O IBGE acaba
de publicar a Pesquisa Nacional de Saúde
(PNS) referente a 2019, e os dados são aterrorizantes. Não se costuma falar
muito sobre a obesidade no Brasil, ao menos não no debate público, devido à
percepção equivocada de que o termo carrega preconceitos em relação a pessoas
que estão acima do peso.
Mas a
obesidade não é sinônimo de “gordofobia” ou qualquer outro termo pouco
edificante que se pretenda usar para tratá-la. A obesidade é uma doença, uma
doença crônica. A obesidade é uma doença crônica em que ela própria é fator de
risco para o desenvolvimento de
várias outras doenças crônicas. Entre elas, a hipertensão, a diabetes, doenças
cardiovasculares diversas, problemas renais. Todos esses males são fatores de
risco para o desenvolvimento de
quadros graves da Covid-19. Como a Covid-19 estará conosco por muito tempo, o
perfil antropométrico da população brasileira, que já tinha caráter de
urgência, é hoje ainda mais urgente.
O que mostra a
PNS? Primeiramente que o problema que aflige o Brasil — ainda que tenhamos
retornado ao mapa da fome — não é o déficit de peso, mas o contrário. Cerca de
60% dos brasileiros com mais de 18 anos estão com excesso de peso e 26% sofrem
de obesidade. Tanto o excesso de peso quanto a obesidade aumentaram fortemente
desde 2002/2003. Naquela altura, 12% da população adulta brasileira era obesa,
a prevalência mais do que dobrou de lá para cá. Há também diferenças marcantes
entre gêneros: entre os homens com mais de 20 anos, 22% são obesos; entre as
mulheres com mais de 20 anos, 30% são obesas. Em 2002/2003, cerca de 10% dos
homens e 14,5% das mulheres sofriam de obesidade. Segundo vários estudos, a
obesidade já foi “doença de rico”. Contudo, desde os anos 1980, acentuando-se
ao longo dos anos 2000, a obesidade é cada vez mais relacionada com a
desigualdade e a pobreza. As mulheres obesas brasileiras são, sobretudo,
mulheres de baixa renda. Mulheres que não podem adoecer pois cuidam de lares
com muitos filhos e parentes idosos. Mulheres que, uma vez obesas, têm um risco
maior de sofrer dos casos graves da Covid-19 e que moram em comunidades onde o
risco de contrair a Covid-19 é desproporcionalmente mais alto do que para a
população mais abastada.
O peso da desigualdade,
portanto, está não apenas no índice de massa corporal (IMC), mas nas marcas que
a Covid-19 haverá de deixar em segmentos bastante específicos e visíveis da
população brasileira. Diante dessas várias epidemias — a de obesidade, a de
hipertensão associada além de outras doenças, a de Covid-19 —, o governo
brasileiro pretende dar fim ao Guia Alimentar elaborado pelo Ministério da Saúde cujo propósito é dar informações
à população mais carente sobre nutrição e prevenção de doenças crônicas relacionadas
à dieta. Vejam: as questões de segurança alimentar que afligem esse segmento da
população brasileira não estão associadas apenas à fome. Estão também
associadas às dietas carregadas de alimentos ultraprocessados posto que mais
baratos, ao hábito de tomar refrigerantes e outras bebidas com alto teor de
açúcar. O governo Bolsonaro, aliás, acaba de afagar as multinacionais
produtoras de refrigerantes concedendo-lhes desonerações polpudas. Ou seja,
nossas políticas públicas haverão de alimentar não apenas a epidemia de
obesidade e doenças relacionadas, como também agravarão os riscos de contrair
Covid-19 para parte considerável da população, a de baixa renda.
Todas essas
pessoas, mais doentes, menos capazes de exercer suas funções de cuidado ou de trabalho, precisarão receber mais
assistência do governo. Todas essas pessoas, cuja carga de doenças crônicas
presentes e futuras está ficando cada vez maior, haverão de recorrer ao SUS.
Terá o SUS a capacidade de ajudá-las? Terá o SUS a capacidade de orientá-las?
Com o subfinanciamento que hoje aflige nosso sistema de saúde pública, aquele
sem o qual o número de óbitos na pandemia seriam inequivocamente maiores, o SUS
não poderá atender adequadamente a essas demandas. Os problemas estruturais se
agravarão. As desigualdades tornar-se-ão mais enraizadas e mais acentuadas. É
preciso dar conta da saúde pública quando se pensa na brutal desigualdade
brasileira. É preciso ter claro que nosso problema de fundo é muito maior do
que a epidemia de Covid-19. Não temos só uma epidemia. Temos múltiplas.
Por Monica de Bolle, na Revista Época
- - - - - -
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui.
O autor:
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui.
-----------
|
Clique aqui para saber mais. |
|
Click here to learn more. |
|
Para saber mais, clique aqui. |