Os danos do fechamento das escolas na pandemia seguem devastadores mesmo depois de um ano da retomada parcial das aulas presenciais. Estudantes das escolas estaduais de São Paulo, ao final de 2021, haviam aprendido menos da metade (45%) do que era esperado para os últimos dois anos caso as aulas não tivessem sido interrompidas, e 31% corriam alto risco de evasão escolar.
A conclusão é de uma pesquisa
feita pela Universidade de Zurique com base em dados fornecidos pela Secretaria
da Educação paulista.
O estudo englobou alunos
do ensino fundamental 2 (6º ao 9º ano) e do ensino médio, a partir dos boletins
escolares e de provas específicas de português e de matemática. O objetivo foi
mapear as consequências, em médio prazo, do fechamento escolar tanto para o
aprendizado quanto para o risco da evasão.
A pesquisa também analisou
se houve recuperação com a retomada presencial e em que dimensão ela se deu.
Dos resultados, o
"copo meio cheio" é que houve, sim, recuperação do aprendizado em
2021, diz Guilherme Lichand, professor da cátedra Unicef de economia do
desenvolvimento e bem-estar infantil da Universidade de Zurique, responsável
pelo estudo em coautoria com Carlos Alberto Doria.
Já o "copo meio
vazio" é que a recuperação se mostrou lenta: na média, foi de 24% dentre
os pesquisados, sendo aproximadamente de 28% para o fundamental 2 e de 21% para
o ensino médio.
"Muito se fala hoje
da 'geração perdida' da pandemia. Nossa intenção foi medir a dimensão das
perdas e da recuperação. A boa notícia é que houve um progresso desde a
retomada em 2021, e a má notícia é que essa evolução tem sido lenta", diz
Lichand, que é doutor em economia política e governo pela Universidade Harvard.
No final de 2021, com as
aulas presenciais retomadas parcialmente, as perdas acumuladas de aprendizado
somavam 55%, ante 72,5% de 2020, quando as escolas permaneceram fechadas
durante quase todo o ano. Isso significa, então, que em 2021 os alunos
aprenderam 45% do esperado para o período caso as aulas nunca tivessem sido
interrompidas, enquanto em 2020 haviam aprendido apenas 27,5%.
Os resultados de
matemática são ainda piores do que os de português. Ao final de 2021, as perdas
acumuladas nessa disciplina ainda eram de 67%, uma melhora mais discreta em
relação aos 81% acumulados no fim de 2020.
Em língua portuguesa, a
recuperação foi mais acentuada: as perdas estavam acumuladas em 35% no final de
2021, quase metade dos 67% do final de 2020. Para Lichand, uma hipótese para
isso é a de que em matemática pode ser mais difícil avançar quando há lacunas
de aprendizado do que no ensino da língua portuguesa. "Mas é preciso
lembrar que estamos falando do fundamental 2 e do ensino médio. Isso pode ser
diferente nos anos iniciais, quando o aluno está em processo de
alfabetização", pondera.
As perdas mensuradas pela
pesquisa não representam um retrocesso, mas a diferença entre o aprendizado
esperado para o período, em uma situação normal, e aquilo que de fato os
estudantes aprenderam.
Os dados consideram os
resultados de provas diagnósticas (que medem se a aprendizagem está ou não
avançando), aplicadas na rede paulista pelo Centro de Políticas Públicas e
Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Como essas
provas não são obrigatórias e foram feitas de forma online na pandemia, a
participação foi de pouco mais de 30% dos estudantes, presumidamente aqueles
mais participativos e de melhor desempenho --fora da pandemia, quando aplicadas
presencialmente, a participação era de 80%.
Segundo Lichand, houve a
utilização de técnicas estatísticas para que, ainda que pequena, essa amostra
fosse representativa de todos os estudantes da rede.
A rede paulista foi a
primeira a retomar as aulas presenciais no Brasil, embora tenha permanecido com
as escolas fechadas por quase todo o ano de 2020 e com revezamento de alunos
até novembro de 2021. As perdas acumuladas devem ser, portanto, ainda mais catastróficas
em regiões do país nas quais as escolas ficaram fechadas por mais tempo, em
alguns casos por quase dois anos.
Um dado da nova pesquisa
reforça o quanto as aulas presenciais fizeram diferença, mesmo quando retomadas
tardiamente. No final de 2020, alunos do ensino médio de municípios que
reabriram as escolas no último bimestre tiveram perda acumulada de 66%,
enquanto os de cidades em que o ensino permaneceu online sofreram estrago
maior: 72,5%.
A explosão da desigualdade
na educação também fica evidente na pesquisa da Universidade de Zurique. No
final de 2020, alunos de escolas de bairros mais pobres haviam perdido 89% do
aprendizado esperado, enquanto os de regiões com melhor renda, 67%. No fim de
2021, a perda acumulada dos mais pobres era de 69%, enquanto a dos de melhor
renda, de 44%.
Alunos brancos e amarelos
haviam perdido 66% da aprendizagem esperada no fim de 2020 --já os pretos,
pardos e indígenas, 79%. No fim de 2021, a perda acumulada de brancos e
amarelos era de 46%, enquanto a de pretos, pardos e indígenas, de 63%.
Evasão triplica
pós-pandemia O risco de evasão escolar, que explodiu em 2020 com o fechamento
das escolas, chegando a 35% dos alunos, caiu muito pouco em 2021, para 31%,
segundo a pesquisa. Em outras palavras, seguimos com cerca de um terço dos
estudantes com uma alta probabilidade de abandonar a escola. Antes da pandemia,
a evasão média era de cerca de 10%, "um número que passamos a considerar
normal, mas que já era absurdo", diz Lichand.
A análise da pesquisa
sobre o risco de evasão escolar é de extrema importância especialmente porque a
rematrícula da maior parte das redes públicas de ensino foi automática em 2021
e em 2022, o que significa que os dados do Censo Escolar não demonstram o
número de alunos que estão de fato frequentando as aulas.
Para determinar o risco de
evasão, os pesquisadores calcularam o número de alunos que estavam sem notas de
português e de matemática nos boletins. A fórmula considerou o histórico da
proporção entre estudantes com boletins sem notas nessas disciplinas e a evasão
de anos anteriores.
Esse estudo é o terceiro
de uma série conduzida pelos pesquisadores brasileiros na Universidade de
Zurique, com base em dados oficiais de São Paulo, e que se tornou referência na
análise das consequências do fechamento das escolas no Brasil. A primeira, de
2020, demonstrou que não houve aumento na contaminação por Covid-19 nos 131
municípios que optaram pela retomada das aulas presenciais entre outubro e
dezembro daquele ano. No segundo estudo, feito em 2021, foram mensuradas as
perdas de aprendizado, bem como o aumento do risco de evasão causados pelo
fechamento das escolas em 2020.
A pesquisa agora divulgada
considera os boletins de 656 mil alunos e as notas de provas de matemática e de
língua portuguesa de 366 mil estudantes, do fundamental 2 e do ensino médio,
amostras essas definidas, segundo Lichand, a partir de técnicas estatísticas
para que fossem representativas de toda a rede.
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