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Maria Roselha reclama da escassez de água na sua fazenda causada pela perfuração de um poço de alta vazão em uma empresa vizinha - Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias |
“Em 60 anos vivendo aqui, só parou de minar água quando uma empresa
produtora de ração animal furou um poço 1 km acima; e desde então foi secando,
até que agora temos esse chorrinho de água que não aguenta nem lavar a louça”.
O lamento da pequena produtora rural de Uberlândia
Maria Rosélia Rocha, de 52 anos, traz à tona um problema que com a crise
hídrica tende a se agravar: a exploração excessiva de aquíferos e lençóis
freáticos durante a pior seca já registrada no centro-sul do país.
Com a caixa d’água ainda vazia, já que a recarga feita
com a única nascente restante na área onde cria gado, a louça se acumula na
cozinha. “Agora, você vê, além dos poços, quiseram distribuir eucaliptos para a
população; houve gente plantando perto das nascentes que, claro, secaram”, diz,
reclamando da árvore plantada em grandes quantidades para utilização industrial.
A região do Triângulo Mineiro, encravado entre Goiás e
São Paulo, é o principal celeiro de grãos e produtos agroindustriais de Minas
Gerais, e um dos principais do Brasil. O tradicional gado de leite vem sendo
substituído na caixa d’água energética do país por lavouras como soja, sorgo,
milho, cana-de-açúcar e eucalipto — com constante uso de irrigação,
pressionando a já pouca água disponível depois de mais de três meses sem chuva.
“Entendo que essa agricultura extensiva é ao mesmo
tempo afetada pela seca e causadora dela”, diz o doutor em recursos hídricos e
agrometeorologia e professora da UFU (Universidade Federal de Uberlândia). “Com
menos chuvas, temos menor recarga dos aquíferos, enquanto é justamente a época
que a agricultura depende mais da irrigação, já que o normal é ficar três a
quatro meses sem chuva; o resultado é um desequilíbrio dessa reserva do país
que acaba muitas vezes indo para o exterior”, comenta.
A retirada da água também acirra conflitos como o da
criadora Maria Rosélia. Todas as bacias fluviais locais da região que abriga a
maior parte das hidrelétricas nacionais já está comprometida com outorgas de
uso de água, o que acaba limitando a retirada. “Quando isso ocorre, qualquer
novo pedido de outorga é suspenso e é formado um comitê para delimitar o uso da
água desses rios; normalmente cada um poderia usar 50% desta vazão, mas isso já
não é possível em bacias como Araguari ou Uberabinha”, conta o doutor em
irrigação e recursos hídricos também da UFU Hudson Carvalho. “De uns meses para
cá vemos uma explosão na perfuração de poços profundos — conhecidos como poços
artesianos — que acabam afetando muito os mananciais, e logo os aquíferos
profundos”, comenta.
Apesar da necessidade de outorga para a retirada de
água subterrânea, especialistas consideram falhas na fiscalização que poderiam
acarretar na superexploração das águas subterrâneas. Hudson alerta também para
o plantio de Eucalipto em cabeceiras de rios. “Você tem uma planta otimizada
para crescer rápido e muito; e coloca uma ao lado da outra a cada 1,50m; não há
como não consumir muita água… nesta concentração, até mesmo pés de manga
poderiam exaurir o lençol freático”, afirma.
Tragédia perfeita
Apesar do impacto na quantidade de água que infiltra
no solo — e assim, acaba se tornando em chuva posteriormente —, a agricultura
extensiva está longe de ser a causadora da pior seca já registrada em 91 anos e
da maior crise dos reservatórios elétricos do país. Crise esta já mais grave
que em 2001, quando na mesma época do ano as represas acumulavam mais água do
que este ano.
“É como um acidente de avião”, comenta Michelle
Reboita, doutora em meteorologia pela Universidade Federal de Itajubá: “Uma
tragédia assim é sempre resultado de muitos fatores, tanto de origem natural
como humana".
Ela explica que o atual cenário vivido no país é a
continuação de um período mais seco iniciado ainda em 1998 e que vem ora
atenuando, ora se agravando. “Quando as águas do Oceano Atlântico aquecem mais
ao norte, o resultado é um deslocamento das nuvens de chuva da Amazônia para o
Caribe, e este ano isto estava ainda mais forte, apesar das enchentes ocorridas
este ano na Amazônia.
A maior floresta do mundo, junto da cordilheira dos
Andes, é o que impede o sudeste do Brasil de ser um deserto, semelhante ao deserto
da Namíbia, localizado na mesma latitude e irmão geológico do litoral
brasileiro. “É como um dominó; as chuvas que caem na Amazônia oriental evapora
e é levada para o oeste pelos ventos onde cai na Amazônia oriental, e assim por
diante”, explica Atarassi. Os ventos úmidos são barrados somente pela segunda
maior cadeia de montanhas do mundo, que empurra essa umidade para o sudeste,
formando os chamados “rios voadores”.
Com o desmatamento, as árvores responsáveis pela
transpiração da água acumulada que forma os rios voadores viram pasto. “É
necessário um volume grande de retirada da floresta para uma mudança no clima,
é difícil cravar esta ação com certeza, mas há uma ligação direta - além de
aumentar a temperatura como um todo, pois a floresta funciona como resfriador
natural da atmosfera”, afirma Reboita.
De janeiro a maio, os avisos de desmatamento na
Amazônia Legal alcançaram área de 2.547,7 km², alta de 25% em relação a igual
período do ano passado. Os dados aparecem no sistema de monitoramento Deter, do
Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Levantamento do Imazon (Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia) também indica piora no quadro. Conforme o instituto, uma
área de floresta quase do tamanho do município do Rio de Janeiro foi desmatada
apenas em maio. O Imazon detectou 1.125 km² de desmatamento no período, maior
saldo da série histórica para o mês nos últimos dez anos.
O clima está louco
“Rapaz, agora não dá mais para prever nada, nem quando
chove, parece que o tempo endoidou”, reclama o agricultor Maciel Campos, do
município de Prata. “Antes aqui o frio se concentrava em maio, agora está
geando em julho; lá na América do Norte um calor escaldante… realmente não
sabemos de nada”, conta, relembrando o fio recorde que vem atingindo nesta
semana e duas semanas atrás a região. A produção de milho de meio de ano,
conhecido como safrinha, foi perdida em cerca de 80% por causa do gelo
acumulado durante a madrugada.
A reportagem do Yahoo vem percorrendo todo este núcleo
de secas para entender a dimensão local e nacional do fenômeno, e ouviu
produtores afetados por eventos cada vez mais críticos que vêm ocorrendo.
“Com o aquecimento global, há mais energia acumulada
na atmosfera; isso não quer dizer que o planeta vai esquentar por igual”,
explica o professor Atarassi. “O que acaba ocorrendo é essa energia se
transformar em eventos cada vez mais potentes; enquanto na Alemanha estamos
vendo estas inundações e no Canadá calor de quase 50ºC, aqui a seca se soma ao
já esperado Lá Niña e o frio”.
O La Niña é visto como um dos motivos da crise porque
afeta a distribuição de chuvas. No país, esse fenômeno costuma provocar estiagem
no Centro-Sul, justamente onde estão os principais reservatórios para geração
de energia. O fenômeno é causado pelo resfriamento das águas superficiais do
Pacífico Equatorial, que geram uma alteração na circulação de ventos e umidade.
Na região Centro-Sul do Brasil, a tendência é de estiagem.
Com o avião em queda, Hudson Carvalho somente espera
que quando vierem, as chuvas não venham com a potência aumentada pelos
fenômenos “senão, com o desmatamento do cerrado, ela escoa direto para os rios,
não infiltra, não recarrega os reservatórios subterrâneos e no próximo inverno
estarão ainda mais secos”, diz. Em resumo, o Brasil corre o risco de ver a
estiagem perfeita se estender no cenário adiante.
Gustavo Basso, Yahoo
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