Em ano de safra e faturamento recordes, mercado mundial pressiona por padrões sustentáveis de produção
Os eventos climáticos assumiram frequência mais rotineira ao longo das
últimas décadas, tornando cada vez mais comuns episódios de quebra de safra, em
geral por falta de chuvas, observa Marcello Brito, presidente da Associação
Brasileira do Agronegócio (Abag). “Problemas assim ocorriam a cada dez anos,
passaram a se repetir de cinco em cinco anos, depois de três em três anos, numa
sequência que preocupa o setor e vem se encurtando, numa comprovação dos
efeitos das mudanças climáticas.” Clima e meio ambiente assumiram posição
central no debate sobre o futuro do agronegócio, assim como a questão da
segurança alimentar, ressurgida com maior fôlego durante a pandemia, acrescenta
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador da FGV Agro.
Brito considera que o país deveria dedicar maior atenção ao combate ao
desmatamento ilegal, adotando políticas mais efetivas nesta área. “Ou acabamos
com o desmatamento ilegal ou o desmatamento ilegal vai acabar com a imagem do
Brasil no exterior." Ele lembra que as grandes empresas do setor têm
compromissos globais e tiveram que se enquadrar a um nível de exigência mais
elevado nas áreas ambiental e sanitária, especialmente depois da pandemia. “A
questão ambiental veio para ficar e quem não acompanhar vai ficar fora do
mercado.” Thomas Raad, CEO da Raad International Trading, sustenta que a
política externa brasileira deveria ser, por isso mesmo, mais amigável,
especialmente em relação à China, destino de quase 39% das exportações do
agronegócio brasileiro no primeiro semestre.
Rodrigues coloca a questão climática como um dos grandes pontos de interrogação
no caminho do agronegócio, não apenas no longo prazo, mas já nesta segunda
metade do ano, juntamente com o câmbio, que passou a oscilar para baixo a partir
de abril, recuando em média 8,7% na comparação entre março e os 12 primeiros
dias de julho. “O Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária cresceu 5,7% no
primeiro trimestre deste ano e ajudou a sustentar a atividade econômica, mas
não acredito que o setor cresça tudo isso até o fim do ano.”
Rodrigues antevê um período de incertezas para o setor neste segundo semestre,
num momento de queda na colheita de cana, reduzindo a produção de açúcar e
etanol; quebra ainda na produção de laranja; uma retração mais severa na
produção de café do que sugere a bianualidade da cultura; e perdas também para
o milho. A menor oferta de milho, continua o ex-ministro, pressiona os custos
das carnes e traz de volta a ameaça de uma recaída inflacionária no setor de
alimentação, num cenário de “desemprego gigante” e perda de renda para as
famílias.
Bruno Lucchi, diretor-técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil (CNA), antecipa igualmente um “cenário desafiador” no semestre em curso,
com a alta nos custos de produção gerando impacto maior sobre as cadeias de
produtos destinados mais ao consumo doméstico, a exemplo de leite, ovos,
hortaliças e de algumas frutas. Aqueles setores, diz ele, têm acumulado alta de
custos, enquanto as receitas “não crescem na velocidade desejada”, porque o
consumo não está propriamente aquecido e continua sendo castigado pelo
desemprego elevado.
As restrições impostas pelo volume reduzido de chuvas desde o começo do plantio
da safra 2020/2021 ajudam a reforçar uma visão mais cautelosa sobre o futuro
imediato no setor, o que tem levado algumas consultorias a antecipar tendência
à estabilidade para o PIB da agropecuária no encerramento do ano diante da
redução nos volumes produzidos em segmentos importantes, embora este não seja um
diagnóstico unânime.
Nelson Ananias, coordenador de sustentabilidade da CNA, teme que a agricultura
irrigada, já atingida pela alta nos custos da energia, venha a sofrer problemas
no suprimento de água, porque a Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional
de Recursos Hídricos, não define como prioritário o uso da água para a
irrigação. O baixo nível dos reservatórios na principal região de produção
fundamenta os temores expressos por ele. Os dados do Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS) mostram que em julho o volume de energia armazenada no
sistema das regiões Sudeste e Centro-Oeste representava 28,1% de sua capacidade
máxima, diante de 48,1% no mesmo mês de 2020. “A agricultura irrigada ocupa em
torno de 8,6 milhões de hectares, perto de 10% da área utilizada pela
agricultura. Mas foi grande responsável pelos ganhos de produtividade, porque
possibilita um rendimento três vezes maior do que as culturas de sequeiro,
reduz o risco climático e permite que as plantas desenvolvam seu potencial produtivo.”
O atraso das chuvas em 2020 obrigou os produtores a postergar o início do
plantio da safra de verão, impedindo a semeadura da segunda safra de milho no
período recomendado pela pesquisa. A Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab) havia estimado, em julho, quebra de 10,8% na colheita do grão, com a
produção da segunda safra baixando de 75,05 milhões de toneladas no ciclo
2019/2020 para 66,97 milhões de toneladas. A produção total de milho no ano
agrícola encerrado em junho, na previsão da Conab, tenderia a cair para 93,4
milhões de toneladas, cerca de 9,2 milhões a menos do que na safra 2019/2020. A
safra de grãos colhida neste ano, de qualquer forma, será a maior até aqui,
somando em tomo de 260,8 milhões de toneladas, perto de 3,78 milhões a mais do
que no ciclo anterior, numa variação de 1,5%. Enquanto a área cultivada avançou
4,4%, o mau tempo derrubou a produtividade média das lavouras em 2,8%, para
3.790 quilos por hectare, resultado mais baixo em quatro safras.
Nas últimas dez safras, a produção de grãos cresceu 56,9%, puxada pelo
crescimento de 35,2% na área destinada ao cultivo e pela variação de 16% na
produtividade média, castigada por intempéries climáticas ao longo do período,
porque o investimento em tecnologia não foi interrompido diante dos bons
resultados no bolso dos produtores em anos mais recentes. Ainda conforme os
dados da Conab, no decênio anterior, a alta de 68,2% na produção havia sido
influenciada mais pelo avanço de 35,6% no rendimento médio das lavouras,
enquanto a área cresceu 24% entre as safras 2001/2002 e 2010/2011. Nesta
comparação, os produtores haviam acrescentado em tomo de 6,85 toneladas à
produção de grãos a cada hectare agregado à área de plantio. Nos dez anos
seguintes, a ocupação de um hectare adicional pela agricultura gerou 5,28
toneladas de grãos a mais.
Os níveis de tecnologia aplicada ao
campo têm avançado, como mostram o consumo de fertilizantes, que vem batendo
recordes sucessivos desde 2016 e deve alcançar perto de 43 milhões de toneladas
neste ano, crescendo 6% em relação a 2020, segundo projeta Guilherme Bellotti,
gerente de consultoria agro do Itaú BBA. O grande volume previsto, no entanto,
poderá trazer problemas para os produtores que deixaram para fechar compras
mais tarde, alerta ele, diante do risco de gargalos na distribuição do insumo,
podendo retardar a chegada do fertilizante ao campo.
Ainda na área da tecnologia, no fim de
junho, o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) divulgou
estudo mostrando que 86% dos produtores do Estado instalaram internet na
propriedade, embora a conexão esteja concentrada ainda na sede das fazendas,
deixando grande parcela da zona rural em conectividade. Os smartphones
assumiram papel relevante na gestão da propriedade e no acesso à informação
para 92% dos produtores entrevistados, superando os computadores. Além disso,
61% dos agricultores adotam aplicativos e softwares na gestão do negócio e para
acompanhar a previsão de tempo e no manejo de pragas e doenças.
Outro indicador, desta vez aferido pelo Centro de Estudos Avançados em Economia
Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, limitado inicialmente ao caso do milho,
identificou que os ganhos de produtividade foram responsáveis por 50,4% do PIB
gerado pela cultura entre 2001 e 2020 de um total de R$ 715 bilhões, o aumento
da produtividade respondeu por R$ 360 bilhões em termos reais. No mesmo
período, enquanto o rendimento médio dos plantios avançou a uma taxa anual de
6,6%, a área cresceu 1,9% ao ano.
Desde 2020, analisa Nicole Rennó Castro, pesquisadora da equipe de
macroeconomia do Cepea, a alta dos preços tem impulsionado o PIB do agronegócio
sob a ótica da renda. No ano passado, o crescimento foi recorde, chegando a
24,3% na medição do centro de estudos, com o PIB atingindo R$ 1,976 trilhão,
perto de 26,6% do PIB total. No primeiro trimestre deste ano, o avanço foi de
5,35% e a estimativa sugere que a participação do agronegócio na economia tende
a alcançar 30%, a participação mais elevada na série histórica do Cepea. O
Valor Bruto da Produção (VBP) caminha na mesma direção e deve superar o recorde
de 2020, aproximando-se de R$ 1,10 trilhão neste ano. Nas projeções do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o valor bruto
deverá crescer 10,5 % neste ano em termos reais, saindo de R$ 995,04 bilhões em
2020 para R$ 1,09 trilhão. As atividades ligadas mais diretamente às
exportações explicam boa parte deste desempenho, segundo Lucchi, diante da alta
nos preços internacionais e domésticos e do dólar mais favorável.
O forte crescimento da renda tende a influir nos resultados finais da safra
recém-concluída e ajudará a manter um panorama promissor para o ciclo
2021/2022, especialmente no caso da soja, adianta Bellotti. A margem de
lucratividade para o produtor, na média, tende a subir 14,3% ante a safra
passada para a oleaginosa, saindo de R$ 3.974 para R$ 4.538 por hectare, numa
sequência de três altas desde o ciclo 2018/2019. O custo agrícola deverá subir
pouco mais de 22%, observa ele, e não deverá comprometer o resultado final.
As margens para o milho, que ficaram estáveis em 2020/2021 em função da quebra
no rendimento médio das lavouras, deverão subir quase 21% na safra 2021/2022,
chegando a R$ 3.121 por hectare. O balanço entre oferta e demanda para o grão
deverá ser apertado, prevendo-se estoques de passagem entre 2021 e o próximo
ano ao redor de três milhões de toneladas, um mês de consumo. As projeções para
o algodão e o arroz sugerem margens em queda, com redução de 4,8% para o
primeiro e tombo de 44,8% para o segundo.
Em linhas gerais, Bellotti acredita que a soma dos resultados esperados deverá
estimular os produtores a investir no melhor pacote tecnológico, o que
significa a adoção de sementes de melhor potencial produtivo, melhores tratos
culturais e manejo adequado. Se o clima colaborar, não está afastada a
perspectiva de uma produção superiora colhida neste ano. As projeções mais
recentes do Mapa antecipam uma colheita superior a 300 milhões de toneladas no
ciclo 2024/2025, antecipando em três temporadas a previsão feita pelo mesmo
ministério, que apostava alcançara marca na safra 2027/2028. O mesmo estudo
prevê uma produção de 333,1 milhões de toneladas até 2030/2031.
O ciclo de alta nos preços internacionais das commodities agrícolas deverá ser
temporário, segundo avaliação recente da Agência das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). O mercado tende a se ajustar a médio prazo,
trazendo os preços para baixo em termos reais, segundo o relatório anual sobre
perspectivas agrícolas para o período entre 2021 e 2030 divulgado pelos dois
organismos. Ambos antecipam “ligeira baixa dos preços reais, sob efeito das
melhoras da produtividade e da desaceleração do crescimento da demanda” para os
primeiros anos do período analisado.
O trabalho estima aumento de 38% para as exportações brasileiras de
carne bovina nos próximos dez anos, bem acima dos 12% antecipados para os
Estados Unidos, além de altas de 26% nas vendas externas de frango, de 17% para
as exportações de soja, com o Brasil passando a responder por metade das
exportações globa is do grão, e elevação da fatia brasileira no mercado mundial
de açúcar de 39% para 43%
Neste ano, diz Andreia Adami, pesquisadora da área de exportação do Cepea, o
agronegócio brasileiro deverá manter “forte ritmo de vendas ao exterior,
principalmente dos produtos do complexo da soja, que apresentaram participação
de 47% nas vendas totais do setor; e com destino para a China, que manteve
participação de quase 40% no faturamento do setor”. No primeiro semestre deste
ano, as exportações do setor avançaram 20,8% para US$ 61,49 bilhões, depois de
atingir US$ 12,11 bilhões apenas em junho, um novo recorde, num salto de 25%
ante o mesmo mês de 2020. As estimativas mais recentes, retoma Thomas Raad,
permitem antecipar exportações históricas na faixa de US$ 105 bilhões a US$ 110
bilhões, diante de US$ 100,7 bilhões em 2020.
Por Lauro Veiga Filho, Revista Valor Setorial
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