Especialista em distribuição de renda, o economista Carlos Góes, da Universidade da Califórnia, reconhece a importância do Auxílio Brasil para proteger a população mais vulnerável neste momento de crise. No entanto, ele afirma que, embora programas como esse reduzam a pobreza e a desigualdade, costumam ter um efeito ambíguo: a inflação corrói o valor do dinheiro.
Em
entrevista ao GLOBO, Góes afirma que o programa é eleitoreiro e defende que a
transferência de renda seja permanente. Ele também avalia que o modelo atual
precisa de mudanças, pois provoca distorções no Cadastro Único.
Qual
sua avaliação sobre o programa Auxílio Brasil?
Programas
de transferência condicional de renda, como o antigo Bolsa Família ou o Auxílio
Brasil, são formas eficientes de proteger diretamente os mais vulneráveis. Eles
são formas de inclusão social via consumo no mercado: no lugar de o governante
escolher o que as famílias pobres querem, ele privatiza essa escolha para a
família que escolhe o que é melhor para si.
O
Bolsa Família beneficiava 14 milhões de famílias (cerca de 43 milhões de pessoas),
custando só 0,5% do PIB, enquanto o Auxílio Brasil deve incluir cerca de 19
milhões de famílias (53 milhões de pessoas) e custar ao redor de 1,5% do PIB.
Para efeitos comparativos, a União gasta cerca de 4,5% do PIB com subsídios.
No
auge desses gastos, durante o governo Dilma Rousseff, chegamos a gastar quase
7% do PIB com subsídios. Gastar 1,5% do PIB com um programa social que abarca
os mais vulneráveis não é desarrazoado.
O
que acha que pode ser melhorado?
Em
linhas gerais, os programas são similares. Uma alteração importante é um piso
alto, de R$400 por família (R$600 até o fim do ano). No Bolsa Família, o
objetivo era manter mais ou menos constante entre famílias o benefício por
pessoa.
Entenda:
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office
Agora,
com este piso, o benefício por pessoa passa a ser maior para as famílias
menores. Isso pode gerar o incentivo para que as pessoas declarem estar em
famílias diferentes, mesmo morando juntas. Por exemplo, o filho já maior de
idade que mora com a mãe pode declarar ser um núcleo familiar de uma pessoa,
para ter ele também o benefício.
Esse
incentivo tem sido criticado por especialistas em políticas sociais não somente
por criar esse tipo de desigualdade no benefício por pessoa, mas também porque
gera distorções no Cadastro Único, o registro geral de benefícios sociais do
governo.
O
Cadastro Único alimenta diversas políticas públicas e estudos científicos. Por
isso, o incentivo perverso de desmembramento de famílias pode piorar a
qualidade dos dados do Cadastro Único – o que reverberaria por diversas
políticas sociais.
Em
uma de suas últimas colunas para O GLOBO, você mencionou que o aumento dos
benefícios do Auxílio Brasil foi eleitoreiro. Por quê?
Minha
crítica tem mais a ver com a forma e a duração da medida. O Congresso e o
presidente Bolsonaro se uniram para declarar um falso estado de emergência
para, com isso, suspender os limites de gastos em ano eleitoral.
O
aumento do benefício do Auxílio Brasil, sendo temporário, acaba tendo um
caráter eleitoreiro de burla das regras do jogo eleitoral que tenta equilibrar
as forças entre aqueles que estão dentro e fora do governo. Se o aumento de
benefícios é meritório, pode ser dado de forma permanente e institucionalizada.
Como
evoluíram pobreza e desigualdade no Brasil da pandemia e pós-pandemia?
Foi
um período muito peculiar. O choque sobre o mercado de trabalho foi algo
completamente inédito. No vale da recessão da Covid19, o número de empregos
chegou a cair 10% entre os homens e 16% entre as mulheres. Contudo, enquanto
ocorreram os pagamentos do Auxílio Emergencial, o benefício foi muito
substancial.
Por
causa dele, tanto pobreza quanto desigualdade de renda caíram durante a
pandemia, o que é muito inesperado e sinaliza que reduzir a pobreza extrema no
Brasil é uma decisão política. No período entre o fim do Auxílio Emergencial e
o início do Auxílio Brasil, houve um novo pico de pobreza e desigualdade.
Contudo,
desde a criação do Auxílio Brasil e a melhora dos indicadores do mercado de
trabalho, a desigualdade voltou a cair. Mas o efeito mais recente sobre a
pobreza tem sido ambíguo. Por um lado, o Auxílio Brasil e a melhora no mercado
de trabalho empurram a pobreza para baixo.
Por
outro, a alta inflação corrói os salários e reduz os rendimentos reais. Só
saberemos os efeitos de médio prazo após uma estabilização do pico de inflação.
Há
outros efeitos econômicos desse tipo de programa social?
O
fato de o Auxílio Emergencial ter sido uma transferência tão grande ajuda a
testar seus efeitos econômicos. Para alguns municípios, ele chegou a
representar quase 40% do PIB municipal, enquanto para outros ele não foi muito
grande.
Economistas
do Fundo Monetário Internacional (FMI) usaram esse tipo de variação para
estudar o efeito do Auxílio Emergencial sobre o emprego e a atividade
econômica. A conclusão deles é que pelo menos dois milhões de empregos foram
salvos por causa do programa; e o PIB caiu pelo menos 2% menos do que teria
caído sem o Auxílio. Esse efeito é consistente com alguns outros estudos que
avaliaram o impacto econômico do Bolsa Família.
Embora
possa haver algum efeito de desencorajar o emprego para quem recebe, esse
efeito é mais que compensado pelo fato de que as transferências aumentam a
demanda por emprego, via gastos na economia local. Ou seja, em termos líquidos,
dar o pão ajuda com que haja mais gente disposta a pescar.
Há
experiências internacionais parecidas com o que aconteceu no Brasil?
O
Bolsa Família e seu primo mexicano — o Progresa/Oportunidades — foram alguns
dos primeiros programas de transferência condicional de renda da região. Hoje,
quase todos os países da América Latina têm um programa similar.
O
modelo desse tipo de programa é bom. O que precisa ser melhorado são alguns
detalhes operacionais e parâmetros dos benefícios.
O Globo, Eliane Oliveira
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