O ativista Jason Chao vê a atenção global dispensada a seu lugar de origem como aquela voltada a pequenos países da África: marginal. "Macau muitas vezes é esquecida", diz o macauense radicado em Londres.
Chao, 35, foi um dos responsáveis
por organizar um relatório sobre a região administrativa especial da China
enviado para o Comitê de Direitos Humanos da ONU, grupo encarregado de
monitorar o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Pequim não ratificou o
documento, mas um acordo com Portugal para a devolução da ilha, em 1999,
assegurou que o pacto continuaria a ser aplicado na região -como ocorreu em
Hong Kong, ex-colônia britânica. A resposta do comitê das Nações Unidas veio na
última quarta (27), em um relatório de dez páginas que manifesta preocupação
com as restrições às liberdades de expressão e de imprensa na região, assim
como em torno da baixa participação civil em assuntos de interesse público.
Os apontamentos dialogam com
os principais tópicos redigidos no relatório civil por Chao, que conversou com
a reportagem por videochamada. A administração de Macau afirmou seguir
empenhada em aplicar as disposições do pacto, mas criticou o que chama de
politização do caso.
"É preciso que o comitê
mantenha o diálogo construtivo com a parte em questão, evite 'politizar' as
considerações e se abstenha de tirar conclusões tendenciosas e imprecisas com
base em relatórios ou fontes de informação não comprovados", disse o
governo local em comunicado.
O documento da sociedade
civil, entre outros pontos, recorda que 21 candidatos às eleições legislativas
do ano passado foram desqualificados por não serem considerados "leais a
Macau". Foi a primeira vez que postulantes tiveram seus nomes barrados
antes mesmo de disputarem o pleito, segundo o material.
O relatório manifesta ainda
preocupação com a repressão a mobilizações políticas críticas à administração
local e a Pequim e lembra uma lei de 2009 que tornou crime, punível com pena de
prisão de 10 a 25 anos, práticas que possam ser consideradas tentativas de
derrubar o governo.
Há, também, críticas à baixa
garantia de direitos da população LGBTQIA+, ao que o relatório da ONU faz coro.
Alegando falta de "consenso nacional", Macau não permite que pessoas
trans retifiquem o nome em documentos e não estende a proteção da lei de
combate à violência doméstica a casais do mesmo sexo.
Chao, filho de mãe e pai
macauenses, cofundou a Rainbow of Macau, primeira organização pró-direitos LGBT
na região. Também presidiu a Associação Nova Macau, pró-democracia, e por duas
vezes concorreu à Assembleia local, sem êxito. Mudou-se em 2017 para a Europa,
onde vive, para cursar a pós-graduação.
"A mentalidade da
população de Macau está mais próxima da população da China continental",
diz ele. "Autonomia e liberdades não são os valores centrais dos
residentes, como ocorre em Hong Kong."
O clima vem mudando entre as
novas gerações, mas de forma tímida. "Se você perguntar ao acaso: 'Você
quer democracia, liberdade de expressão etc.?', provavelmente ouvirá que sim;
mas quando então questionar 'ok, quanto você se sacrificaria para lutar por
isso?', a resposta será vazia."
Parte da explicação, sugere
ele, está nos quase 450 anos de colonização de Portugal, que, quando devolveu
Macau à China, relegou uma administração pública instruída a ser obediente ao
regime central -diferentemente de Hong Kong, onde o aparato seria mais
independente e "pautado no profissionalismo".
Há também o que descreve
como opressão personificada na força econômica. Maior centro de apostas do
mundo, Macau tem o grosso de sua economia em cassinos e empresas estatais. Após
mais de 20 anos do retorno à China, não houve diversificação, o que ficou ainda
mais evidente na pandemia de Covid.
Nessa lógica, a opressão
viria por meio do boicote: quem fala contra o governo central pode perder seu
negócio ou emprego, e encontrar realocação profissional com esse histórico se
torna difícil.
O ativista macauense, porém,
espera que, à medida que novas gerações forem ocupando postos de poder, o
conservadorismo e a obediência locais sejam cada vez mais confrontados. Hoje,
ele atua como um dos diretores da Hongkongers in Britain, organização que ajuda
expatriados honcongueses no Reino Unido.
Chao faz questão de frisar
que sua oposição não é à influência cultural chinesa, mas ao asfixiamento de
liberdades civis. "Não tenho nada contra a China. Mas a forma atual do
governo chinês é autoritária."
O próprio macauense, afinal,
exilou-se na Europa -a eclosão de atos pró-democracia na vizinha Hong Kong, que
ele apoia, e a repressão que se seguiu fizeram Chao entender que era melhor não
voltar.
Folhapress, Mayara Paixão
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