A presidente Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood (HFPA), Helen Hoehne, durante a premiação fechada da 79a. edição do Globo de Ouro, no domingo (9). Invision - Chris Pizzello |
Nada de plumas, paetês e holofotes. Ao invés do tapete-vermelho repleto de celebridades sorrindo e a cerimônia descontraída que sempre marcou a premiação promovida pela Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood (Hollywood Foreign Press Association, HFPA), o Globo de Ouro deste ano se reduziu a um evento fechado.
Para o público em geral, apenas flashes foram publicados
na página da associação na internet e postagens nas redes sociais.
Foi desta forma que ocorreu a premiação da 79a edição do
Globo de Ouro no domingo (9): sem palco, piadas, cobertura da imprensa,
discursos ou lágrimas. O grande destaque foi para o filme "Ataque dos
Cães", que levou o prêmios de melhor filme de drama, direção (Jane
Campion) e ator coadjuvante (Kodi Smit-McPhee).
A nova adaptação de "Amor, Sublime Amor" também
recebeu três estatuetas: melhor filme comédia/musical, atriz (Rachel Zegler),
atriz coadjuvante (Ariana DeBose).
Nas categorias dedicadas a premiar produções televisivas,
"Succession" foi reconhecida como a melhor série de drama e também
garantiu troféus pelas performances dos atores Jeremy Strong e Sarah Snook. Já
no gênero de comédia, "Hacks" superou a favorita "Ted
Lasso" e ganhou a principal estatueta.
A divulgação das premiações nas redes sociais ocorreu
durante quase duas horas, em tempo real. Durante a cerimônia, a HFPA também
divulgou mensagens de suporte de instituições filantrópicas que têm o apoio da
associação. Nenhum dos vencedores compareceu ao evento, nem comentou
imediatamente sobre a premiação.
A presidente da associação, Helen Hoehne, declarou que
"O Globo de Ouro é uma ponte para um público mundial de muitas cores,
muitas crenças e muitas culturas, todos unidos pela mesma paixão - o amor por
filmes”.
Cancelamento cultural
O Globo de Ouro sempre foi conhecido como a abertura da
temporada das premiações em Hollywood, uma espécie de prévia do Oscar. Mas
nesta edição de 2022 os estúdios não inscreveram seus filmes, os indicados não
reagiram às nomeações, a NBC cancelou a transmissão televisiva e nenhuma grande
celebridade aceitou participar na apresentação. O "cancelamento" é
uma resposta à enxurrada de críticas que questionaram a credibilidade da
associação e que vieram à tona no início do ano passado.
A história foi desencadeada por um processo movido pela
jornalista norueguesa Kjersti Flaa, que acusou a organização de manter uma
“cultura de corrupção”. Flaa processou a HFPA afirmando que a organização sem
fins lucrativos, fundada em 1943, operava como uma espécie de cartel, barrando
candidatos qualificados e a acusou de monopolizar o acesso à imprensa, além de
subsidiar indevidamente a renda de seus membros. A jornalista, que trabalha há
mais de uma década em Hollywood cobrindo entretenimento, entrou com o processo
a HFPA em 2020, depois de ter sido negada como membro por três anos
consecutivos.
Além de revelar esse processo movido por Flaa, no início
de 2021, o jornal Los Angeles Times também apontou a falta de diversidade entre
os membros da HPFA, revelando, por exemplo, que entre os cerca de 80 jurados do
Globo de Ouro não havia nenhum negro. Embora movimentos como #OscarsSoWhite e
#TimesUp estivessem provocando mudanças em vários setores da indústria do
cinema e TV, as indicações para a premiação não refletiam esses novos tempos.
As investigações do LATimes também questionaram a falta
de ética dos membros que costumavam aceitar presentes caros. As indicações às
premiações levaram ao questionamento de até que ponto os votos eram comprados.
Dezenas de jurados selecionados em 2019 foram convidados a uma viagem de luxo
para o set da série "Emily em Paris" na França, indicada
posteriormente para duas estatuetas.
No último ano, a HFPA admitiu duas dezenas de novos
membros, entre eles dois brasileiros (são quatro agora no total) e publicou em
sua página que "O HFPA está comprometido com sua própria reforma para
abordar a ética, incluindo diversidade e inclusão, e adotou um ousado conjunto
de mudanças".
Mesmo assim, as celebridades, estúdios e a própria NBC
deixaram claro seu ceticismo sobre essas promessas. Alguns membros já se
desligaram da associação e o ator Tom Cruise devolveu suas três estatuetas.
Autora do processo contra a HFPA falou à RFI
A RFI entrou em contato com vários membros da HFPA para
tentar saber como está o clima na instituição, mas ninguém quis se manifestar.
Já a jornalista norueguesa Kjersti Flaa, autora do processo contra a HFPA que
ainda corre na justiça de Los Angeles, conversou conosco com exclusividade.
Confira a entrevista:
RFI - Como você vê os resultados de todas as revelações
sobre a HFPA? Agora tivemos um Globo de Ouro sem credibilidade, sem
tapete-vermelho, festa, celebridades, imprensa, transmissão e badalação.
Kjersti Flaa - Acho que ninguém está realmente surpreso
com as reações da indústria. Quando a NBC cancelou o show no ano passado, eles
disseram à HFPA que a associação precisaria de pelo menos um ano para se
restabelecer e tentar se reinventar. A HFPA não deu ouvidos e, em vez disso,
decidiu prosseguir com uma cerimônia sem o apoio de Hollywood. Essa foi uma
péssima ideia e eles estão sentindo a reação agora como nunca antes. É bastante
óbvio que todas as "mudanças" que a HFPA fez até agora foram apenas
de fachada. Ainda é a mesma liderança, os mesmos membros no núcleo e ainda a mesma
cultura tóxica e corrupta. Alguns membros me disseram que está ainda pior do
que antes, com menos transparência e poder mais centralizado. Os membros nem
mesmo foram consultados se concordavam que o Globo de Ouro deveria ser
realizado no meio de um boicote da indústria. Isso mostra o quão ruim é.
RFI - O que você acha que está mudando em Hollywood,
agora sem o poder do Globo de Ouro como um dos prêmios mais importantes do ano?
Kjersti Flaa - Este escândalo iniciou um debate sobre se
os shows de premiação são ainda necessários. Há também essa divisão enorme que
tem crescido entre a crítica e o público sobre o que é um bom filme ou um bom
programa de TV. Isso não é um bom presságio para o Oscar. Como você sabe, a
visualização caiu drasticamente nos últimos anos e esse desdobramento
certamente não ajuda.
RFI - O que todas as revelações sobre o HFPA nos
mostraram sobre Hollywood e as premiações?
Kjersti Flaa - É um pouco como no caso de Harvey
Weinstein: todo mundo sabia, tanta gente foi conivente, mas ninguém era capaz
de falar nada. É o mesmo com o HFPA. Todos no ramo sabiam e todos ajudaram a
criar esse monstro do qual agora estão tão ansiosos para se livrar. Foi só
quando eu os processei e o LA Times seguiu com uma grande denúncia, que
Hollywood começou a reagir. Eu acho que você poderia dizer que este é outro
exemplo de como Hollywood realmente é hipócrita.
RFI - Você faz parte do Critics Choice Association (CCA),
que tem uma das premiações que mais está crescendo e já dizem que pode tomar o
lugar do Globo de Ouro. O que é diferente na CCA se você comparar com a HFPA?
Kjersti Flaa - O CCA tem cerca de 500 membros e o
processo de seleção dos membros é muito diferente da HFPA. Eles só têm críticos
e jornalistas trabalhando como membros, e se você parar de trabalhar, está
fora. O CCA permite que todos os jornalistas qualificados ingressem, não como a
HFPA, que trabalhou muito para excluir qualquer pessoa que considerasse
concorrente de seus membros existentes (que foi o motivo pelo qual os
processei). Na HFPA, você é membro vitalício. Como a quantidade de votos da CCA
é muito grande, é muito mais difícil para os as plataformas de streaming e
estúdios influenciarem na votação. Uma grande diferença é que o CCA não paga
membros para participar de comitês ou fazer outro trabalho, o que é um dos
principais problemas da HFPA. Cada membro está na folha de pagamento e, se você
criticar a liderança, eles ameaçarão tirar seu salário. Essa é uma das
principais razões pelas quais a corrupção do HFPA se tornou tão forte.
Lista completa dos indicados e vencedores do
Globo de Ouro, na ordem da premiação:
Melhor Atriz Coadjuvante em Filme
Comédia/Musical
Caitriona Balfe ("Belfast");
Ariana DeBose ("Amor, sublime amor") - vencedora
Kirsten Dunst ("Ataque dos Cães");
Aunjanue Ellis ("King Richard: criando campeãs");
Ruth Negga ("Passing")
Melhor Ator Coadjuvante em Série Comédia/Musical
Billy Crudup ("The morning show");
Kieran Culkin ("Succession");
Mark Duplass ("The monring show");
Brett Goldstein ("Ted Lasso");
Oh Yeong-su ("Round 6") - vencedor
Melhor Animação
"Encanto" - vencedora
"Flee";
"Luca";
"My sunny Maad";
"Raya e o último dragão"
Melhor Ator em Série — Drama
Brian Cox ("Succession")
Lee Jung-jae ("Round 6")
Billy Porter ("Pose")
Jeremy Strong ("Succession") - vencedor
Omar Sy ("Lupin")
Melhor Filme em Língua Estrangeira
"Compartment nº 6";
"Drive my car" (Japão) - vencedor
"A mão de deus";
"A hero";
"Madres paralelas"
Melhor Ator em Série — Musical ou Comédia
Anthony Anderson ("Black-ish");
Nicolas Hoult ("The Great");
Steve Martin ("Only murders in the building");
Martin Short ("Only murders in the building");
Jason Sudeikis ("Ted Lasso") - vencedor
Melhor Roteiro
"Licorice Pizza" (Paul Thomas Anderson);
"Belfast" (Kenneth Branagh) - vencedor
"Ataque dos cães" (Jane Campion);
"Não olhe para cima" (Adam McKay);
"Being the Ricardos" (Aaron Sorkin)
Melhor Atriz Coadjuvante em Série
Jennifer Coolidge ("White Lotus");
Kaitlyn Dever ("Dopesick");
Andie MacDowell ("Maid");
Sarah Snook ("Succession") - vencedora
Hannah Waddingham ("Ted Lasso")
Melhor Ator em Série
Limitada ou Filme para TV
Paul Bettany ("Wandavision");
Oscar Isaac ("Cenas de um casamento");
Michael Keaton ("Dopesick") - vencedor
Ewan McGregor ("Halston");
Tahar Rahim ("The serpent")
Melhor Atriz em Série
Limitada ou Filme para TV
Jessica Chastain ("Cenas de um casamento");
Cynthia Erivo ("Genius: Aretha");
Elizabeth Olsen ("Wandavision");
Margaret Qualley ("Maid");
Kate Winslet ("Mare of Easttown") - vencedora
Melhor Atriz em Série — Musical ou Comédia
Hannah Einbinder ("Hacks")
Elle Fanning ("The Great");
Issa Rae ("Insecure");
Tracee Ellis Ross
("Black-ish);
Jean Smart ("Hacks") - vencedora
Melhor Série — Musical ou Comédia
The Great;
Hacks - vencedora
Only murders in the building;
Ted Lasso;
Reservation dogs
Melhor Série Limitada ou
Filme para TV
"Dopesick";
"Impeachment: American crime story";
"Maid";
"Mare of Easttown";
"The underground railroad" - vencedora
Melhor Ator em Filme —
Musical ou Comédia
Leonardo DiCaprio ("Nao olhe para cima");
Peter Dinklage ("Cyrano");
Andrew Garfield ("Tick, tick... Boom!") - vencedor
Cooper Hoffman ("Licorice Pizza");
Anthony Ramos ("Em um bairro de Nova York")
Melhor Canção Original
"Be alive", de Beyoncé ("King Richard: criando campeãs");
"Dos orugitas", Sebastian Yatra ("Encanto");
"Down to joy", de Van Morrison ("Belfast");
"Here I am (Singing my way home"), de Jennifer Hudson ("Respect");
"No time do die", de Billie Eilish ("007 — Sem tempo para morrer") - vencedora
Melhor Trilha Sonora
"A crônica francesa";
"Encanto";
"Ataque dos cães";
"Madres paralelas";
"Duna" - vencedora
Melhor Ator em Filme — Drama
Mahershala Ali ("Swan song");
Javier Bardem ("Being the Ricardos");
Benedict Cumberbatch ("Ataque dos cães");
Will Smith ("King Richard: criando campeãs") - vencedor
Denzel Washington ("A tragédia de MacBeth")
Melhor Ator Coadjuvante
Ben Affleck ("The tender bar")
Jamie Dornan (Belfast")
Ciarán Hinds ("Belfast")
Troy Kotsur ("No ritmo do coração")
Kodi Smit-McPhee ("Ataque dos cães") - vencedor
Melhor Atriz em Série —
Drama
Uzo Aduba ("In treatment");
Jennifer Aniston ("The morning show");
Christine Baranski ("The good fight");
Elizabeth Moss ("The Handmaid's tale");
Mj Rodriguez ("Pose") - vencedora
Melhor Atriz em Filme — Musical ou Comédia
Marion Cotillard ("Annette");
Alana Haim ("Licorice Pizza");
Jennifer Lawrence ("Não olhe para cima");
Emma Stone ("Cruella");
Rachel Zegler ("Amor, sublime amor") - vencedora
Melhor Filme — Musical ou Comédia
"Cyrano";
"Não olhe para cima";
"Licorice pizza";
"Tik, tick... Boom!";
"Amor, sublime amor" - vencedor
Melhor Atriz em Filme —
Drama
Jessica Chastain ("The eyes of Tammy Faye");
Olivia Colman ("A filha perdida");
Nicole Kidman ("Being the Ricardos") - vencedora
Lady Gaga ("Casa Gucci");
Kristen Stewart ("Spencer")
Melhor Diretor (a)
Kenneth Branagh ("Belfast");
Jane Campion ("Ataque dos cães") - vencedora
Maggie Gyllenhaal ("A filha perdida");
Steven Spielberg ("Amor, sublime amor");
Denis Villeneuve ("Duna")
Melhor Série — Drama
"Lupin";
"The morning show";
"Pose";
"Round 6";
"Succession" - vencedora
Melhor Filme — Drama
"Belfast";
"No ritmo do coração";
"Duna";
"King Richard: criando campeãs";
"Ataque dos cães" – vencedor
Cleide Klock, RFI
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