Criado em fevereiro de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro para dar uma resposta à pressão internacional em razão do aumento do desmatamento na Amazônia, o Conselho Nacional da Amazônia Legal completará dois anos em fevereiro de 2022 sem cumprir suas principais metas de redução do desmatamento e desprestigiado dentro do próprio governo.
Dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) apontam que o desflorestamento na região continua acelerado.
Estimativas preliminares do Programa de Cálculo do Deflorestamento da Amazônia
(Prodes) indicam que em 2021 houve um incremento de 11.957 km² na área
desmatada, a maior do mandato de Bolsonaro.
Apesar disso, o Conselho da Amazônia Legal não se reúne
desde agosto do ano passado. Ao todo, desde a sua criação, realizou seis
reuniões. Se as primeiras contavam com a participação de quase todos os
ministros, agora quase nenhum comparece. O último encontro foi um sinal da
falta de prestígio do órgão até dentro do Palácio do Planalto: nem mesmo o
ministro mais importante da área, Joaquim Leite, do Meio Ambiente, compareceu.
A ausência do ministro chamou ainda mais a atenção porque existia a expectativa
de que a pasta conseguiria trabalhar melhor com o Conselho após a saída de
Ricardo Salles, que não se dava bem com o vice-presidente, Hamilton Mourão.
Entre as propostas de ações imediatas pelo Conselho, a
maioria também não saiu do papel, como a reativação do financiamento
internacional na preservação da Amazônia, a criação de ações de prevenção à
expansão da Covid-19 e a de um gabinete de prevenção e controle do desmatamento
no âmbito do Gabinete de Segurança Institucional.
Passados quase dois anos de sua criação, as medidas
adotadas pelo Conselho se demonstraram, quando não inócuas, efêmeras. Um dos
exemplo foi o envio de militares por meio de um decreto de Garantia da Lei e da
Ordem. A presença das Forças Armadas, defendida por Mourão, entretanto, não
rendeu os resultados desejados. Segundo o Observatório do Clima, as multas do Ibama
caíram pela metade em 2020 e o desmatamento continuou igual no período em que
os militares estiveram na Amazônia. Além disso, um dos focos do Conselho, a
reativação do Fundo Amazônia, também não andou: os R$ 3,2 bilhões enviados por
governos estrangeiros continuam parados.
Segundo especialistas e deputados ouvidos pelo O GLOBO,
a incapacidade de ação do órgão é um resultado da estratégia equivocada do
governo federal no enfrentamento do desmatamento. Para eles, apesar de assumir
o impacto negativo no exterior, o governo de Jair Bolsonaro continua agindo
como se o problema pudesse ser revertido com uma propaganda melhor e não com
combate aos crimes cometidos na floresta.
— O governo Bolsonaro fez um diagnóstico de que o
problema com a Amazônia é um problema de imagem e por isso lançou mão de
remédios publicitários. O Conselho da Amazônia foi justamente um deles, uma
espécie de simulacro para dizer que o governo tem alguma governança na região.
Mas é um embuste, algo que não foi criado para resolver problemas de fato —
afirma Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Segundo Unterstell, os dados de aumento do desmatamento
demonstram os erros do governo nessa estratégia, além do surgimento de outros
problemas na região, como o garimpo, refletido na imagem do Rio Madeira tomado
por balsas de garimpo, e a expansão da pandemia.
Ex-secretário de Biodiversidade e Florestas e
Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2008, o biólogo
João Paulo Capobianco lembra que enquanto reativou o Conselho, o presidente
Jair Bolsonaro extinguiu a Diretoria de Controle do Desmatamento, órgão
essencial na coordenação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do
Desmatamento na Amazônia Legal, que reduziu o desmatamento na região em
aproximadamente 82% entre 2004 e 2014.
Um dos pontos destacados por Capobianco é o fato de o
Conselho ser comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. A incumbência dada
ao vice foi vista como uma sinalização do presidente em um momento em que
Mourão se viu escanteado e começou a criticar medidas adotadas pelo Palácio do
Planalto. A vice-presidência, entretanto, não tem poder de execução.
— Foi claramente uma resposta midiática à pressão
internacional. O Conselho foi retirado do Ministério e transferido para a vice-presidência,
que não possui nenhuma função executiva no governo federal. Para agravar a
situação, não foram incluídos, entre os integrantes do Conselho, os órgãos do
governo que têm responsabilidade e capacidade para atuar no controle do
desmatamento, como o Ibama e ICMbio — disse Capobianco, vice-presidente do
Institudo Democracia e Sustentabilidade.
O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), suplente
da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, disse que chegou a ter reuniões com
Mourão alertando-o de que não bastava convocar alguns governadores e
integrantes das Forças Armadas presentes na Amazônia para mudar a situação
crítica na região. O parlamentar diz que as operações de Garantia de Lei e
Ordem (GLO) na Amazônia não trouxeram resultado porque não foram feitas com os
órgãos de fiscalização. Agostinho também aponta que há falta de planejamento
estratégico para as ações na região.
— Se você não tem uma política pública consistente,
esse modelo de conselho fica totalmente desmoralizado. E é isso que a gente
está vendo. Houve uma desmoralização completa do Conselho da Amazônia e ninguém
mais quer sentar para conversar — disse.
Um documento produzido pelos gabinetes dos deputados
Felipe Rigoni, Tabata Amaral e do senador Alessandro Vieira reforça a visão de
que o governo vem negando as razões para o desmatamento. Neste ano, em diversas
ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro minimizou os problemas da queimada,
insinuando que os focos de incêndio são causados por indígenas para agricultura
de subsistência, ou até mesmo que alguns pontos seriam fogueiras de São João.
Um estudo feito pelos parlamentares indicou que o maior
impacto ocorre em razão da diminuição do orçamento do Ministério do Meio
Ambiente. Segundo o documento, de 2014 a 2021, os valores gastos pela pasta em
ações de preservação ambiental e combate ao desmatamento foi reduzido em 42%,
passando de R$ 1,1 bilhão para R$ 634 milhões.
“O orçamento do
Ministério e o número de servidores em exercício no IBAMA são as variáveis que
apresentam uma relação mais forte com o desmatamento, de maneira quase
espelhada: o decréscimo em ambas as variáveis ao longo do tempo aparece acompanhado
de um aumento do desmatamento”, diz o documento.
Dimitrius
Dantas, Extra
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