Estudo analisa centenas de doenças infecciosas e descobre que quase 60% delas podem ser agravadas por secas, tempestades e ondas de calor. Cientistas identificaram mais de mil ligações entre mudança climática e surtos.
As mudanças climáticas
provocadas pelo homem favorecem claramente a propagação e o surto de doenças
infecciosas. É o que aponta um estudo da Universidade do Havaí publicado na
segunda-feira (08/08) na revista científica Nature Climate Change.
"Foi realmente
assustador ver que as emissões de gases de efeito estufa são uma ameaça muito
grande à saúde", afirma Camilo Mora, professor da Faculdade de Ciências
Sociais da Universidade do Havaí e principal autor do estudo.
Ao avaliar mais de 800
artigos científicos, os pesquisadores descobriram que 58% das doenças
infecciosas analisadas foram agravadas pelas mudanças climáticas. E uma conexão
pôde ser comprovada em mais de 3 mil casos individuais.
Segundo o estudo, das 375
doenças analisadas, 160 podem ser agravadas pelo calor, 121 pelas inundações,
71 pelas tempestades, 81 pela seca e 43 pelo aquecimento dos oceanos.
"Dadas as extensas e
generalizadas consequências da pandemia de covid-19, foi verdadeiramente
assustador descobrir a enorme vulnerabilidade sanitária resultante das emissões
de gases de efeito estufa", acrescenta Mora.
Secas, tempestades e ondas
de calor
As ligações entre mudanças
climáticas e doenças podem ser variadas: a escassez de água e alimentos causada
pelas secas pode, por exemplo, levar animais selvagens a se aproximarem de
áreas residenciais, aumentando o risco de indivíduos contraírem uma doença
transmitida por animais ou parasitas.
As secas também podem acabar
forçando pessoas a consumirem água contaminada, o que pode causar doenças como
diarreia ou cólera.
Por sua vez, tempestades,
chuvas fortes e inundações podem danificar estradas, linhas de energia e
sistemas de esgoto, além de interromper o fornecimento de água potável. Tais
eventos já levaram a surtos de hepatite A e E, rotavírus e febre tifoide.
Outro ponto é que o sistema
imunológico poderá estar enfraquecido, por exemplo, devido à desnutrição
causada pela seca ou por ondas de calor, deixando-o mais suscetível a doenças.
O estresse devido a outros extremos climáticos também pode enfraquecer o
sistema imunológico tanto de humanos quanto de animais.
Os pesquisadores
descobriram, por exemplo, que o calor e a falta de alimentos em morcegos levaram
ao aumento da disseminação de vírus e promoveram surtos do vírus Hendra – que
pode causar encefalite grave em humanos.
No total, os cientistas
identificaram mais de mil maneiras diferentes pelas quais as mudanças
climáticas poderiam promover surtos de doenças.
Mosquitos adaptados à Europa
Temperaturas mais altas
podem não apenas promover a propagação de patógenos e aumentar o risco de
infecção, mas também favorecer a disseminação de portadores, os chamados
vetores. Estes podem ser mosquitos ou carrapatos, por exemplo, que se
reproduzem facilmente em áreas mais quentes. Devido ao aumento das
temperaturas, eles agora podem viver em regiões onde antes não eram nativos.
O estudo encontrou mais de
cem doenças transmitidas por vetores que estão se intensificando com as
mudanças climáticas.
"Já observamos na
Alemanha e na Europa a influência dos eventos relacionados às mudanças
climáticas sobre os patógenos", afirma Renke Lühken, do Instituto Bernhard
Nocht de Medicina Tropical (BNITM), em Hamburgo, em entrevista à DW. O
virologista é especialista em doenças transmitidas por insetos e não esteve
envolvido no estudo.
De acordo com Lühken,
especialistas estão particularmente preocupados com a disseminação do
mosquito-tigre-asiático (Aedes albopictus). Atualmente, ele está se
estabelecendo em grande parte da Europa e "é particularmente responsável
por surtos do vírus chikungunya e da dengue na região do Mediterrâneo",
acrescenta o virologista.
"Ele é muito agressivo
e assertivo: é capaz de transmitir mais de 20 vírus diferentes em humanos e
deslocar espécies nativas de mosquitos. Ele também é muito adaptável na hora de
escolher locais de reprodução adequados", explica Artur Jöst, biólogo e
especialista em mosquitos no Instituto de Dipterologia, em Speyer, na Alemanha.
Abordagem agressiva é
necessária
O vírus zika e a dengue
causam febre alta, erupções cutâneas e fortes dores de cabeça, nos ossos e no
corpo. Em um estudo de 2020, pesquisadores da Universidade da Geórgia, nos
Estados Unidos, alertaram que, até 2050, mais de 1,3 bilhão de pessoas viverão
em áreas onde o zika pode se espalhar. Mais de 700 milhões viverão com
temperaturas que tornam a transmissão possível durante o ano inteiro.
"Isso é preocupante,
porque só existem vacinas aprovadas para alguns desses patógenos", diz
Lühken, do BNITM.
Vetores transmitem 17% de
todas as doenças infecciosas. Quase 700 milhões de pessoas contraem doenças
transmitidas por mosquitos todos os anos, e mais de 1 milhão morrem.
De acordo com os autores do
artigo na Nature Climate Change, é difícil ou mesmo impossível prevenir – ou se
adaptar – ao aumento da propagação de doenças devido às mudanças climáticas, já
que os patógenos e as vias de transmissão são numerosos.
Para os especialistas,
portanto, o que se faz necessário é uma "abordagem agressiva" a fim
de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
DW, Tim Schauenberg
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