O mutirão para inquirir e aprovar membros das
diretorias das agências reguladoras, as manobras para encobrir o vexaminoso
caso do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), apanhado com dinheiro na cueca, e a
aprovação praticamente a priori, da primeira indicação do presidente Jair
Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF) são os exemplos recentes das
ações entre amigos e do baixo espírito republicano lá predominante.
Porque os partidos não respeitam princípios éticos,
ou sequer estabeleçam regras e limites a seus membros, o Senado cobre com o
manto de sua autoridade malfeitos de senadores e referenda o baixo grau de
institucionalidade de escolha tão grave como a aprovação de ministro do
STF.
O Supremo, ao responder a demandas de investigações
policiais, tem com frequência decidido pelo afastamento de parlamentares,
competência do Congresso. O último e rumoroso caso foi o do senador Chico
Rodrigues. A Polícia Federal queria
sua prisão pelo desvio de recursos,
estimados R$ 20 milhões, para o combate à pandemia em Roraima. Em operação de
busca, os policiais se depararam com a repugnante tarefa de retirar R$ 32,2 mil
da cueca do senador.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, mostrou
indignação e surpresa, não com o valhacouto do dinheiro nem de como foi obtido,
mas com o STF e condenou sua interferência. Rodrigues, segundo a defesa de seus
advogados, foi vítima do “terrorismo policial”. Em campanha para se reeleger no
comando da Casa, vedada expressamente pela Constituição, Alcolumbre e seus
pares manobram para dar tempo ao tempo e livrar Rodrigues da enrascada.
Rodrigues era membro da Comissão de Ética e de Decoro Parlamentar da Casa e
membro suplente da comissão mista que acompanha ações do governo contra a
pandemia. Vice-líder do governo, estava nos postos convenientes.
Jayme Campos (DEM-MT), presidente da Comissão de
Ética, propôs que Rodrigues se licenciasse e ele o fez por 121 dias, prazo
adequado para que seu filho, Pedro Rodrigues (DEM-RR), também investigado
por desvio de recursos, o
substitua. Como já havia feito com Aécio Neves, enredado em múltiplas denúncias
de corrupção, negando seu
afastamento, o Senado agiu agora para proteger os pares, usando a defesa da
independência como salvo-conduto para falcatruas.
Não é estranho, mas até lógico, que senadores que
não se encandalizaram com a proeza indecente de Rodrigues, estabeleçam o mesmo
padrão de descaso na aprovação de indicações para cargos da República. Em
mutirão, o Senado sabatinou às pressas 20 indicados para agências reguladoras,
e aprovou Jorge Oliveira, empregado longevo de Jair Bolsonaro quando ele era um
deputado medíocre, para ministro do TCU, que dará pareceres sobre as contas do governo.
Igualmente grave, mas rotineiro, foi a aceitação
praticamente prévia de Kassio Nunes Marques, sabatinado ontem pela CCJ do
Senado para ministro do STF. Os patrocinadores da candidatura são suspeitos,
como o senador Flavio Bolsonaro, acusado por “rachadinhas” na Alerj, e o
deputado Ciro Nogueira (PP-PI), veterano figurante de investigações
policiais.
O ritual semi-secreto para sua aceitação começou em
um jantar entre Bolsonaro, dois ministros do STF, Gilmar Mendes e Dias Toffoli,
e Alcolumbre, quando Kassio foi apresentado. Depois veio a “campanha” nos
gabinetes dos senadores, onde Kassio foi bem, a ponto do Eduardo Braga (MDB-AM),
ter antevisto nele a perfeição divina encarnada, como pôs em seu parecer: “Não
tomei conhecimento de um único defeito em suas decisões”.
O candidato é acusado de plágio em dissertações e
de ter feito dois breves e inexistentes pós-doutorados no exterior de poucos
dias após ter concluído o doutorado. Com o “notório saber” e “reputação
ilibada” sob questão, Kassio disse que houve incompreensão das “regras
educacionais europeias”, respondeu a quase tudo sem se comprometer, como é
praxe em sabatinas desatentas, e, nas poucas vezes em que foi assertivo, disse
ser contrário ao aborto.
É dessa maneira
irresponsável que se moldam os poderes da República. No caso de Rodrigues, o
Senado pode se redimir, pondo um fim a seu mandato.
Valor Econômico
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