscal. Além de ter sido sentenciado a um ano de serviços sociais, a decisão o deixou inelegível até 2019.
O ex-líder italiano, contudo, é alvo de outras investigações e tem mais condenações no currículo, das quais recorre. Recentemente, ele se tornou réu por corrupção de testemunhas por, supostamente, subornar frequentadores de suas festas na tentativa de escapar de uma condenação por manter relações com prostitutas menores de idade.
Berlusconi, contudo, entrou com um pedido de "reabilitação" no Tribunal de Vigilância de Milão. Caso o pedido dele seja aceito, ele poderia estar livre para uma eventual candidatura.
A Itália está diante de um impasse político porque nas eleições de março nenhum partido conseguiu maioria suficiente no Parlamento para formar um governo e há a possibilidade de que uma nova eleição seja convocada. Mesmo sem mandato, o ex-premiê tem atuado como líder de uma aliança nacionalista de centro-direita.
Acusado de corrupção e espionagem ilegal, o ex-presidente do Panamá Ricardo Martinelli, no cargo entre 2008 e 2014, foi detido em junho do ano passado na Flórida. Ele havia saído do Panamá no mesmo dia em que uma investigação foi aberta contra ele. Martinelli chegou em Miami em 2015 e, desde então, vive nos EUA.
Martinelli é suspeito de ter se beneficiado do esquema da construtora Odebrecht, que admitiu ter pago propina a diferentes políticos da América Latina em troca de contratos.
Ele é acusado ainda de usar recursos públicos para espionar adversários políticos quando estava no cargo de presidente. O Panamá pede a extradição do ex-presidente.
Acusado de receber quantias milionárias da Odebrecht por consultorias, o peruano Pedro Pablo Kuczynski, no poder entre 2016 e 2018, renunciou ao cargo de presidente menos de dois anos depois de eleito. Em dezembro, PPK tentou escapar do impeachment concedendo indulto ao ex-presidente peruano Alberto Fujimori, condenado em 2009 a 25 anos de prisão por cometer crimes de direitos humanos e por corrupção em sua gestão, que se estendeu de 1990 a 2000.
Além de PPK e Fujimori, o Peru tem outros três ex-mandatários respondendo a processos por corrupção. Alejandro Toledo (2001-2006) é considerado foragido da Justiça peruana, que pediu sua extradição aos Estados Unidos. Toledo é suspeito de receber suborno milionário da empresa Odebrecht.
Alan García, que presidiu o Peru duas vezes (1985-1990 e 2006-2011) está sendo investigado na Justiça por acusações de lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Ollanta Humala, presidente entre 2011 e 2016 também é suspeito de ter sido favorecido no esquema de pagamentos de propina da Odebrecht e foi emitida contra ele uma ordem de prisão preventiva de 18 meses.
Todos negam as acusações.
Svetozar Marovic, que presidiu a extinta Sérvia e Montenegro até a separação dos dois países, é um dos poucos líderes que admitiu a participação em esquema de corrupção. Em 2016, ele, que havia sido preso em dezembro do ano anterior, se declarou culpado de ter favorecido empresas da construção civil com contratos públicos.
Marovic, contudo, não escapou de uma condenação. Ele recebeu uma pena de três anos e dez meses de prisão acusado de liderar o esquema. Ele foi a primeira vítima de uma promotoria especial contra corrupção criada em 2015 em Montenegro.
Por
Fernanda Odilla, na BBC Brasil