Desde que as aulas remotas começaram, em março, Matheus Lopes de Oliveira, 18, tem dependido da ajuda da irmã e da apostila que buscou na escola para conseguir continuar estudando.
Isso
porque uma combinação de problemas tem tornado mais difícil acompanhar as aulas
pela internet: Matheus, aluno do segundo ano do ensino médio na rede estadual
do Rio de Janeiro, não consegue fazer o login no ambiente remoto escolar desde
que precisou trocar de celular. Sua casa, no Complexo do Alemão, tem conexão
com a internet, mas ela é instável. "Cai toda hora, a área (de cobertura)
é ruim. E quando passa caminhão ou voam com pipas aqui na rua, estragam o
fio."
Ele
continua estudando cerca de uma hora por dia (bem menos do que passava na
escola antes da pandemia), mas nem sempre consegue conciliar as tarefas
escolares com o seu trabalho na ONG Educap. Por causa da pandemia, aumentou a
demanda pelas cestas básicas que ele organiza e distribui na comunidade.
Na
prática, Matheus está desde março sem participar ativamente das aulas online,
fazendo apenas os exercícios da apostila, que ele vai levar de volta à escola
em outubro para que seja corrigida pelos professores. A irmã e outros
conhecidos têm ajudado a tirar as dúvidas do conteúdo.
"A
gente tem um grupo de WhatsApp (da turma da escola), e muitos falam que não
conseguem acessar as aulas", conta à BBC News Brasil. "Alguns nem pegaram
a apostila ainda."
Questionado
se teme ficar para trás nos estudos, Matheus diz que tem mais medo de passar de
ano sem sentir que aprendeu o suficiente. "Queria fazer tudo de novo. Não
adianta eu passar para o terceiro ano sem ter aprendido nada. Prefiro voltar e
fazer o segundo ano de novo, do zero."
Em São
Paulo, na comunidade do Jardim São Luís (extremo sul), Vânia Rocha tem internet
em casa, mas apenas um aparelho eletrônico: o seu próprio celular, que não tem
sido o bastante para dar conta das aulas dos dois filhos, Gabriel e Giovana.
Com a filha mais nova, de sete anos, a maior dificuldade é conseguir ajudá-la
nos estudos, já que, aos 7 anos, ela ainda é pequena para estudar sozinha.
"Nós
recebemos a apostila da escola, mas eu não consegui acompanhar os estudos dela.
(...) Acabei desistindo, infelizmente", conta. "Outro dia, a Giovana
me perguntou: 'mãe, no ano que vem, quando passar a pandemia, eu vou voltar
para a escola e ir para o segundo ano (do ensino fundamental) sem saber ler e
escrever?' A gente respira e não sabe o que responder. (...) A desigualdade é
muito grande, os filhos da periferia não estão acompanhando as aulas."
18% dos
alunos sem acesso às atividades da escola
A
pandemia do coronavírus acentuou as desigualdades na educação e tornou mais
comuns, pelo Brasil inteiro, as dificuldades de conectividade enfrentadas por
Matheus e Vânia. Enquanto redes e alunos com mais estrutura avançaram (mesmo
que com percalços) no ensino remoto, uma parcela dos alunos e de locais mais
carentes não conseguiu se manter conectada e foi perdendo tanto conteúdo quanto
entusiasmo pelos estudos.
No
momento em que as redes estaduais e municipais começam a planejar a retomada
para o ensino presencial (ou ao menos híbrido), reengajá-los será um dos
grandes desafios.
Ainda
em julho, uma pesquisa do Datafolha para as fundações Lemann, Itaú Social e
Imaginable Futures com pais ou responsáveis de 1.556 estudantes de escolas
públicas do país concluiu que aumentou de 74% (desde maio) para 82% o índice de
alunos que estavam recebendo atividades escolares em casa, seja por material
impresso ou celulares, TV, rádio e computador, ou uma combinação desses meios.
Mas
isso ainda deixa quase 1 em cada 5 estudantes da rede pública sem ter feito
atividades remotas da escola.
A
proporção de alunos sem acesso aos conteúdos escolares era ainda maior na
região Norte (38% contra 18% do resto do país) e em casas que concentram três
ou mais estudantes.
Além
disso, a falta de motivação dos jovens com as atividades remotas passou de 46%
em maio para 51% em julho.
Mas o
dado mais preocupante da pesquisa é de que os pais de mais de um terço dos
estudantes dizem que seus filhos consideram muito difícil a rotina de estudos
remotos e correm o risco de abandonar a escola por causa disso.
O
déficit tecnológico vem de antes da pandemia. A pesquisa TIC Domicílios de 2019
apontava que, naquela época, 43% dos domicílios urbanos brasileiros e apenas
18% dos rurais tinham computador em casa. No que diz respeito à conexão com a
internet em casa, os percentuais subiam para 75% em lares urbanos e 51% em
lares rurais.
Embora
esses números estejam desatualizados por conta da pandemia - já que parte dos
alunos ganhou pacotes de dados e dispositivos eletrônicos, de redes públicas ou
doadores particulares, para continuar estudando -, eles exemplificam a
desigualdade de acesso à tecnologia, à conectividade e à informação no país.
'Mais
vulneráveis ficam para trás'
"O
abismo digital, que já era preocupante, na pandemia vai piorar. (...) A falta
de conectividade implica em deixar as crianças mais vulneráveis para
trás", diz à BBC News Brasil Ítalo Dutra, chefe de educação do Unicef
(braço da ONU para a infância) no Brasil. Isso porque o grupo de alunos mais
desconectados coincide com o grupo que tem renda per capita menor, mais
incidência de pobreza e mais chance de abandonar a escola antes de concluir os
estudos.
Dutra
destaca, porém, que a maioria das redes públicas de educação do país têm
conseguido combinar atividades digitais com materiais físicos, para minimizar a
dependência da conexão com a internet. O Unicef também promove, desde 2017, em
parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime),
um projeto de busca ativa dos alunos, que consiste em ir atrás de estudantes
que não têm frequentado as aulas.
Na
pandemia, diz ele, o parâmetro estabelecido pela Undime é de que alunos que
estão há no máximo três semanas sem manter contato com a escola ou realizar
tarefas devem ser ativamente buscados. "A gente ainda vai precisar
conviver com o vírus por um tempo. A grande preocupação nesse contexto é a
perda de vínculo desses alunos com a escola, e de eles perderem seu direito à
educação", afirma.
Claudia
Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais
(Ceipe) da FGV, também destaca o esforço da grande maioria das redes públicas
do país em manter o ensino vivo, a despeito dos desafios de conectividade.
Mas ela
destaca também que "o Brasil não tem direito, como nona maior economia do
mundo, a ter expectativas baixas quanto a suas escolas". E lembra que o o
ensino da cultura digital faz parte da Base Nacional Curricular Comum,
documento que define as competências principais que as crianças devem aprender
na educação básica brasileira e que prevê que todos devem ser capazes de
"comunicar-se, acessar e produzir informações e conhecimentos, resolver
problemas e exercer protagonismo e autoria".
Ambos
os especialistas destacam, também, que o acesso por si só à internet e ao
material digital das aulas não é garantia de mais aprendizado.
"O
que garante a qualidade do aprendizado é a boa mediação do professor, seu
feedback ao aluno", afirma Dutra. "E tem havido uma grande
diversidade de mediações (nas aulas em meio à pandemia)."
Carência
de aparelhos, de wi-fi e de comida
De
volta ao Jardim São Luís, em São Paulo, Vânia Rocha conseguiu alguns aparelhos
para distribuir às crianças locais e ajudá-las nos estudos, por intermédio da
ONG onde trabalha, a Orpas. "Mas a procura é imensa, e não temos recursos
para atender todos", conta.
"A
carência de estrutura é total: desde ter uma boa internet para assistir a um
vídeo até ter um aparelho. A mãe que consegue ter wi-fi em casa precisa
trabalhar para pagar isso, e fica sem tempo para acompanhar o filho nos estudos
— e ele precisa disso, porque não aprende sozinho", afirma.
Em
regiões de maior vulnerabilidade, há preocupações com questões ainda mais
urgentes do que a conectividade: a fome.
Na
divisa entre a zona da mata e o agreste de Pernambuco, Lilian Prado tem um
projeto para apoiar mães empreendedoras, o que lhe permitiu acompanhar de perto
a realidade de algumas famílias da região.
"A
internet é para quem é mais privilegiado por aqui, para quem tem um bom
aparelho de celular. No nosso contexto rural, isso praticamente não existe.
Minha mãe é professora e muitos de seus alunos nem têm comida direito em casa.
Ela imprime os materiais, e as crianças vêm pegar", conta Prado.
"É
horroroso que no Brasil, nos dias de hoje, a gente ainda veja pessoas morando
em condições tão ruins — em casas de taipa, pessoas com fome, mulheres que
sequer têm documentos, muito menos smartphone. Então é só um grupo pequeno e
privilegiado daqui que tem conseguido estudar pela internet."
Para
Claudia Costin, à medida que a pandemia se estende e a necessidade de rodízio
de alunos em sala (quando as aulas presenciais voltarem) vira uma possibilidade
crescente para muitas redes, vai ser cada vez mais importante incluir a
conectividade dos alunos no planejamento orçamentário de Estados e municípios,
apesar das dificuldades fiscais.
"Se
a gente conseguir ampliar o acesso a equipamentos e a pacotes de dados, vamos
ajudar muito esses alunos", conclui.
Por
Paula Adamo Idoeta, na BBC Brasil
_ _ _ _ _ _ _
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui.
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui.
Clique aqui para acessar os livros em inglês. |
-----------
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Coleção Greco-romana com 4 livros; saiba aqui. |
Coleção Educação e Democracia com 4 livros, saiba aqui. |
Coleção Educação e História com 4 livros, saiba mais. |
Para saber sobre a Coleção do Ratinho Lélis, clique aqui. |
Para saber sobre a "Coleção Cidadania para crianças", clique aqui. |
Para saber sobre esta Coleção, clique aqui. |
Clique aqui para saber mais. |
Click here to learn more. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais, clique aqui. |