quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Criatividade e engajamento de professores e diretores explicam casos recentes de sucesso na educação pública


O que motiva um professor municipal do Ensino Fundamental a percorrer, todos os dias, 25 quilômetros no trânsito congestionado de Curitiba para chegar ao local de trabalho? É a confiança no projeto da escola, diz a diretora da Escola Municipal Santa Ana Mestra, Teresinha de Jesus Ribeiro. A instituição fica no Campo de Santana, na região Sul, e tem profissionais que moram no Bairro Alto, no outro extremo da cidade. É esse tipo de engajamento que contribuiu para o bom aproveitamento de alunos, que nos últimos anos saltaram de uma nota 5.9 para 6.6 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Outros fatores estão por trás dos bons resultados da Santa Ana Mestra – como cursos de formação ofertados pela Secretaria, conta a diretora. Mas a dedicação dos professores e do corpo técnico é um dos fatores preponderantes, como mostram outros casos de sucesso na educação pública levantados pela Gazeta do Povo.
Na terça-feira (18), foi divulgado o vencedor do concurso Educador Inspirador, patrocinado pela Quizlet, plataforma de ensino online, no qual participaram cerca de 500 profissionais de todo o Brasil. O prêmio foi para Claudinei Ferreira Gundim, que atua em duas escolas estaduais no interior do Paraná: Colégio do Campo Olídia Rocha e Colégio Estadual do Campo Vinicius de Moraes, ambas em Nova Tebas, município com 7,3 mil habitantes na região de Maringá. No primeiro ele leciona História e, no outro, Geografia. Ele foi premiado pela inovação: uso recorrente de testes e conteúdos digitais para conquistar a atenção dos alunos.
Além disso, busca outros recursos lúdicos para transmitir conteúdo. É difícil mensurar o impacto que isso causou, mas, após ele começar a lecionar, as notas dos alunos das duas instituições melhoraram na prova de Ciências Humanas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – em outras disciplinas, houve queda nos últimos anos. 
Algumas iniciativas pessoais tomadas por Celso Ribas, diretor do Colégio Estadual Homero Baptista de Barros, no Capão Raso, em Curitiba, também ajudaram a melhorar a estrutura da escola. Ele assumiu como interventor, em 2015, em um momento de crise na unidade. Achou que seria bom renovar a marca da escola, com novo uniforme e novas cores. Em 2016, eleito para o cargo, solicitou à Secretaria Estadual da Educação o ensino integral, que entrou em vigor em 2017. Buscou parcerias com comerciantes e ex-alunos para viabilizar novas salas pedagógicas e equipamentos.
Segundo ele, depois de anos perdendo alunos, a escola voltou a ver pais formarem fila para garantir a matrícula de seus filhos. Veja a seguir mais detalhes dessas histórias que mostram que, mesmo em meio à maior recessão brasileira, algumas instituições públicas conseguiram promover educação de qualidade.
Selo Destaque Regional 
A Escola Municipal Santa Ana Mestra foi a instituição de Curitiba que recebeu o Selo Destaque Regional, concedido no fim de novembro pela Fundação Lemann, o Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo e o Itaú BBA, que se uniram para buscar bons resultados nas escolas públicas do Brasil. Esse selo leva em conta o desempenho da unidade em relação à sua microrregião e em relação ao entorno onde está inserido – socioeconômico baixo, no caso da Santa Ana. 
Quando a escola foi inaugurada, há 25 anos, a clientela era formada por famílias ricas, que moravam em chácaras no que parecia um bairro rural de Curitiba. Entretanto, nos anos recentes, o Campo de Santana viu sua população explodir, devido ao grande número de loteamentos populares construídos pelo poder público. Muitos moradores que estão ali hoje foram transferidos de antigas invasões no Parolin. As crianças começaram a frequentar a Santa Ana, que precisou se adaptar ao nível de carência dos novos alunos – muitas famílias recebem o Bolsa Família. Mesmo assim, a escola passou de um Ideb 5.9 para 6.6 de 2013 para 2015, o mais recente divulgado. 
A Santa Ana tem 780 alunos e 80 professores. Desses, 75 frequentam a Unidade de Educação Integral (UEI) da escola pela manhã, e outros 75 à tarde. “Praticamente todos eles tiveram elevação no nível de aprendizagem”, conta a diretora, Teresinha de Jesus Ribeiro, chamada de Teca. Essa UEI começou a funcionar em 2006 e oferece atividades artísticas, esportivas, culturais, com conteúdos pedagógicos e científicos. No dia que a reportagem visitou o local, as crianças estavam fazendo práticas circenses, com fitas e malabares. A UEI fica a 1 quilômetro da escola e oferece almoço para os alunos. Um ônibus da prefeitura faz o transporte.
“Temos professores de excelência envolvidos na educação integral”, conta a articuladora da UEI, Rita de Cássia Pereira. Segundo ela, o tempo a mais na escola ajuda a promover algumas habilidades, como autonomia. O parquinho, por exemplo, foi modificado e tem vários obstáculos. Os educadores incentivam as crianças a se virarem sozinhas, sem temores. Além disso, quanto mais tempo passam juntos, maior é o vínculo entre docente e aluno, favorecendo a aprendizagem. 
Quando as crianças já convivem bastante entre si – caso das gêmeas Nathália e Nathaly, de 10 anos – escolas grandes como a Santa Ana conseguem deixá-las em salas separadas. A primeira está no 5º ano D e a outra, no 5º ano C. Falam com alegria das aulas de astronomia, onde fizeram foguetes, da horta e da biblioteca, onde podem emprestar dois livros cada uma todas as segundas-feiras. Em 2018, terão que mudar para uma escola estadual para os anos finais do Ensino Fundamental.
A equipe do Santa Ana conta que costuma acompanhar a evolução dos ex-alunos, e que eles sempre se destacam, mesmo no Ensino Médio, quando o desempenho escolar costuma cair. 
Outra iniciativa da escola é promover encontros frequentes com os pais, para que participem da vida escolar dos filhos – estejam eles matriculados no integral ou não. Essas linhas de ações deram ao Santa Ana outro status a partir de 2017: ela se tornou uma das escolas de referência dentro do programa Transformando Realidades: Equidade na Educação, novo nome de um projeto criado na gestão passada da prefeitura.
No novo desenho desta gestão, ele foi ampliado para abarcar também as creches municipais (CMEIs), que passaram a ser vinculadas a alguma escola próxima – que são, na maior parte das vezes, onde a criança frequentará o Ensino Fundamental. “O objetivo da equidade é entender a singularidade de cada sujeito, dando a quem precisa o melhor”, explica a gerente do programa, Eliane Titon. No Santa Ana, como nas outras 36 escolas participantes, não são feitas aulas de reforço escolar do modo tradicional.
“Não se pode reforçar algo que não foi bem construído”, resume ela. Os profissionais, então, recebem treinamento, para tentar passar o conteúdo de uma forma que a criança absorva. “O fato de termos professores que superam toda essa problemática de trânsito para estar aqui no Santa Ana, em um projeto que acreditam, mostra que estamos no caminho certo”, acrescenta a diretora Teca. 
Inovação em sala de aula 
Com a conquista do Prêmio Educador Inspirador, o professor Claudinei Ferreira Gundim, que leciona História e Geografia em duas escolas da zona rural de Nova Tebas, ganhou uma viagem para São Francisco, nos Estados Unidos, para conhecer a estrutura da Quizlet, plataforma online de ensino. A empresa informou que cerca de 500 profissionais foram indicados pelos alunos. Na segunda fase, foram selecionados até três semifinalistas por estado por um júri da Quizlet. Na etapa seguinte, foi feita uma votação popular para definir o representante de cada estado. Claudinei recebeu 872 votos, tornando-se o vencedor do Paraná e o segundo mais votado entre todos os 27 estados. Na fase final, profissionais da Quizlet e consultores da revista Nova Escola analisaram os perfis e os projetos educacionais dos 27 candidatos. 
Claudinei se destacou por trabalhar em comunidades rurais, com poucos recursos – o acesso à internet, por exemplo, é bastante limitado. Ele próprio estudou na Escola de Campo Olídia Rocha, em Nova Tebas. Quando cresceu, passou a trabalhar na instituição, em funções administrativas. Mas queria lecionar. Cursou Geografia em Campo Mourão, a 100 quilômetros de distância, para onde ia e voltava todos os dias. Ao mesmo tempo, fez uma graduação semipresencial em História, com encontros no polo de Iretama, município próximo. Começou a lecionar em 2011. “O trabalho na Secretaria era importante, mas bem burocrático. Queria estar em contato com alunos. Na minha infância, tive bons professores que me inspiravam, tentavam fazer a diferença. Mas o perfil do aluno era totalmente diferente”, conta. 
Logo no primeiro ano como professor, Claudinei criou um blog e conheceu a plataforma Quizlet. “Comecei a fazer as avaliações online e fui aperfeiçoando. Hoje tenho mais ou menos 50 trabalhos lá. Cada dia o aluno quer ouvir menos. E o professor tem que falar menos, fazer com que eles mesmos produzam conhecimento”, afirma.
A empresa Quizlet começou a atuar no Brasil pelo grande potencial criativo dos professores. “Um relatório do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] descobriu que quanto menos infraestrutura um professor brasileiro tem acesso, mais inovador e criativo ele se torna na integração da tecnologia e aprendizagem”, informa a empresa. 
Mesmo sem o uso do computador, Claudinei busca formas inovadoras de transmitir conteúdo. Ele tem algumas fichas que servem de modelo para um “Super Trunfo” de História e Geografia. “Comprei arquivos de um professor. Imprimo, passo para os alunos, que colam no papel cartão, recortam e passam papel contact. Como eles mesmos fazem, valorizam mais o jogo do que se recebessem pronto. O jogo trabalha aspectos históricos e geográficos. É uma forma atrativa e diferente de adquirir conhecimento”, observa.
Segundo ele, mesmo em crise, ou com falta de recursos, é preciso buscar alternativas, para conseguir fazer diferença na vida dos alunos e contribuir com a formação deles. “Na educação, vejo muita coisa que deveria ser diferente. Mas o sistema é assim. A gente procura se adaptar e buscar formas atrativas de desenvolver o trabalho da melhor forma possível”, resume. 

Marketing na escola pública 
Muitas escolas públicas têm seu destino selado pelo engajamento do diretor na instituição. No Colégio Estadual Homero Baptista de Barros, o diretor Celso Ribas se orgulha de correr atrás de parcerias e recursos para viabilizar projetos. Junto com a Associação de Pais e Mestres, ele buscou doações de ex-alunos e empresários do entorno, no Capão Raso. Um dos investimentos foi em um outdoor, no terreno da escola, usado para autopropaganda e que é trocado a cada seis meses. “A escola pública tem que fazer publicidade do que está sendo bem feito. É um orgulho para todos os envolvidos”, afirma. 
A propaganda faz parte de uma nova linha de ação adotada por Ribas, de resgatar a autoestima da escola, que já esteve entre as melhores do estado. “A escola tem 50 anos e por muitos anos foi a segunda melhor, ficava só atrás do Colégio Estadual do Paraná”, diz ele.
Um passo importante foi aderir à chamada de Ensino Integral lançada em 2016. “O governo não obriga as escolas a aderir. O diretor que busca essa possibilidade. Conseguimos. A educação integral começou em 2017, mas desde o ano passado fizemos mudanças. Nossos vestiários, por exemplo, ficaram 20 anos fechados. Reformamos e abrimos, que são importantes para o período integral”, relata. No espaço há chuveiros e armários para os alunos guardarem os pertences. 
Também foram reformadas salas pedagógicas, para proporcionar aulas de música, informática e astronomia aos alunos, por exemplo. “Na escola, 30% da aula do professor precisa usar as tecnologias que estamos comprando. É preciso um atrativo para manter o aluno interessado durante as nove horas que ele fica na escola”, observa.
Com essa mesma intenção, foi reformado o auditório, com capacidade para 150 pessoas. “A educação integral não é apenas deixar na escola mais tempo, é preciso desenvolver projetos com as disciplinas normais e as complementares. Mas fazemos o conteúdo entrelaçado: de manhã tem matemática, mas também tem dança ou astronomia. E de tarde também”, conta. Também há projetos como o “Jovens Homerianos em Ação”, na qual estudantes visitam orfanatos e casas de repouso.
“Também fazemos Encontro com Música e Encontro com Literatura, em que músicos ou escritores contam aos alunos como trabalham, o que fazem. Nessas ocasiões os estudantes conhecem muita coisa nova, têm a chance de encostar em um saxofone, por exemplo, e isso abre novas possibilidades para eles”, relata. 
Ribas diz que os resultados são visíveis. E que alunos e pais aprovaram o projeto da escola. “Passamos por situações complicadas, perdendo alunos. No ano passado tínhamos um 6º ano apenas. Agora são três. E no ano que vem serão três sétimos anos, e tudo por conta da educação integral. Teve fila aqui para matrícula, muitos de pais de outras escolas que querem transferir os filhos par cá. Mas também fiz propaganda: fui nas escolas fundamentais, levei folder, material de divulgação”, diz o diretor.
Na escola também há contato frequente com os pais. O próprio diretor criou grupos de WhatsApp para repassar informações e ouvir o que a comunidade tem a dizer. “Nossa questão é gestão e criatividade. É o que está fazendo diferença”, conclui.
Por Rosana Félix, em Gazeta do Povo

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