quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Um mês de Constituinte no Chile, da desconfiança ao caminho traçado



A Convenção Constituinte completa um mês desde sua instalação no Chile, conseguindo superar a desconfiança inicial para começar a traçar o caminho da gigantesca tarefa que tem pela frente: uma nova Constituição que responda ao desejo de mudança dos chilenos.

 

Desde sua instalação em 4 de julho, em uma sessão suspensa por protestos fora do recinto e por problemas técnicos que levaram ao adiamento da primeira sessão de trabalho, avançou-se na organização inicial e no crucial regulamento que permitirá a elaboração das novas leis.

Além disso, foram instaladas oito comissões de trabalho, que contemplam orçamento, participação cidadã e informação e transparência, além da ampliação da mesa diretora de dois para nove membros, com sete novas vice-presidências.

"Desde que nos instalamos, desenvolvemos um trabalho incansável", afirma a presidente da Convenção, Elisa Loncon, em entrevista coletiva com correspondentes estrangeiros, destacando o trabalho levantado do "zero" para organizar esta nova instituição e dotá-la do mínimo de regulamentos.

De acordo com Loncon, seus membros se deram um mês para finalizar o regulamento, a espinha dorsal a partir da qual a nova Constituição será escrita.

Doutora em linguística e representante do povo mapuche, Loncon abre as sessões com uma saudação em mapudungún, língua dos mapuches - principal etnia chilena - relegada durante séculos dos espaços de deliberação política, em uma amostra da mudança que o país já está experimentando.

Romper a desconfiança

Com 155 membros, em sua maioria independentes de diferentes afinidades de esquerda, indígenas e uma minoria de direita, no que muitos veem como o espelho mais real do Chile hoje, um dos primeiros obstáculos foi quebrar a desconfiança inicial.

"Somos pessoas que não se conheciam. Estamos começando a nos olhar nos olhos, a conversar e a estabelecer uma relação de confiança", disse à AFP Patrícia Politzer, integrante do grupo "Independentes Não-Neutros".

"Alguns chegaram com muita raiva, com muita frustração, e outros, com bastante medo do que ia acontecer aqui", mas após a catarse inicial, com algumas declarações indevidas, os decibéis começaram a cair e começaram a construir a confiança, acrescenta.

O processo que submergiu o Chile na elaboração de sua primeira Constituição coletiva resulta do acordo político alcançado para dar uma solução institucional aos protestos multitudinários que eclodiram no país a partir de 18 de outubro de 2019. Neles, os manifestantes exigiam maior igualdade social.

No plebiscito de 25 de outubro de 2020, 79% aprovaram a elaboração de uma nova Carta Magna em substituição à herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), acusada de ser a origem das desigualdades sociais.

Em 15 e 16 de maio, foram escolhidos os 155 integrantes da Convenção, a qual incluiu, pela primeira vez, a paridade de gênero e reservou 17 cadeiras para os indígenas.

A direita, que em sua maioria defendeu a manutenção da Constituição da ditadura, obteve 37 constituintes e não conseguiu o terço que lhe permitiria bloquear mudanças.

Sua facção mais conservadora acusou ações totalitárias da presidência da Convenção, mas sua parte mais liberal mostrou um espírito de maior acordo.

"Tem sido um mês mais do que positivo, porque temos empurrado um carro pesado, cheio de desconfiança", avaliou Cristian Monckeberg, um constituinte do partido de direita Renovação Nacional, em conversa com a AFP.

Como sinal de unidade na eleição das novas sete vice-presidências, defendeu-se um mecanismo de votação que permitiria o direito de garantir uma cota.

"Os adversários devem ser derrotados, não excluídos", disse Pedro Muñoz, do Partido Socialista, diante das demandas do Partido Comunista e da Lista Popular, que procuravam excluí-los.

A redação dos primeiros artigos pode começar em setembro. A Convenção tem um prazo de nove meses - prorrogável uma vez por mais três meses - para concluir seus trabalhos.

Os constituintes estão cientes da difícil tarefa que têm pela frente.

"Não há possibilidade de fracasso. Muitos acham que esta é a última chance de o país avançar", diz Politzer.

"Não queremos entrar para a história com um fracasso, mas sim poder contribuir para canalizar este debate de uma forma positiva", concorda Monckeberg.

Paulina Abramovich, AFP


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