quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Aos 72, brasileira adepta da escalada é exemplo para idosos no Japão

 


Nascida em Teresina, Piauí, Mary Lages nunca imaginou que um dia seria a estrela de um comercial no Japão. No país que recebeu os Jogos Olímpicos em 2021, ela virou, aos 72 anos, um modelo de vida ativa para a população idosa mostrando o que mais gosta de fazer: escalar.

 

"É muito emocionante poder levar nossa mensagem e nossa inspiração para o outro lado do mundo. A gente acabou virando um exemplo para mostrar que é possível, sim, fazer muitas coisas, independente da idade", diz Mary à DW Brasil.

No comercial, acompanhada do marido e de dois dos quatro filhos, ela escala sorridente o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Gravado em 2017, ano seguinte aos Jogos Olímpicos na cidade, o filme foi exibido no Japão pela Mitsui Fudosan, uma das patrocinadoras do megaevento esportivo, que chegou ao fim no último domingo (08/08).

Programados para 2020 mas adiados para 2021 devido à pandemia, os Jogos de Tóquio marcaram a estreia da escalada como modalidade olímpica. Mas a escolha de Mary para o vídeo não teve a ver com isso.

"A ideia era contar histórias de superação, e a Mary seria o grande exemplo para essa população idosa japonesa", detalha Julieta Kawaoka, coordenadora de produção no Brasil. "A história dela é fantástica. Ela surpreende porque, quando as pessoas acham que não são mais capazes de realizar grandes coisas, ela dá o grande salto e começa a escalar."

O Japão é o país com a maior população idosa do mundo. Dados oficiais apontam que 29% dos estimados 126 milhões de habitantes têm mais que 65 anos.

De pavor a amor por altura

Para Mary, a idade nunca foi um empecilho. Ela começou a escalar paredões rochosos aos 47 anos, em 1996. Até então, as aventuras se limitavam a caminhadas nas montanhas e acampamentos selvagens com os filhos. As crianças pequenas eram estimuladas a levar suas próprias minimochilas e sacos de dormir, adaptados e confeccionados pela mãe.

"Eu tinha uma vida ativa, mas não praticava esporte. E eu tinha pavor de altura", relembra.

Quando percebeu que a escalada era o assunto que mantinha a família unida e entretida, Mary fez de tudo para vencer o medo.

"Eu tinha quatro filhos. Meu mais velho, naquela época, ficava em casa conversando e vendo videos com o irmão mais novo, de oito anos. Eu vi que o esporte promovia a integração e que não fazia uma diferenciação por idade", explica.

Foi Yan Ouriques, o filho mais velho, que apresentou a escalada à família, levado por um amigo a experimentar o esporte. "Eu morri de medo, mas achei incrível. Convidei meu pai pra ir comigo na semana seguinte. Ele foi e amou. No terceiro final de semana foi a família toda, e nunca mais paramos", relembra Yan.

O hobby virou profissão. Em 1997, aos 18 anos, Yan já dava cursos. A família acabou abrindo uma academia em Belo Horizonte, onde reside. Até o mais novo dos irmãos, Juan, que é engenheiro, atualmente trabalha com o esporte.

Quem chegou mais longe no mundo das competições foi o outro irmão, Jean Ouriques: ele foi quatro vezes campeão brasileiro na modalidade. Aposentado, ele agora se dedica à função de treinador de atletas de base da Associação Brasileira de Escalada Esportiva (ABEE).

"É um projeto novo, para quem sabe, levar representantes brasileiros nas próximas edições dos Jogos", comenta Yan.

Na academia, Mary costumava escalar - antes da pandemia - ao lado de crianças de 10, 11 anos. "Eles me dizem: ‘Queria tanto que minha mãe fosse como você!' Eu fico emocionada e incentivo outras mulheres. Depois acompanho a mudança das pessoas, porque elas se modificam quando começam a treinar", diz.

O marido, Everton Ouriques, de 67 anos, está acostumado com a empolgação que a esposa causa nos outros. "A Mary, com todo esse vigor físico e por ser mulher, tem um apelo muito forte em qualquer lugar do mundo. Na família, dizemos que ela é a mais aplicada nos treinos", conta.

Na estrada atrás de paredões

O caminho feito por cordas e mosquetões até o topo do cartão-postal carioca já era conhecido por Mary quando ela aceitou gravar o comercial para o público japonês. Dez anos antes, ela havia se aventurado ali pela primeira vez com a família completa: o marido e os filhos Yan, Jean, Anne e Juan.

Outra aventura marcante do grupo é uma escalada ao cume do Dedo de Deus, também no Rio. Além dos equipamentos, os participantes levaram traje a rigor e até tapete vermelho para fazer, no topo, uma breve cerimônia de casamento de Yan, em 2011.

"Estávamos em 15 pessoas, algumas eram inexperientes. Foram 26 horas ininterruptas de escalada", relembra Everton.

A bordo de uma picape compacta que equiparam com uma cama e gavetões, Mary e Everton rodaram mais de 14 mil quilômetros até a Patagônia, em 2017, num percurso que durou 100 dias. Além das visitas a parques nacionais para escalar, eles observam aves e exploram cursos d'água com um caiaque inflável.

Antes da pandemia, as últimas viagens de carro em busca de paredões rochosos foram para o Nordeste. "Por causa da covid-19, ficamos bastante isolados. Vamos à academia treinar bem cedo, quando ela ainda está fechada para o público", diz Mary, que perdeu irmão e um sobrinho para a doença, além de outras pessoas conhecidas.

A escaladora não tem planos de parar. "O esporte melhora a autoestima, a autoconfiança e o equilíbrio. Qualquer pessoa pode escalar, é só querer, aprender a usar o corpo. Eu vou aos lugares, escalo pedras, paredes, mas ainda não gosto de olhar para baixo", confessa.

Deutsche Welle


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