Governo adia
aplicação de decreto que gerou inquérito contra Temer
Questionamentos do
Tribunal de Contas da União (TCU) ao decreto que regulamentou as novas regras
para as concessões portuárias obrigaram o governo a suspender a assinatura de
mais de cem aditivos com empresas do setor. O decreto é o mesmo que resultou em
uma investigação contra o presidente Michel Temer e seu ex-assessor Rodrigo da
Rocha Loures. Eles são suspeitos de mudarem as regras para beneficiar a empresa
Rodrimar.
Ao analisar o decreto
- assinado uma semana antes do vazamento da delação da JBS -, a área técnica do
TCU colocou dúvidas sobre a legalidade e a constitucionalidade de pelo menos
três artigos. Por essa razão, solicitou ao ministro relator da matéria, Bruno
Dantas, que expedisse uma cautelar impedindo que as empresas beneficiadas pelas
mudanças pudessem oficializar as novas condições dos contratos.
Apesar de Dantas
ainda não ter se manifestado sobre a cautelar, o Ministério dos Transportes
adiou por tempo indeterminado as assinaturas dos primeiros aditivos, que
estavam previstos para acontecer ainda este ano. O prazo de 180 dias dado pelo
decreto para que as empresas interessadas se manifestassem expirou em novembro,
deixando caminho livre para as assinaturas.
A programação do
governo previa a realização de pequenas cerimônias no Planalto para a
assinatura de dez aditivos em cada. Agora, o Ministério dos Transportes vai
esperar o plenário do TCU deliberar sobre o tema, o que deve levar ao menos 60
dias.
Com o decreto, os
contratos das empresas signatárias passam a ter vigência máxima de 70 anos.
Essa regra atende somente quem assinou a concessão depois de junho de 1993,
quando passou a valer a antiga Lei dos Portos. Foi essa barreira que Rocha
Loures quis romper, ao tentar estender os benefícios do decreto a quem tinha
contrato antes de 1993.
A iniciativa do
ex-assessor especial de Temer - hoje em prisão domiciliar -foi interrompida
pelo subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo do Vale Rocha, que
viu na movimentação um alto risco de exposição de Temer. Ainda assim, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou inquérito para investigar as
intenções por trás do decreto.
De acordo com o
relatório do TCU, a extensão dos contratos para 70 anos fere a isonomia do
processo licitatório feito no passado, já que os demais participantes da época
se planejaram para a disputa de um contrato bem mais curto, de 50 anos.
A linha argumentativa
dos auditores é de que o decreto traz insegurança jurídica, pois a mesma
ferramenta governamental que agora aumenta os prazos de vigência dos contratos poderia
reduzi-los no futuro, com a simples publicação de outro decreto.
O governo, de seu
lado, sustenta que o prazo previsto nos contratos de concessão de serviços
públicos é uma cláusula regulamentar, que pode, sim, ser alterada por decreto,
desde que em atendimento ao interesse público. A alegação é de que outros
setores, como Energia elétrica, aduaneiro, transporte rodoviário e
telecomunicações já foram atendidos da mesma forma.
Além da extensão dos
prazos contratuais, o relatório técnico do TCU está questionando outro artigo
do decreto, que autoriza as empresas a realizarem investimentos além dos
limites da área originalmente arrendada. Esses aportes seriam posteriormente
remunerados com reequilíbrio de seus contratos de concessão.
A avaliação dos técnicos
do tribunal é de que, além de legitimar um "drible" na autoridade
portuária, a medida pode incentivar as empresas a privilegiar o investimento
nessas outras áreas, em detrimento do perímetro que é objeto do contrato e que
foi obtido mediante processo licitatório.
Um terceiro
questionamento recai sobre a possibilidade de substituição - total ou parcial -
da área arrendada originalmente por outra, desde que localizada dentro dos
limites do mesmo porto. Também nesse caso, há previsão de que os investimentos
feitos na nova área sejam ressarcidos por meio de reequilíbrio.
Por Murillo
Camarotto, no Valor Econômico