Nessa imagem ilustrativa, o gado passeia em áreas queimadas e desmatadas perto de Novo Progresso, no estado do Pará. © AP Photo/Andre Penner |
A Comissão Europeia deve apresentar para debate e votação neste ano, no Parlamento europeu, um projeto para regulamentar práticas comerciais que envolvem o chamado “desmatamento importado”. O objetivo é que produtos como soja, carne bovina, cacau e outras matérias-primas de áreas desmatadas não possam mais ser vendidos no território europeu.
Segundo dados da ONG WWF, a União Europeia teria
provocado, em doze anos, a perda de 3,5 milhões de hectares de parcelas
florestais ao importar produtos produzidos nessas áreas. A Europa também seria
responsável por 16% do desmatamento ligado à produção agrícola do mundo,
perdendo apenas para a China, com 24%. A Índia, os Estados Unidos e o Japão
respondem, respectivamente, por 9%, 7% e 5%.
A nova legislação permitirá limitar esse fenômeno,
além de sensibilizar a população no continente. Uma consulta realizada pela
União Europeia mostrou que 81,4% dos europeus consideram que o bloco tem um
papel essencial na luta contra o desmatamento.
A França, que está na presidência rotativa da União
Europeia desde o dia 1º de janeiro, espera liderar esse combate. “Precisamos de
um dispositivo comum e de uma mesma definição do conceito de desmatamento, que
possa ser aplicado a todos os produtos", disse. "Precisamos também de
uma legislação, para que os critérios sejam similares dentro do mercado
europeu, e não haja concorrência entre os diferentes países do bloco. Esse é o
dispositivo que será negociado e eu espero que ele seja adotado em nível
europeu ”, explicou à RFI a secretária
francesa encarregada da biodiversidade, Bérangère Abba
As organizações de proteção ambiental também pedem que
o texto final inclua a lista completa de produtos que contribuem para a
destruição do ambiente, como matérias-primas originárias do cerrado ou de áreas
úmidas. Outras iniciativas paralelas já foram implantadas para lutar contra o
desmatamento importado.
A ONG francesa
Canopée, com o apoio do Ministério francês da Ecologia, contribuiu à elaboração
de uma ferramenta que avalia o risco da destruição da floresta e da conversão
dos ecossistemas brasileiros, em função das importações francesas de soja. Isso
é possível graças ao cruzamento entre os dados de fluxo logístico fornecidos
pelas aduanas e e as informações enviadas por satélite de cada município
brasileiro. O risco aparece em função do local e da data das plantações, do
produtor, ou do porto de onde partiram as mercadorias.
A ferramenta permite a identificação de empresas e de
zonas de produção de risco, que devem ser monitoradas pelas empresas francesas
importadoras. A análise dos dados produzidos via satélite mostra, por exemplo,
que 273 municípios brasileiros representam 20% da produção de soja e concentram
91% do risco de desmatamento no Brasil.
"Pária internacional"
O professor de geografia das Universidades Federal do
Vale do Jequitinhonha e Mucuri, Douglas Sathler, explica que o Brasil poderia
ser líder mundial nas discussões sobre mudanças climáticas e no combate ao
desmatamento, mas acabou se tornando “pária internacional”.
“A imagem do Brasil na Europa, em relação ao
desmatamento e aos produtos do desmatamento, está muito desgastada. A nota
recente publicada pela Associação Brasileira dos Produtores de Soja, em relação
a essa lei que a Europa pretende aprovar para restringir produtos brasileiros,
é puramente ideológica. Ela fala de protecionismo e não representa os
interesses do bom agricultor e do potencial que a gente tem”, avalia.
“Parte dos agricultores do Brasil são muito
imediatistas, estão surfando na onda do dólar caro, e estão se posicionando de
forma a criar problemas sérios para agricultura no Brasil a longo prazo. Mesmo
que a gente conseguisse reduzir a taxa de desmatamento, teríamos na mão mais
uma burocracia que foi criada, mais um problema para resolver", diz.
"O bom produtor terá maior custo de provar a
procedência e a pró-atividade. Então todo esse dano na percepção, que os
consumidores europeus ou de outros lugares do mundo têm em relação ao Brasil,
infelizmente vai persistir por anos. E mesmo que existam interesses comerciais
por trás disso tudo, a gente está colhendo o que plantou”, observa.
Formulário contra desmatamento
A encarregada das florestas tropicais da ONG Canopée,
Klervi Le Guenic, explica que, em novembro, a organização disponibilizou um
formulário online que permite visualizar as exportações da soja brasileira na
França, destinadas à alimentação animal.
“Esses pequenos diagramas ajudam a classificar os
principais exportadores e importadores e enxergar o abastecimento ligado a um
risco pequeno de desmatamento e o outro relacionado a um alto risco”, explicou.
O dispositivo é proposto às empresas francesas
voluntárias. Se a experiência der certo, ela poderá se estender a outros
países, como o Brasil, por exemplo, e para outras mercadorias, como cacau,
café, carne bovina ou azeite de dendê. Grandes grupos de distribuição se
comprometeram a adotar a ferramenta, como é caso da rede Carrefour.
“Nosso objetivo é que haja uma solução que nos permita
garantir a ausência de desmatamento de 100% das matérias-primas sensíveis.
Nossos clientes querem isso. Nosso desafio é imaginar que o mercado como um
todo adotará regras similares. Assim, progressivamente, isso vai incitar os
compradores a escolher produtos que comportam menos riscos e também incitar os
fabricantes a ter práticas mais éticas”, resume a diretora de projetos da
empresa, Agathe Grossmith.
Taíssa Stivanin, RFI
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