sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Senado foge de seus deveres com desleixo em sabatinas


O Senado abre mão, mais uma vez, de exercer seriamente seus deveres constitucionais, ao proteger membros envolvidos em malversação de recursos e corrupção, e ao se abster de circunspecção e interesse nas sabatinas para aprovação de candidatos a importantes cargos da República. 


O mutirão para inquirir e aprovar membros das diretorias das agências reguladoras, as manobras para encobrir o vexaminoso caso do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), apanhado com dinheiro na cueca, e a aprovação praticamente a priori, da primeira indicação do presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF) são os exemplos recentes das ações entre amigos e do baixo espírito republicano lá predominante. 

Porque os partidos não respeitam princípios éticos, ou sequer estabeleçam regras e limites a seus membros, o Senado cobre com o manto de sua autoridade malfeitos de senadores e referenda o baixo grau de institucionalidade de escolha tão grave como a aprovação de ministro do STF. 

O Supremo, ao responder a demandas de investigações policiais, tem com frequência decidido pelo afastamento de parlamentares, competência do Congresso. O último e rumoroso caso foi o do senador Chico Rodrigues. A Polícia Federal queria sua prisão pelo desvio de recursos, estimados R$ 20 milhões, para o combate à pandemia em Roraima. Em operação de busca, os policiais se depararam com a repugnante tarefa de retirar R$ 32,2 mil da cueca do senador. 

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, mostrou indignação e surpresa, não com o valhacouto do dinheiro nem de como foi obtido, mas com o STF e condenou sua interferência. Rodrigues, segundo a defesa de seus advogados, foi vítima do “terrorismo policial”. Em campanha para se reeleger no comando da Casa, vedada expressamente pela Constituição, Alcolumbre e seus pares manobram para dar tempo ao tempo e livrar Rodrigues da enrascada. Rodrigues era membro da Comissão de Ética e de Decoro Parlamentar da Casa e membro suplente da comissão mista que acompanha ações do governo contra a pandemia. Vice-líder do governo, estava nos postos convenientes. 

 

Jayme Campos (DEM-MT), presidente da Comissão de Ética, propôs que Rodrigues se licenciasse e ele o fez por 121 dias, prazo adequado para que seu filho, Pedro Rodrigues (DEM-RR), também investigado por desvio de recursos, o substitua. Como já havia feito com Aécio Neves, enredado em múltiplas denúncias de corrupção, negando seu afastamento, o Senado agiu agora para proteger os pares, usando a defesa da independência como salvo-conduto para falcatruas. 

Não é estranho, mas até lógico, que senadores que não se encandalizaram com a proeza indecente de Rodrigues, estabeleçam o mesmo padrão de descaso na aprovação de indicações para cargos da República. Em mutirão, o Senado sabatinou às pressas 20 indicados para agências reguladoras, e aprovou Jorge Oliveira, empregado longevo de Jair Bolsonaro quando ele era um deputado medíocre, para ministro do TCU, que dará pareceres sobre as contas do governo. 

Igualmente grave, mas rotineiro, foi a aceitação praticamente prévia de Kassio Nunes Marques, sabatinado ontem pela CCJ do Senado para ministro do STF. Os patrocinadores da candidatura são suspeitos, como o senador Flavio Bolsonaro, acusado por “rachadinhas” na Alerj, e o deputado Ciro Nogueira (PP-PI), veterano figurante de investigações policiais. 

O ritual semi-secreto para sua aceitação começou em um jantar entre Bolsonaro, dois ministros do STF, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, e Alcolumbre, quando Kassio foi apresentado. Depois veio a “campanha” nos gabinetes dos senadores, onde Kassio foi bem, a ponto do Eduardo Braga (MDB-AM), ter antevisto nele a perfeição divina encarnada, como pôs em seu parecer: “Não tomei conhecimento de um único defeito em suas decisões”. 

O candidato é acusado de plágio em dissertações e de ter feito dois breves e inexistentes pós-doutorados no exterior de poucos dias após ter concluído o doutorado. Com o “notório saber” e “reputação ilibada” sob questão, Kassio disse que houve incompreensão das “regras educacionais europeias”, respondeu a quase tudo sem se comprometer, como é praxe em sabatinas desatentas, e, nas poucas vezes em que foi assertivo, disse ser contrário ao aborto. 

É dessa maneira irresponsável que se moldam os poderes da República. No caso de Rodrigues, o Senado pode se redimir, pondo um fim a seu mandato.

Valor Econômico   


 _ _ _ _ _ _





No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui

O autor:

No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui


Clique aqui para acessar os livros em inglês