Relatório feito por auditoria
norueguesa com supostas irregularidades do fundo foi rejeitado pelo Parlamento do país, que
aprovou as contas; documento é usado por Salles como indicativo de problemas
Um
relatório do Escritório do Auditor Geral da Noruega, de 2018, citado pelo
Ministério do Meio Ambiente (MMA) para criticar o Fundo Amazônia por supostas irregularidades e pouca eficácia,
foi criticado pelo próprio parlamento norueguês. A decisão final sobre a
auditoria foi do Comitê de Controle e Constituição do Storting, como é
conhecido o legislativo do país escandinavo. Parlamentares da comissão colheram
explicações do Ministério do Clima e do Meio Ambiente da Noruega e vieram ao
Brasil. Depois, aprovaram algumas recomendações, mas sem endossar as conclusões
da auditoria.
Formado em 2008 com doações da Noruega (R$ 3,2 bilhões) e da Alemanha (R$ 200
milhões), o Fundo Amazônia tem como objetivo reduzir o desmatamento. Não aprova
nenhum projeto desde 2018. No ano passado, o MMA do Brasil, por decisão do
ministro Ricardo Salles, resolveu mudar suas regras de governança. Gerou assim um impasse com
os países doadores. Com isso, o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), administrador do fundo,
congelou a análise de 40 projetos. Ao todo, R$ 1,409 bilhão está parado.
O Fundo Amazônia é uma iniciativa pioneira de REDD+. Esse instrumento foi
aprovado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(UNFCCC, na sigla em inglês) em 2007. Sua meta é recompensar financeiramente
países em desenvolvimento pela redução de emissões de gases do efeito estufa
associadas ao desflorestamento. Até 2018, 103 projetos, somando R$ 1,860
bilhão, foram aprovados pelo BNDES.
Dessa quantia, R$ 1,205 bilhão foi desembolsado de 2015 até o primeiro semestre
deste ano. A liberação para projetos que já estavam em curso não foi atingida
pelo impasse.
O caso foi discutido em duas audiências públicas, na sexta-feira, 23, e na
segunda-feira, 26. As reuniões foram em ação judicial que questiona a paralisia
do fundo no Supremo Tribunal Federal (STF). Na primeira audiência, Salles
voltou a citar supostos problemas nas prestações de contas dos projetos
apoiados. Era uma justificativa para mudar a governança. Na ação judicial, o MMA alega que não é responsável
pela paralisia do fundo e reconhece a sua relevância. Reforça, contudo, o
discurso de que há indícios de irregularidades.
O ministro brasileiro levantou suspeitas pela primeira vez em 2019. Foi quando
apresentou dados de uma fiscalização sobre
alguns dos projetos que receberam doações. A ação de Salles provocou
afastamentos de funcionários no BNDES.
Isso foi visto por técnicos do banco como ingerência política.
Na resposta aos questionamentos da ministra Rosa Weber, relatora da ação no
STF, o MMA cita uma auditoria do Tribunal
de Contas da União (TCU),
de 2018. O trabalho afirma que 'não obstante a conclusão se referir a uma
'satisfatória execução'', encontrou, diversas falhas na execução dos contratos
e deficiências na execução física. Depois da auditoria de 2018, o TCU abriu mais uma inspeção sobre
o Fundo Amazônia. Ela está em curso.
Além disso, a petição do MMA na ação no STF argumenta que a pasta comandada por
Salles não foi o único órgão a apontar inconsistências na governança do Fundo Amazônia. É
nesse ponto que o ministério brasileiro recorre à auditoria feita pelo órgão
norueguês. Destaca que a suposta 'necessidade de mudança na estrutura
organizacional do fundo decorre de irregularidades apontadas
pela auditoria realizada pelo Escritório do Auditor Geral da Noruega'.
O órgão, análogo ao TCU brasileiro,
se debruçou sobre todas as iniciativas de REDD+ apoiadas pela Noruega. Incluiu
no estudo países como Colômbia, Etiópia, Congo e Indonésia, além do Brasil. O
relatório de 2018 afirma, entre conclusões e recomendações, que os resultados
estão atrasados e são incertos. Diz ainda que a ação da Noruega não gerou
tantas doações de outros países. E reclama que o Ministério do Clima e Meio
Ambiente norueguês é pouco sistemático para obter informações sobre os
resultados e no acompanhamento do risco de fraudes.
Em relação ao Brasil, principal beneficiário das doações, o relatório chama a
atenção para o fato de o desmatamento anual da Amazônia ter caído, entre 2004 e
2008. Mas lembra que, nos anos seguintes, o desflorestamento se manteve em
ritmo mais ou menos constante. O documento observa que as autoridades
brasileiras e norueguesas reconhecem que 'o Brasil precisa de novas iniciativas
para reduzir o desflorestamento ainda mais'. O texto é de 2018, portanto, antes
do avanço recente do desmatamento ocorrido em 2019 e 2020.
Após o relatório do Gabinete do Auditor Geral da Noruega sobre todas as doações
via REDD+, o Ministério do Clima e do Meio Ambiente respondeu que levaria as
recomendações em conta para aprimorar essa política. Defendeu, porém, a
eficácia do instrumento para reduzir as emissões globais de gases do
efeito-estufa. São elas que provocam as mudanças climáticas. Segundo o órgão
norueguês,'os avanços no Brasil mostram que REDD+ funciona'.
Em setembro de 2018, parlamentares do Comitê de Controle e Constituição do
Storting visitaram o Brasil. Estiveram com autoridades em Brasília, no Rio
(sede do BNDES) e no Pará,
para conhecer dois projetos de desenvolvimento sustentável apoiados pelo Fundo
Amazônia. Depois, aprovaram uma 'recomendação' em novembro de 2018. No
documento, ponderam que 'dentro do programa REDD+ existem medidas que têm um
efeito particularmente bom e outras medidas que têm menos efeito'. Também
criticaram o relatório de auditoria.
'O comitê, tanto por meio do relatório quanto por meio de sua experiência no
Brasil em setembro de 2018, olhou mais de perto o investimento feito por meio
do programa REDD+ e gostaria de enfatizar que pode haver partes do relatório
que poderiam ser um pouco diferentes se o próprio Gabinete do Auditor Geral
tivesse saído em campo', diz o texto, disponível na internet.
No geral, a recomendação defende as doações via REDD+ por iniciativa do governo
norueguês. Reconhece, porém, que os avanços na contenção do desmatamento em
países emergentes podem realmente ser lentos. O documento afirma ainda que
seria melhor se outros países também se engajassem nas doações.
'É importante que os recursos sejam usados corretamente e não conflitem com os
objetivos de combate à pobreza, (garantia dos) direitos dos povos indígenas e
conservação da floresta natural. A comissão assume, portanto, que o Ministério
do Clima e do Meio Ambiente apresentará mais medidas na gestão dos fundos
noruegueses', continua a recomendação.
O documento é assinado por todos os integrantes do comitê, de diversos
partidos. A lista de assinaturas inclui a de Carl I. Hagen, do Partido do
Progresso, negacionista do aquecimento global. Ele fez questão de registrar que
discordava da visão de que as mudanças climáticas são causadas pela ação
humana, diferentemente do que aponta a larga maioria das pesquisas científicas.
Assinalou ainda que 'gastar grandes somas para reduzir as emissões' de gases
'vitais' seria 'muito imprudente'.
Questionada sobre a posição do governo norueguês em relação à interpretação que
o MMA deu para o relatório de auditoria de 2018, a Embaixada da Noruega não
comentou. Na semana passada, por escrito, a representação norueguesa no Brasil
classificou o Fundo Amazônia como 'uma cooperação importante' e defendeu as
negociações com o governo brasileiro para tentar chegar a um acordo sobre as
mudanças na governança.
'Toda cooperação internacional é baseada em visões comuns. Estamos tentando
verificar se ainda temos metas compartilhadas, e como o governo brasileiro
implementará suas estratégias', diz nota da embaixada.
Procurado, o MMA não respondeu até a publicação deste texto.
Por Vinicius
Neder, em O Estado de S.Paulo
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