Língua indígena era a principal falada no Brasil até meados do século 18, quando foi proibida pela corte portuguesa. Mas era tarde: o tupi já nomeara grande parte da fauna, flora e cidades costeiras do país.
Os povos que habitavam o território brasileiro antes da chegada dos primeiros colonizadores portugueses falavam cerca de mil línguas, segundo registros da Faculdade de Filosofia; Letras e Ciências da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
Além da riqueza
linguística, a maioria deles, principalmente os que habitavam o litoral, onde
se formaram as primeiras cidades do país, falava uma língua comum, o tupi
antigo. Chamado de "língua brasílica" pelos portugueses, ele foi
utilizado no Brasil durante séculos, por jesuítas, colonizadores e até
bandeirantes.
Na verdade, os falantes do
tupi antigo, assim como os do guarani – vale ressaltar que tupi-guarani não é
uma língua, mas uma família de línguas indígenas –, iam muito além do Brasil e
se espalhavam por um vasto território da América do Sul, na época da chegada
dos europeus ao continente.
Dentro do Brasil, o tupi
antigo apresentava variações linguísticas ao longo da costa. Os potiguares do
Paraíba até os tamoios do Rio de Janeiro, por exemplo, pronunciavam inteiros os
verbos acabados em consoante, enquanto os tupis de São Vicente não pronunciavam
a última consoante. Mas eram variações próximas, que permitiram aos
colonizadores identificarem uma unidade entre os povos.
Segundo o professor da
FFLCH-USP Eduardo Navarro, atualmente um dos principais estudiosos da matéria,
o tupi é considerado o idioma indígena clássico do Brasil, uma vez que
"foi a única língua indígena, das centenas que foram faladas no país, que
se fez representar significativamente no léxico da língua portuguesa".
Por isso, até hoje é
possível encontrar milhares de palavras do tupi no dia a dia dos brasileiros,
que vão desde nomes de alimentos (como abacaxi, mandioca, açaí, paçoca,
pipoca), animais (capivara, tatu, arara, jacaré-açu, jabuti, perereca), cidades
e estados (Pará, Paraná, Manaus, Sergipe, Maceió), rios (Xingu, Xapuri,
Ipiranga), vegetação em geral (cipó, capim, jacarandá, samambaia) e até nomes
próprios (Iracema, Iara, Araci, Jacira, Maiara).
O tupi antigo está
presente até mesmo nos primórdios da literatura nacional, tendo, inclusive,
duas gramáticas publicadas: uma em 1595, Arte de gramática da língua mais usada
na costa do Brasil, de autoria do padre José de Anchieta, e outra de 1621,
organizada pelo também jesuíta Luís Figueira.
Bandeirantes
e cidades
Quem roda pelo Sudeste e
Centro-Oeste brasileiros percebe a quantidade de cidades com nomes indígenas.
Exemplos não faltam: Araçatuba, Bertioga, Itanhaém, Paraguaçu, Cuiabá, Niterói,
Curitiba, Peruíbe, Pindamonhangaba, Taubaté, Ubatuba, Uberaba, Piracicaba,
Piratininga, entre outras.
Isso porque outro
personagem do período colonial que se valeu da língua tupi para se aproximar
dos indígenas foram os bandeirantes, que indicavam com os nomes tupis as
localidades por onde passavam.
"Noutra faceta, o
tupi também serviu aos bandeirantes para melhor entenderem-se com os índios,
que levavam escravizados para o desbravamento dos sertões, e por onde passavam
as entradas e bandeiras, os portugueses iam denominando esses lugares com
toponímias indígenas”, diz trecho de artigo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro Os tupinismos na formação do léxico português do Brasil, publicado em
2008 na Revista Philologus.
"Chorar
as pitangas"
Diversas expressões
utilizadas até hoje vieram da fusão do português dos colonizadores com o tupi
antigo dos indígenas. Por serem resultado desse casamento linguístico e
cultural, elas são chamadas de brasileirismos, ou "tupinismos” para alguns
autores, expressões que existem apenas no português falado no Brasil.
Um dos exemplos mais
conhecidos de brasileirismos é a expressão "chorar as pitangas”.
Segundo artigo da
linguista Nancy Arakaki, a origem da expressão formada no Brasil pode ser
bíblica, vindo, provavelmente, de trecho do Evangelho de Lucas em que o
sofrimento de Jesus é retratado pelo "seu suor”, suor esse que "era
como gotas de sangue que caíam no chão”. Mas não somente, uma vez que a
expressão "lágrimas de sangue” já existia em Portugal.
O fato é que, segundo a
linguista, os indígenas podem ter absorvido o significado da expressão,
"lastimar-se", mas segundo os seus próprios códigos culturais: o
sangue deu lugar à pitanga, fruta que ressalta a forma de uma lágrima e a cor
do sangue.
"É interessante
destacar que a expressão 'chorar pitangas' nos remete à ideia de eufemismo em
relação a 'chorar lágrimas de sangue' porque lhe é atribuído um valor menor,
menos doloroso que é o ato de lastimar-se, lamentar. Essa foi a imagem captada
pelos índios num tempo de trocas culturais e vivências ora turbulentas, ora
pacíficas e harmoniosas", escreveu Arakaki em Memória cultural e
linguística do Brasil Colônia em ‘chorar as pitangas'.
brasileirismos
usados até hoje são "ficar com nhenhenhém", "estar jururu",
"ficar de tocaia", "parecer pamonha", "estar na
pindaíba", "ir para a cucuia", além de outros.
Língua
proibida
Segundo registros da
biblioteca Brasiliana da USP, a língua brasílica, ou tupi antigo, foi usada por
todos, brasileiros e estrangeiros, até meados do século 18.
Em 1758, porém, Marquês de
Pombal, o primeiro-ministro de Portugal, publicou um decreto tornando o
português o idioma oficial do Brasil, a "língua do rei", ao mesmo
tempo em que proibiu o uso do tupi antigo e demais línguas faladas na colônia
na época, como as africanas.
Já era tarde, contudo: o
tupi já havia se ramificado pelos costumes e cultura do país.
Laís
Modelli, DW
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