segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Cenário - o desafio do clima e do meio ambiente

 


Em ano de safra e faturamento recordes, mercado mundial pressiona por padrões sustentáveis de produção

 

Os eventos climáticos assumiram frequência mais rotineira ao longo das últimas décadas, tornando cada vez mais comuns episódios de quebra de safra, em geral por falta de chuvas, observa Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). “Problemas assim ocorriam a cada dez anos, passaram a se repetir de cinco em cinco anos, depois de três em três anos, numa sequência que preocupa o setor e vem se encurtando, numa comprovação dos efeitos das mudanças climáticas.” Clima e meio ambiente assumiram posição central no debate sobre o futuro do agronegócio, assim como a questão da segurança alimentar, ressurgida com maior fôlego durante a pandemia, acrescenta Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador da FGV Agro.


Brito considera que o país deveria dedicar maior atenção ao combate ao desmatamento ilegal, adotando políticas mais efetivas nesta área. “Ou acabamos com o desmatamento ilegal ou o desmatamento ilegal vai acabar com a imagem do Brasil no exterior." Ele lembra que as grandes empresas do setor têm compromissos globais e tiveram que se enquadrar a um nível de exigência mais elevado nas áreas ambiental e sanitária, especialmente depois da pandemia. “A questão ambiental veio para ficar e quem não acompanhar vai ficar fora do mercado.” Thomas Raad, CEO da Raad International Trading, sustenta que a política externa brasileira deveria ser, por isso mesmo, mais amigável, especialmente em relação à China, destino de quase 39% das exportações do agronegócio brasileiro no primeiro semestre.


Rodrigues coloca a questão climática como um dos grandes pontos de interrogação no caminho do agronegócio, não apenas no longo prazo, mas já nesta segunda metade do ano, juntamente com o câmbio, que passou a oscilar para baixo a partir de abril, recuando em média 8,7% na comparação entre março e os 12 primeiros dias de julho. “O Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária cresceu 5,7% no primeiro trimestre deste ano e ajudou a sustentar a atividade econômica, mas não acredito que o setor cresça tudo isso até o fim do ano.”


Rodrigues antevê um período de incertezas para o setor neste segundo semestre, num momento de queda na colheita de cana, reduzindo a produção de açúcar e etanol; quebra ainda na produção de laranja; uma retração mais severa na produção de café do que sugere a bianualidade da cultura; e perdas também para o milho. A menor oferta de milho, continua o ex-ministro, pressiona os custos das carnes e traz de volta a ameaça de uma recaída inflacionária no setor de alimentação, num cenário de “desemprego gigante” e perda de renda para as famílias.


Bruno Lucchi, diretor-técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), antecipa igualmente um “cenário desafiador” no semestre em curso, com a alta nos custos de produção gerando impacto maior sobre as cadeias de produtos destinados mais ao consumo doméstico, a exemplo de leite, ovos, hortaliças e de algumas frutas. Aqueles setores, diz ele, têm acumulado alta de custos, enquanto as receitas “não crescem na velocidade desejada”, porque o consumo não está propriamente aquecido e continua sendo castigado pelo desemprego elevado.


As restrições impostas pelo volume reduzido de chuvas desde o começo do plantio da safra 2020/2021 ajudam a reforçar uma visão mais cautelosa sobre o futuro imediato no setor, o que tem levado algumas consultorias a antecipar tendência à estabilidade para o PIB da agropecuária no encerramento do ano diante da redução nos volumes produzidos em segmentos importantes, embora este não seja um diagnóstico unânime.


Nelson Ananias, coordenador de sustentabilidade da CNA, teme que a agricultura irrigada, já atingida pela alta nos custos da energia, venha a sofrer problemas no suprimento de água, porque a Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, não define como prioritário o uso da água para a irrigação. O baixo nível dos reservatórios na principal região de produção fundamenta os temores expressos por ele. Os dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que em julho o volume de energia armazenada no sistema das regiões Sudeste e Centro-Oeste representava 28,1% de sua capacidade máxima, diante de 48,1% no mesmo mês de 2020. “A agricultura irrigada ocupa em torno de 8,6 milhões de hectares, perto de 10% da área utilizada pela agricultura. Mas foi grande responsável pelos ganhos de produtividade, porque possibilita um rendimento três vezes maior do que as culturas de sequeiro, reduz o risco climático e permite que as plantas desenvolvam seu potencial produtivo.”


O atraso das chuvas em 2020 obrigou os produtores a postergar o início do plantio da safra de verão, impedindo a semeadura da segunda safra de milho no período recomendado pela pesquisa. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) havia estimado, em julho, quebra de 10,8% na colheita do grão, com a produção da segunda safra baixando de 75,05 milhões de toneladas no ciclo 2019/2020 para 66,97 milhões de toneladas. A produção total de milho no ano agrícola encerrado em junho, na previsão da Conab, tenderia a cair para 93,4 milhões de toneladas, cerca de 9,2 milhões a menos do que na safra 2019/2020. A safra de grãos colhida neste ano, de qualquer forma, será a maior até aqui, somando em tomo de 260,8 milhões de toneladas, perto de 3,78 milhões a mais do que no ciclo anterior, numa variação de 1,5%. Enquanto a área cultivada avançou 4,4%, o mau tempo derrubou a produtividade média das lavouras em 2,8%, para 3.790 quilos por hectare, resultado mais baixo em quatro safras.


Nas últimas dez safras, a produção de grãos cresceu 56,9%, puxada pelo crescimento de 35,2% na área destinada ao cultivo e pela variação de 16% na produtividade média, castigada por intempéries climáticas ao longo do período, porque o investimento em tecnologia não foi interrompido diante dos bons resultados no bolso dos produtores em anos mais recentes. Ainda conforme os dados da Conab, no decênio anterior, a alta de 68,2% na produção havia sido influenciada mais pelo avanço de 35,6% no rendimento médio das lavouras, enquanto a área cresceu 24% entre as safras 2001/2002 e 2010/2011. Nesta comparação, os produtores haviam acrescentado em tomo de 6,85 toneladas à produção de grãos a cada hectare agregado à área de plantio. Nos dez anos seguintes, a ocupação de um hectare adicional pela agricultura gerou 5,28 toneladas de grãos a mais.

 

Os níveis de tecnologia aplicada ao campo têm avançado, como mostram o consumo de fertilizantes, que vem batendo recordes sucessivos desde 2016 e deve alcançar perto de 43 milhões de toneladas neste ano, crescendo 6% em relação a 2020, segundo projeta Guilherme Bellotti, gerente de consultoria agro do Itaú BBA. O grande volume previsto, no entanto, poderá trazer problemas para os produtores que deixaram para fechar compras mais tarde, alerta ele, diante do risco de gargalos na distribuição do insumo, podendo retardar a chegada do fertilizante ao campo.

 

Ainda na área da tecnologia, no fim de junho, o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) divulgou estudo mostrando que 86% dos produtores do Estado instalaram internet na propriedade, embora a conexão esteja concentrada ainda na sede das fazendas, deixando grande parcela da zona rural em conectividade. Os smartphones assumiram papel relevante na gestão da propriedade e no acesso à informação para 92% dos produtores entrevistados, superando os computadores. Além disso, 61% dos agricultores adotam aplicativos e softwares na gestão do negócio e para acompanhar a previsão de tempo e no manejo de pragas e doenças.


Outro indicador, desta vez aferido pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, limitado inicialmente ao caso do milho, identificou que os ganhos de produtividade foram responsáveis por 50,4% do PIB gerado pela cultura entre 2001 e 2020 de um total de R$ 715 bilhões, o aumento da produtividade respondeu por R$ 360 bilhões em termos reais. No mesmo período, enquanto o rendimento médio dos plantios avançou a uma taxa anual de 6,6%, a área cresceu 1,9% ao ano.


Desde 2020, analisa Nicole Rennó Castro, pesquisadora da equipe de macroeconomia do Cepea, a alta dos preços tem impulsionado o PIB do agronegócio sob a ótica da renda. No ano passado, o crescimento foi recorde, chegando a 24,3% na medição do centro de estudos, com o PIB atingindo R$ 1,976 trilhão, perto de 26,6% do PIB total. No primeiro trimestre deste ano, o avanço foi de 5,35% e a estimativa sugere que a participação do agronegócio na economia tende a alcançar 30%, a participação mais elevada na série histórica do Cepea. O Valor Bruto da Produção (VBP) caminha na mesma direção e deve superar o recorde de 2020, aproximando-se de R$ 1,10 trilhão neste ano. Nas projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o valor bruto deverá crescer 10,5 % neste ano em termos reais, saindo de R$ 995,04 bilhões em 2020 para R$ 1,09 trilhão. As atividades ligadas mais diretamente às exportações explicam boa parte deste desempenho, segundo Lucchi, diante da alta nos preços internacionais e domésticos e do dólar mais favorável.


O forte crescimento da renda tende a influir nos resultados finais da safra recém-concluída e ajudará a manter um panorama promissor para o ciclo 2021/2022, especialmente no caso da soja, adianta Bellotti. A margem de lucratividade para o produtor, na média, tende a subir 14,3% ante a safra passada para a oleaginosa, saindo de R$ 3.974 para R$ 4.538 por hectare, numa sequência de três altas desde o ciclo 2018/2019. O custo agrícola deverá subir pouco mais de 22%, observa ele, e não deverá comprometer o resultado final.


As margens para o milho, que ficaram estáveis em 2020/2021 em função da quebra no rendimento médio das lavouras, deverão subir quase 21% na safra 2021/2022, chegando a R$ 3.121 por hectare. O balanço entre oferta e demanda para o grão deverá ser apertado, prevendo-se estoques de passagem entre 2021 e o próximo ano ao redor de três milhões de toneladas, um mês de consumo. As projeções para o algodão e o arroz sugerem margens em queda, com redução de 4,8% para o primeiro e tombo de 44,8% para o segundo.


Em linhas gerais, Bellotti acredita que a soma dos resultados esperados deverá estimular os produtores a investir no melhor pacote tecnológico, o que significa a adoção de sementes de melhor potencial produtivo, melhores tratos culturais e manejo adequado. Se o clima colaborar, não está afastada a perspectiva de uma produção superiora colhida neste ano. As projeções mais recentes do Mapa antecipam uma colheita superior a 300 milhões de toneladas no ciclo 2024/2025, antecipando em três temporadas a previsão feita pelo mesmo ministério, que apostava alcançara marca na safra 2027/2028. O mesmo estudo prevê uma produção de 333,1 milhões de toneladas até 2030/2031.


O ciclo de alta nos preços internacionais das commodities agrícolas deverá ser temporário, segundo avaliação recente da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O mercado tende a se ajustar a médio prazo, trazendo os preços para baixo em termos reais, segundo o relatório anual sobre perspectivas agrícolas para o período entre 2021 e 2030 divulgado pelos dois organismos. Ambos antecipam “ligeira baixa dos preços reais, sob efeito das melhoras da produtividade e da desaceleração do crescimento da demanda” para os primeiros anos do período analisado.


O trabalho estima aumento de 38% para as exportações brasileiras de carne bovina nos próximos dez anos, bem acima dos 12% antecipados para os Estados Unidos, além de altas de 26% nas vendas externas de frango, de 17% para as exportações de soja, com o Brasil passando a responder por metade das exportações globa is do grão, e elevação da fatia brasileira no mercado mundial de açúcar de 39% para 43%


Neste ano, diz Andreia Adami, pesquisadora da área de exportação do Cepea, o agronegócio brasileiro deverá manter “forte ritmo de vendas ao exterior, principalmente dos produtos do complexo da soja, que apresentaram participação de 47% nas vendas totais do setor; e com destino para a China, que manteve participação de quase 40% no faturamento do setor”. No primeiro semestre deste ano, as exportações do setor avançaram 20,8% para US$ 61,49 bilhões, depois de atingir US$ 12,11 bilhões apenas em junho, um novo recorde, num salto de 25% ante o mesmo mês de 2020. As estimativas mais recentes, retoma Thomas Raad, permitem antecipar exportações históricas na faixa de US$ 105 bilhões a US$ 110 bilhões, diante de US$ 100,7 bilhões em 2020.

Por Lauro Veiga Filho, Revista Valor Setorial    


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