Uma análise feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) a partir de dados da educação brasileira ao longo de 20 anos mostrou que
a combinação de desigualdades de gênero, raça e classe criam um fosso já nos
anos iniciais da escolarização, dificultando o acesso à educação no país, e se
perpetuando até anos depois.
A análise mostra que o Brasil avanço relevante nos
índices educacionais em duas décadas, entre 1997 e 2017, mas as disparidades
persistem.De acordo com a análise, o acesso dispar à educação obedece uma
hierarquia na qual os piores índices são registrados entre homens negros,
seguidos de mulheres negras. No topo estão mulheres brancas e, depois, homens
brancos.
Os pesquisadores levaram em consideração dados da
Pesquina Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), da Pesquina Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-Contínua) e do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb). O pesquisador Milko Matijascic, que assina o estudo
junto com a pesquisadora Carolina Rolon, explica que apesar de haver mudança na
amostragem das duas pesquisas é possível fazer análises da evolução do cenário
educacional a nível nacional. A pesquisa leva em conta os 20 anos que se
seguiram após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em
1996.
No caso dos anos iniciais do ensino fundamental, em
1997, 55,5% dos jovens brasileiros de 12 anos tinham concluído a etapa. Vinte
anos depois, houve um salto para 93,3% desses jovens. O país avançou na
inclusão de negros na escola saindo de um patamar de 39,2% do grupo com a etapa
concluída em 1997 para 92,3% em 2017. O avanço possibilitou que essa população
encostasse nos brancos, cujo índice de conclusão saltou de 71,9% para 94,9% em
vinte anos. Apesar disso, o longo caminho que os negros tiveram a percorrer
refletiram nos índices da etapa seguinte.
Em relação à conclusão dos anos finais do ensino
fundamental pela população de 16 anos, houve um avanço de 40,8 pontos
percentuais no período. Enquanto em 1997, a taxa geral de conclusão era de
31,3% em todo país; em 2017, o índice chegou a 72,1%. Ainda que o avanço da
escolarização na população negra tenha sido maior, com crescimento de 49,9
pontos percentuais em 20 anos, frente ao incremento de 34,5 pontos percentuais
entre a população branca, negros continuam em desvantagem. A análise mostra que
em 2017, 67,8% dos negros de 16 anos tinham concluído a etapa, entre os brancos
o índice chegava a 78,9%. Também há disparidade entre regiões do país.
"A intersecção das desigualdades de raça, gênero e
renda se aprofunda na etapa dos anos finais do ensino fundamental, quando
comparada com as desigualdades nas taxas de conclusão dos anos iniciais",
diz o estudo, acrescentando: "Esses resultados ressaltam a centralidade da
interseccionalidade de raça, sexo e renda nas oportunidades educacionais no
ensino fundamental brasileiro".
— O problema dos anos inicias é tanto menor, mas
seguramente se refletirão nos anos finais. Muitas vezes enxergamos que para os
anos iniciais "está resolvido e não há preocupação", mas colocamos
que ainda existem problemas nos anos iniciais e eles se repetem nos anos finais
e no ensino médio. É uma questão mais complicada, o que mostramos é que não dá
para relaxar com os anos iniciais — explica Matijascic.Além das taxas de conclusão,
os pesquisadores também analisaram dados de desempenho dos alunos nas provas de
Português e Matemática do Saeb ao longo de 20 anos. Em termos gerais, houve
avanço relevante no índice de estudantes do quinto ano do fundamental que
alcançaram nível 4 ou superior em Português e Matemática, considerado adequado
pelos pesquisadores, de 1997 para 2017. No caso de Língua Portuguesa, o índice
saltou de 35,8% para 64,1% no período, aumento de 28,3 pontos percentuais. O
avanço também foi registrado entre a população negra, mas ainda assim esse
grupo fica abaixo da média nacional com 59,8%, em 2017, enquanto os brancos
ultrapassam esse patamar com 71,2%. O ritmo de crescimento da população com
desempenho satisfatório nos anos iniciais foi menor entre os negros, com
acréscimo de 27,9 pontos percentuais em 20 anos, frente a um crescimento de
31,1 pontos entre os brancos.
Em matemática, o cenário é semelhante. O percentual de
alunos brasileiros acima do nível 4 passou de 38,9% em 1997 para 69,9%, em
2017. Entre os negros, o percentual passou de 34,5% em 1997 para 65,9% em 2017,
indíce inferior à média nacional e também ao registrado entre a população
branca. No caso desse último grupo, houve aumento de 43,4% para 76,3% ao longo
do período analisado, índice acima da média do país.
Também houve progresso entre os alunos do nono ano do
fundamental que atingiram nível 4 ou mais nas provas de Português e Matemática
do Saeb, mas o índice ainda é bem menor do que o registrado nos anos iniciais.
A pesquisa mostra que em 1997, 32,1% dos estudantes atingiram esse patamar na
prova de Língua Portuguesa. A taxa passou para 41,5% em 2017. Em 1997, 24,6%
atingiram essa nota,enquanto entre os brancos o percentual era de 37,2%. Vinte
anos depois, 35,2% dos estudantes negros estavam nesse patamar de desempenho,
frente a 51,9% dos brancos.
Nas provas de matemática o cenário se reproduz. O índice
de estudantes brasileiros com desempenho igual ou maior a 4 saiu de 30,1% em
1997 para 38,6% em 2017.Entre os negros, o percentual passou de 20,6% para 32%
em vinte anos. Já entre estudantes brancos a taxa foi de 36,6% para 49,7% no
período.
O estudo explica que a análise isolada da renda, do
gênero ou da raça dos estudantes não daria conta de explicar o cenário de
desigualdade no acesso à educação no país. E argumenta que todas essas esferas
devem ser levadas em conta para o estabelecimento de políticas públicas
eficientes.
"Manter o foco no combate às fragilidades de
aprendizagem desde cedo é uma condição incontornável para que os problemas não
se agravem com a mudança das etapas de ensino. Os alunos com problemas de
aprendizagem nos anos iniciais estabelecem o piso dos percentuais daqueles que
não atingirão um desempenho desejável na etapa seguinte, e essa lógica também
vale para o ensino médio", diz a pesquisa.
— É um avanço positivo, importante, digno de nota, as
próprias agências internacionais reconhecem, mas ainda com tremendos desafios
do ponto de vista da qualidade (do ensino). O aprendizado em Língua Portuguesa
e Matematica ainda tem sérios problemas, o que também se confirma no Pisa
(Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que é onde o Brasil tem
desempenho bastante complicado — afirma Matijascic.
O pesquisador explica que medidas relacionada à
busca-ativa dos estudantes para evitar a evasão e políticas contrárias à
reprovação automática contribuíram para elevar os índices de conclusão no país.
Matijascic também destaca a importância da implementação de avaliações, com o
Saeb, que contribuíram para direcionar as políticas educacionais ao longo do
tempo.
— Houve uma série de políticas ativas em diversos
mandatos, com diferentes presidentes, diferentes ministros, o que é importante,
houve uma certa continuidade e isso é uma coisa interessante e razoalmente
inédita no Brasil. Isso vem com a democracia e a Constituição de 1988 —
argumenta.
Por Paula Ferreira, O
Globo
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