segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Conselho da Amazônia Legal completa dois anos em fevereiro sem cumprir suas principais metas de redução do desmatamento


Criado em fevereiro de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro para dar uma resposta à pressão internacional em razão do aumento do desmatamento na Amazônia, o Conselho Nacional da Amazônia Legal completará dois anos em fevereiro de 2022 sem cumprir suas principais metas de redução do desmatamento e desprestigiado dentro do próprio governo.

 

Dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que o desflorestamento na região continua acelerado. Estimativas preliminares do Programa de Cálculo do Deflorestamento da Amazônia (Prodes) indicam que em 2021 houve um incremento de 11.957 km² na área desmatada, a maior do mandato de Bolsonaro.

Apesar disso, o Conselho da Amazônia Legal não se reúne desde agosto do ano passado. Ao todo, desde a sua criação, realizou seis reuniões. Se as primeiras contavam com a participação de quase todos os ministros, agora quase nenhum comparece. O último encontro foi um sinal da falta de prestígio do órgão até dentro do Palácio do Planalto: nem mesmo o ministro mais importante da área, Joaquim Leite, do Meio Ambiente, compareceu. A ausência do ministro chamou ainda mais a atenção porque existia a expectativa de que a pasta conseguiria trabalhar melhor com o Conselho após a saída de Ricardo Salles, que não se dava bem com o vice-presidente, Hamilton Mourão.

Entre as propostas de ações imediatas pelo Conselho, a maioria também não saiu do papel, como a reativação do financiamento internacional na preservação da Amazônia, a criação de ações de prevenção à expansão da Covid-19 e a de um gabinete de prevenção e controle do desmatamento no âmbito do Gabinete de Segurança Institucional.

Passados quase dois anos de sua criação, as medidas adotadas pelo Conselho se demonstraram, quando não inócuas, efêmeras. Um dos exemplo foi o envio de militares por meio de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem. A presença das Forças Armadas, defendida por Mourão, entretanto, não rendeu os resultados desejados. Segundo o Observatório do Clima, as multas do Ibama caíram pela metade em 2020 e o desmatamento continuou igual no período em que os militares estiveram na Amazônia. Além disso, um dos focos do Conselho, a reativação do Fundo Amazônia, também não andou: os R$ 3,2 bilhões enviados por governos estrangeiros continuam parados.

Segundo especialistas e deputados ouvidos pelo O GLOBO, a incapacidade de ação do órgão é um resultado da estratégia equivocada do governo federal no enfrentamento do desmatamento. Para eles, apesar de assumir o impacto negativo no exterior, o governo de Jair Bolsonaro continua agindo como se o problema pudesse ser revertido com uma propaganda melhor e não com combate aos crimes cometidos na floresta.

— O governo Bolsonaro fez um diagnóstico de que o problema com a Amazônia é um problema de imagem e por isso lançou mão de remédios publicitários. O Conselho da Amazônia foi justamente um deles, uma espécie de simulacro para dizer que o governo tem alguma governança na região. Mas é um embuste, algo que não foi criado para resolver problemas de fato — afirma Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.

Segundo Unterstell, os dados de aumento do desmatamento demonstram os erros do governo nessa estratégia, além do surgimento de outros problemas na região, como o garimpo, refletido na imagem do Rio Madeira tomado por balsas de garimpo, e a expansão da pandemia.

Ex-secretário de Biodiversidade e Florestas e Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2008, o biólogo João Paulo Capobianco lembra que enquanto reativou o Conselho, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu a Diretoria de Controle do Desmatamento, órgão essencial na coordenação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, que reduziu o desmatamento na região em aproximadamente 82% entre 2004 e 2014.

Um dos pontos destacados por Capobianco é o fato de o Conselho ser comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. A incumbência dada ao vice foi vista como uma sinalização do presidente em um momento em que Mourão se viu escanteado e começou a criticar medidas adotadas pelo Palácio do Planalto. A vice-presidência, entretanto, não tem poder de execução.

— Foi claramente uma resposta midiática à pressão internacional. O Conselho foi retirado do Ministério e transferido para a vice-presidência, que não possui nenhuma função executiva no governo federal. Para agravar a situação, não foram incluídos, entre os integrantes do Conselho, os órgãos do governo que têm responsabilidade e capacidade para atuar no controle do desmatamento, como o Ibama e ICMbio — disse Capobianco, vice-presidente do Institudo Democracia e Sustentabilidade.

O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), suplente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, disse que chegou a ter reuniões com Mourão alertando-o de que não bastava convocar alguns governadores e integrantes das Forças Armadas presentes na Amazônia para mudar a situação crítica na região. O parlamentar diz que as operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO) na Amazônia não trouxeram resultado porque não foram feitas com os órgãos de fiscalização. Agostinho também aponta que há falta de planejamento estratégico para as ações na região.

— Se você não tem uma política pública consistente, esse modelo de conselho fica totalmente desmoralizado. E é isso que a gente está vendo. Houve uma desmoralização completa do Conselho da Amazônia e ninguém mais quer sentar para conversar — disse.

Um documento produzido pelos gabinetes dos deputados Felipe Rigoni, Tabata Amaral e do senador Alessandro Vieira reforça a visão de que o governo vem negando as razões para o desmatamento. Neste ano, em diversas ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro minimizou os problemas da queimada, insinuando que os focos de incêndio são causados por indígenas para agricultura de subsistência, ou até mesmo que alguns pontos seriam fogueiras de São João.

Um estudo feito pelos parlamentares indicou que o maior impacto ocorre em razão da diminuição do orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Segundo o documento, de 2014 a 2021, os valores gastos pela pasta em ações de preservação ambiental e combate ao desmatamento foi reduzido em 42%, passando de R$ 1,1 bilhão para R$ 634 milhões.

 “O orçamento do Ministério e o número de servidores em exercício no IBAMA são as variáveis que apresentam uma relação mais forte com o desmatamento, de maneira quase espelhada: o decréscimo em ambas as variáveis ao longo do tempo aparece acompanhado de um aumento do desmatamento”, diz o documento.

Dimitrius Dantas, Extra


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