A Operação Lava-Jato levou quase quatro anos para percorrer os três quilômetros que separam o posto da Torre, marco zero das investigações, do Palácio do Planalto. O período - equivalente a um mandato eletivo - foi praticamente todo marcado por vitórias, premiadas com um respaldo popular sem precedentes. Após bater à porta do presidente da República, entretanto, a investigação coleciona revezes que colocam em xeque o legado que seus principais atores pretendem deixar.
Com acertos e erros notórios, o sucesso de audiência da Lava-Jato só foi possível por conta da efetividade de suas ações. Durante quase todo o primeiro "mandato" da operação, grande parcela da sociedade assistiu satisfeita ao encarceramento de empresários graúdos, políticos influentes e, de brinde, burocratas gulosos.
As regras do espetáculo, de fato, se tornaram desimportantes, quase dispensáveis. Mais do que uma prática equivocada, prisões preventivas intermináveis e conduções coercitivas descabidas funcionaram como ferramenta de propaganda, mantendo alimentada a nova horda de milhões de brasileiros ávidos pela desforra contra os poderosos.
Voto de Rosa Weber pode evitar o fim da prisão em 2ª instância
Isso posto, quase ninguém ousa dizer que a Lava-Jato não entregou resultados. Que o diga Marcelo Odebrecht. O "príncipe" das empreiteiras demorou a acreditar que cairia na teia dos procuradores de Curitiba e relutou até o fim em confessar seus feitos. A autoconfiança custou-lhe dois anos e meio de cadeia em regime fechado, experiência que termina amanhã.
Nos dois primeiros anos, a Lava-Jato beirou a unanimidade. Nem mesmo políticos com ficha corrida consagrada se atreviam a questioná-la. Os procuradores de Curitiba e o juiz Sérgio Moro viraram estrelas das redes sociais, analistas da cena política nacional e pré- candidatos aos mais variados cargos da República. Nascia o "partido da Justiça".
A primeira reação explícita da classe política veio com a tentativa de aprovação das dez medidas contra a Corrupção, um pacote com algumas iniciativas modernizadoras e outras flagrantemente abusivas. Naquele instante, qualquer ressalva às propostas representava um ingresso involuntário ao time dos inimigos da Lava-Jato, ou seja, "defensores da Corrupção".
Se aproveitando de trapalhadas da Lava-Jato, o contra-ataque político ganhou força e atingiu o ápice na semana passada, com o estapafúrdio pedido de indiciamento do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, acusado pela CPMI da JBS de incitação à subversão da ordem política e social do país.
Principal figura da segunda metade do "mandato" da Lava-Jato, Janot compara a operação a uma vara de marmelo. De consistência flexível e resistente, a vara já foi muito usada para castigar crianças travessas. Na analogia, a Lava-Jato é uma vara de marmelo envergada, mas que ainda está longe de quebrar. Uma vez solta, retorna violentamente à sua forma original, golpeando com força quem a estava segurando.
Foi alegando um risco de retrocesso que Janot fez (muita) força para evitar que Raquel Dodge assumisse a PGR. É disparatada, entretanto, a versão de que ele teria tentado derrubar o presidente da República a tempo de barrar a nomeação da rival. A versão é contada por aliados de Temer nos quatro cantos da Esplanada e culminou no pedido de indiciamento pelo relator da CPMI da JBS, Carlos Marun, novo responsável pela articulação política do governo.
O eventual indiciamento de Janot - já abortado - seria muito danoso para a reputação da LavaJato. Pressionada pela sociedade para proteger a operação, Raquel Dodge assumiu o cargo sob o manto da desconfiança, causada principalmente pela rapidez com a qual foi escolhida por Temer.
Desde que sentou na cadeira, há exatos três meses, suas menções ou omissões às palavras "Lava-Jato" e "Corrupção" são aferidas com precisão estatística, como que na busca por um sinal mais claro das verdadeiras intenções da nova PGR. As mudanças promovidas na equipe que cuida da Lava-Jato reforçaram as suspeitas sobre o apreço de Dodge pela investigação.
Nesse meio tempo, Temer também trocou o diretor-geral da Polícia Federal. Patrocinado por políticos, Fernando Segovia foi nomeado a contragosto do antecessor, que tinha outro nome em mente para a corporação. Segovia assumiu com críticas pesadas a Janot e avisou que brigaria com a PGR pelo direito da PF fechar acordos de colaboração.
Sob bombardeio, a nova PGR deixou de lado o baixo perfil e endureceu o discurso. Nas últimas semanas, ela tem distribuído publicamente alertas sobre os riscos que o combate à Corrupção corre no Brasil. Na sua avaliação, é fundamental a manutenção do tripé formado por prisão em segunda instância, acordos de leniência e exclusividade do Ministério Público na celebração de acordos de delação premiada.
Nos três quesitos, o cenário é desfavorável para a procuradoria. Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já alcançou maioria, mesmo que com ressalvas, para aprovar a celebração de delação premiada pela PF. Janot - que nessa pauta está alinhado a Dodge - sustenta que a subordinação da PF ao mundo político vai desmoralizar o instituto da colaboração.
Os acordos de leniência fechados pelo MPF com as principais empreiteiras do país não estão impedindo que essas empresas sejam processadas por órgãos de controle do governo. Recentemente, Deltan Dallagnol desistiu de tentar salvar a pele de Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez em um processo por Fraude à Licitação que corre no TCU.
Terceiro elemento do tripé, a prisão em segunda instância também está na berlinda. Após uma vitória apertada a favor da medida (6 votos a 5), o plenário do STF tende a inverter o placar quando a matéria voltar à pauta.
Os procuradores, agora, depositam todas as esperanças em uma mudança na posição da ministra Rosa Weber, que na votação anterior se colocou contra a prisão em segunda instância. Mas, diferentemente dos colegas que também foram contra, ela não invocou a necessidade do trânsito em julgado. A ministra disse, inclusive, que o uso de recursos é "absolutamente abusivo e indevido", mas admitiu que se sentia "desconfortável" para mudar a jurisprudência da Corte.
O fato é que a jurisprudência mudou, e o anseio do MPF é de que Rosa mantenha a linha argumentativa. Assim, ela preservaria a prisão em segunda instância e as chances de "reeleição" da Lava-Jato.
Os embaraços para a 'reeleição' da Lava-Jato, Valor Econômico
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