Prevista para 2022, rede 5G de internet móvel promete
mudar a forma como vemos e interagimos com o mundo. Entenda o que vem por aí e
conheça as novidades
Imagine uma cirurgia em que o médico opera a distância, apenas como um
holograma na sala, enquanto um robô controlado por ele executa os movimentos.
Ou que você consiga sentir o cheiro de pólvora exalar do monitor durante uma
partida do seu game de ação preferido. Considere ainda a possibilidade de
percorrer os 2 mil quilômetros entre São Paulo e Salvador em um veículo
autônomo sem tocar as mãos no volante. Tudo isso soa como fantasia ao estilo de
filmes como Star Wars e Minority Report, mas pode se tornar realidade em alguns
anos com a chegada da quinta geração da rede de internet móvel - mais conhecida
como 5G.
Até lá, porém, o Brasil precisará superar deficiências na infraestrutura
de telecomunicações e agilizar o ambiente de negócios para turbinar
investimentos. O primeiro passo esperado pelo mercado é a realização do leilão
das frequências do 5G, previsto para ocorrer até o fim do ano. Tudo caminha
para o prazo ser cumprido e a tecnologia ser instalada em algumas capitais até
o primeiro semestre de 2022. Só falta o governo federal superar a celeuma
diplomática em que se meteu na hora de avaliar os modelos tecnológicos
americano, chinês e europeu. O pano de fundo foi a cisma de que Pequim poderia
espionar o Brasil, como se as teles nacionais não tivessem capacidade técnica
de se proteger. A tese já teria sido deixada de lado pelo Ministério das Comunicações,
conforme especialistas ouvidos pela PODER.
O Brasil está pelo menos dois anos atrasado na implementação. Países
europeus, asiáticos e os Estados Unidos já deram passos consistentes na
consolidação da tecnologia. Há cerca de 300 milhões de chineses usando 5G em
seus celulares neste momento. Por aqui, perdeu-se tempo devaneando sobre a
possibilidade de espionagem por uma companhia chinesa, aventada pelo governo
dos EUA, concorrente direta de empresas americanas e europeias na oferta da
infraestrutura necessária para implantar a rede de quinta geração. “É muita
teoria da conspiração achar que um país vai dominar o mundo”, afirma o
coordenador do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da FGV-SP, Alberto
Luiz Albertin. Em um mundo cada vez mais tecnológico, as teles dominam sistemas
de firewall (segurança) para debelar ataques hackers. “Esse assunto
[espionagem] já foi superado”, observa Márcio Kanamaru, sócio-líder de
tecnologia, mídia e telecomunicações da KPMG. “Não existe qualquer restrição para
o provedor de tecnologia X ou Y”, afirma.
Arquitetura tecnológica
Outro debate superado foi da definição do modelo básico de arquitetura
tecnológica a ser adotado pelo país. Ficou estabelecido o modelo standalone,
que elimina qualquer possibilidade de as operadoras utilizarem partes do 4G
para compor a estrutura da rede 5G. Isso significa que empresas fortes
atualmente na oferta de internet terão de mudar completamente suas estruturas e
que novos competidores possam surgir. “O 5G é uma tecnologia disruptiva. Não é
uma tecnologia de continuidade, como foi do 3G para o 4G. Estamos falando da
economia das máquinas, da indústria 4.0, de modelos de negócios totalmente
conectados, de altíssima velocidade, de carros autônomos, de saúde com
holografia. Quase todos os segmentos serão impactados por essa economia”,
resume Kanamaru.
A quinta geração pode injetar US$ 1,2
trilhão em investimentos na economia brasileira até 2035, incluindo a
instalação da rede e inovações em diversas áreas. O montante corresponde a algo
em torno de 85% do produto interno bruto (PIB) do país no ano passado, quando a
economia movimentou R$ 7,4 trilhões (cerca de US$ 1,4 trilhão). A estimativa
consta em um estudo elaborado pela Nokia e a consultoria Omdia. Segundo o CEO
da Nokia no Brasil, Ailton Santos, se levado em conta o aumento de
produtividade com a economia digital, estamos falando de US$ 3,08 trilhões.
Davis e Golias
As teles terão de competir com novos entrantes no mercado. É este o
direcionamento esperado no edital do leilão da Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), que está sob avaliação do Tribunal de Contas da
União (TCU). “O importante é garantir que todos os pontos sejam ajustados
entre as entidades (TCU, Anatel e Ministério das Comunicações) e que o leilão
não tenha viés arrecadatório, mas foco em transformar o Brasil em um país ainda
mais digital”, opina o vice-presidente B2B da Vivo, Alex Salgado (leia
entrevista ao lado).
Após aprovação do TCU, a Anatel
irá colocar em licitação na primeira rodada de disputa quatro blocos nacionais
de rede nas seguintes faixas de frequência: 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz.
Cada faixa exigirá um compromisso de investimento. Calcula-se em cerca de RS 44
milhões a arrecadação no certame pela agência reguladora.
A disputa da Anatel promete acirrar a
briga entre Claro, TIM e Vivo. A Oi desistiu ao vender sua operação móvel para
as concorrentes. O mercado espera novos players disputando as frequências em
leilão, incluindo pequenas operadoras de internet atuantes em áreas onde as
grandes não estão. Operadoras que atendem no interior do país e em cidades
menores próximas a centros urbanos são denominadas ISP (Internet Service
Provider). Elas tendem a se beneficiar comprando fragmentos de frequência ou
mesmo alugando partes da rede de companhias maiores. “Existem players
interessados em comprar lote nacional [de rede 5G no leilão] para fragmentar
para as ISP terem alguma fração para operar na sua região”, indica Kanamaru,
que assessora empresas do setor.
Segundo a Anatel, pequenas operadoras
representam 41% dos acessos à banda larga no país e 65,8% em cidades com menos
de 20 mil habitantes - existem pelo menos 32 milhões de brasileiros vivendo em
cidades desse tamanho, de acordo com o IBGE. As ISP operam também em capitais e
cidades médias pouco valorizadas pelas grandes operadoras. O movimento fez
surgir empresas com capilaridade e porte expressivos e elas começam a chegar à
bolsa de valores em busca de recursos para ampliar sua rede. Julho foi o mês
das ISP na B3. Três empresas realizaram ofertas públicas iniciais de ações
(IPO), movimentando R$ 2,96 bilhões. A cearense Brisanet gerou R$ 1,43 bilhão,
a catarinense Unifique R$ 818 milhões e a Desktop, paulista de Sumaré, levantou
R$ 715,2 milhões na bolsa.
Ultravelocidade x fosso digital
Existe uma palavra que define a quinta geração: ultravelocidade. O 4G
atual oferece a velocidade limite de 1 Gigabits por segundo (Gbps) para
download, ao passo que no 5G serão 20 Gpbs. Ou seja, apenas alguns segundos
para baixar um filme. Não haverá tempo nem de fazer a pipoca e pegar o
refrigerante na cozinha antes de dar play. O mais importante: o aumento de
velocidade tende a gerar uma redução no consumo de energia que pode chegar a
90%.
A alta velocidade irá transformar o
mundo como vemos hoje e será atingida com a redução do tempo de resposta entre
as torres de telecomunicações, que deverão estar mais próximas para reduzir a
latência (perda de sinal). Tal perda de velocidade no 4G varia, em média, de 35
a 52 milissegundos. Essa latência no 5G deve cair para 2 milissegundos.
Porém, para oferecer uma quinta geração
efetivamente real o país precisa superar problemas de infraestrutura
evidenciados pela pandemia. Falhas como quedas de sinal, dificuldade de conexão
e oferta de rede com velocidade mínima para assistir aulas on-line fazem parte
da vida dos brasileiros. As falhas se devem, principalmente, pela baixa oferta
de antenas distribuindo sinal de internet. De acordo com a Anatel, o Brasil
soma 103.303 antenas em operação atualmente.
A KPMG calcula que serão necessárias
dez vezes mais. O país precisará, portanto, de mais 1,3 milhão de novas antenas
para tornar o 5G palpável. Isso gera o desafio logístico em um país continental
e, principalmente, estratégico se o Brasil quiser dinamizar a economia. “Não
adianta o carro autônomo se não houver antenas com as quais ele possa
‘conversar’ para o funcionamento ser eficiente”, observa Albertin.
PAPO DE ESPECIALISTA com Alex Salgado,
vice-presidente B2B da Vivo
PODER: O que mudará com o 5G? A tecnologia 5G é fundamental para a
digitalização do Brasil e com o potencial de mudar significativamente a forma
como vivemos e como as empresas fazem negócios. De forma geral, espera-se que
traga benefícios em três campos principais: internet móvel de alta qualidade,
que possibilita experiências mais imersivas incentivando uma nova geração de
aplicações e soluções cada vez mais envolventes - unindo o mundo virtual e o
real; comunicações de missão crítica, que demandam uma conexão ultraestável,
ultraconfiável e de baixa latência como, por exemplo, o controle remoto de
infraestruturas em fábricas, carros autônomos e robôs industriais; e a Internet
das Coisas (loT), que possibilita a conexão massiva de sensores, com novas aplicações
digitais para um grande número de indústrias.
PODER: O que representa em
possibilidades de negócios? No contexto industrial, as redes 5G terão papel
preponderante devido a sua grande capacidade e confiabilidade para suportar e
se adaptar a um universo de aplicações e requerimentos necessários à sua
execução. Essas redes suportarão aplicações de missão crítica em ambientes
extremamente agressivos onde a qualidade dos serviços, bem como sua
disponibilidade, são essenciais para operações em linhas de montagem, chão de
fábrica ou no campo, nas quais a produção não pode parar. Temos alguns casos
com uso experimental das redes 5G em diversos setores. Anunciamos uma parceria
com São Martinho e Ericsson, com foco na conectividade e desenvolvimento de
novas aplicações para a agroindústria; conectamos a primeira agência bancária
com redes 5G, em parceria com o Itaú; criamos um centro de soluções 5G, em
parceria com a FEI, com foco na pesquisa e desenvolvimento de soluções e
aplicações na indústria 4.0; além dos nossos projetos de redes privativas LTE
on-shore e off-shore, com grandes empresas, como Vale e Petrobras, cuja
infraestrutura estão preparadas para migração ao 5G.
Nivaldo Souza, Revista Poder
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