O vice-presidente Hamilton
Mourão insiste em elogiar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado
em 2008 por sequestro e tortura cometidos durante o regime militar e que morreu
de câncer sete anos depois, sem cumprir pena nenhuma. Como publicamos, Mourão
disse o seguinte, em entrevista à Deutsche Welle:
“O que eu posso dizer sobre
o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra é que ele foi meu oficial comandante
durante o final dos anos 70 e ele foi um homem de honra que respeitava os
direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas
falam dele – posso dizer porque tive amizade muito próxima com ele — não são
verdade.”
A frase de Mourão me fez
lembrar como o ditador italiano Benito Mussolini podia também ser afável. Ele
costumava, por exemplo, bater papo com o porteiro do Palazzo Venezia, em Roma,
de cujo balcão fazia os seus discursos furibundos para uma multidão delirante.
Mussolini descia até a portaria e lá ficava contando e ouvindo casos e piadas.
Um homem de honra que respeitava os direitos humanos do porteiro.
Lembrei-me principalmente
de um filme a que assisti muitos anos atrás, já não me lembro onde,
intitulado As Confissões de Winifred Wagner, do diretor alemão
Hans-Juergen Syberberg. Winifred era a viúva de Siegfried, filho de Richard
Wagner, o compositor erudito admirado pelo ditador Adolf Hitler e que serviu de
trilha sonora ao terror nazista. Lançado em 1975, trata-se de um documentário
com cinco horas de duração, durante as quais ela é entrevistada por Syberberg.
Foi a primeira entrevista dada por Winifred. Na maior parte do tempo, ela
permanece enquadrada em close, depondo para uma câmara parada. Com riqueza de
detalhes, fala sobre a música do sogro, a cultura alemã e a sua amizade com
Hitler, estimulada por perguntas breves feitas pela voz em off. Dito
assim, parece monótono. Não é, garanto.
Winifred, então com 78
anos, não discorre sobre as atrocidades do ditador nazista ou a elas faz qualquer
referência. O seu assunto é o ser gentil, patrono das artes, que “tinha aquele
perfeito calor e compreensão austríacos” e via no Festival de Bayreuth, organizado
por ela, uma merecida celebração da música divina de Wagner.
No início do filme, ao
ouvi-la, você acha que se trata de uma cínica. Winifred, contudo, não é uma
cínica. Ao longo de 22 anos de amizade com Hitler, ela realmente não enxergou o
monstro, mas apenas o homem apaixonado por Wagner e, por extensão, pela sua
família. A única vez em que é instada a falar de Hitler como governante, ela
diz que ele era muito influenciável e acabou sucumbindo a “demandas radicais”.
Enquanto se ouve Winifred,
uma senhora que poderia ser a sua avó, o contraste entre a história que ela
conta e a história que realmente aconteceu vai se acentuando na mente do
espectador — e você começa a entender, chocado diante de constatação terrível,
o que é também o horror. O horror é recusar-se a ver, como fizeram os alemães
sob Hitler. Mais precisamente, o horror é recortar a realidade em pedaços
estanques e ficar com alguns e descartar os outros sem examiná-los, como fez
Winifred.
O filme de Syberberg é,
para mim, tão assustador quanto os documentários que mostram as imagens dos
campos de concentração nazistas, porque mostra o que se operou no íntimo dos
cidadãos da Alemanha de Hitler para que o extermínio de milhões de homens,
mulheres e crianças pudesse ter sido levado a cabo.
Eu recomendaria ao
vice-presidente Hamilton Mourão assistir a As Confissões de Winifred
Wagner. Monstros, não importa a dimensão ou ideologia deles, podem parecer
honrados e ser gentis com quem os cerca.
Por Mario Sabino, em O
Antagonista
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