quinta-feira, 9 de março de 2023

Entrevista - Todd Cort: A era do valor do capital humano



Os CEOs devem buscar novas métricas para avaliar a relação das pessoas com a sustentabilidade

Uma antiga entrevista que vale a pena reler...  

Qualquer CEO diria de modo confortável: “As pessoas são o recurso mais importante da minha organização”. Quantos deles, porém, estimulam a criação de métricas para mensurar se possuem as melhores pessoas para a estratégia de longo prazo de seu negócio? Quantos veem valor no capital humano fora dos limites de suas empresas? São essas indagações que Todd Cort, professor de sustentabilidade da Yale School of Management, levanta para defender que há uma distância enorme a ser percorrida no mundo das novas métricas e indicadores ESG. Há muita intuição e grandes incertezas a respeito de quais dados e cenários importam para mostrar que uma organização gera valor à sociedade e aos investidores. “Agora, a necessidade dos executivos é pegar o que eles sabem intuitivamente e entender melhor como medir isso em sua estratégia de negócios”, diz Cort ao Valor.


Há 15 anos ele se dedica a entender como organizações podem criar métricas comparáveis para enfrentar os desafios globais de sustentabilidade. Como codiretor do Center for Business and Environment at Yale (CBEY) e da iniciativa de finanças sustentáveis da instituição, também coordena pesquisas para entender como as pessoas, dentro da cultura da empresa, tomam decisões sobre os aspectos ambientais e sociais. Cort defende que é hora de parar de pensar a gestão de pessoas como “recursos humanos”. “Se estamos nos concentrando em tomar as pessoas mais eficazes no que fazem e no que podem fazer, isso é aumentar o capital, mesmo que seja mais difícil avaliar se estou obtendo mais valor delas como recurso. £ uma mudança fundamental na forma como pensamos os funcionários da empresa.”


Com a pandemia, os investidores colocaram a sustentabilidade no topo da agenda? Não, não diria no topo. Muitas empresas já estavam incorporando no pré-pandemia riscos relacionados às mudanças climáticas. Pensavam em como tornar seus negócios mais resilientes. Mas até então poucas se interessavam em olhar para riscos ligados à gestão do capital humano. Aí, de repente, viram sua força de trabalho operar remotamente, além do risco à saúde das pessoas. Ficou claro: se o capital humano pôde evapora r tão rapidamente, o que isso significa na forma como lidamos com mudanças climáticas ou biodiversidade, por exemplo? Talvez estejam à beira de evaporar como valor para empresa e de risco associado. Então, o que acelerou: um entendimento melhor da exposição em relação a outros capitais, como o natural e o humano.


Como deve ser a estratégia de gestão de talento? Com uma mudança na forma comovemos as pessoas e do valor que elas agregam às empresas. Olhar essa gestão só como “recursos humanos” significa que as pessoas em nossa empresa são um recurso que utilizamos para gerar lucro como empresa. Mas olhar como “capital humano” implica que as pessoas criam valor como resultado de serem humanas. E eles têm um capital, assim como um capital que fica no banco ou como os bens de capital são um ativo.


O que muda na prática? Tradicionalmente, o RH esteve sempre focado em processos de contratação, às vezes processos de diversidade, treinamento e talvez desenvolvimento profissional. O capital humano olha muito mais para as habilidades e os processos que as pessoas trazem e criam valor para a empresa. A gestão de capital humano também se apoia na ideia de que as pessoas de fora da organização têm um capital da qual ela depende. Seja nas comunidades onde operam ou no nível de educação da comunidade em que seus funcionários estão inseridos, a presença de salários dignos e a capacidade de uma comunidade de criar empreendedores, criar bem-estar econômico, criar bem-estar econômico e inovar importa. Tudo isso está acontecendo fora da empresa, mas contamos com isso como capital para nossa empresa. Se estamos nos concentrando em tornaras pessoas mais eficazes no que fazem e no que podem fazer, isso é aumentar o capital, mesmo que seja mais difícil avaliar se estou obtendo mais valor deles como recurso. Portanto, é uma mudança fundamental na forma como pensamos os funcionários da empresa.


Com relação aos riscos ambientais, quais os desafios? Se olho para o equity de uma empresa em que penso investir, posso observar o risco de mudança climática sob várias lentes. É bastante fácil para um investidor dizer tudo bem, entendo quanto você emite de carbono e entendo o cálculo de custo para mitigação dessas emissões. À medida que entro em outras questões, os dados ficam muito pobres e difíceis de interpretar: entender como uma área de operação é afetada por estresse hídrico, quanto é afetado por eventos climáticos severos, quanto disso tem que ser protegido por paredões devido á subida do mar? Em Yale, estamos usando grandes conjuntos de dados para entender melhor o que ainda é um pouco de pseudociência. Portanto, o primeiro desafio para um investidor é: em qual conjunto de dados devo prestar atenção para orientar minhas decisões de investimento em relação às mudanças climáticas? O segundo desafio é o cenário geral que vou selecionar. Se sou um investidor que acredita que, em 20 anos, a energia renovável compreenderá 40% de toda a produção de eletricidade, eu invisto agora pensando no longuíssimo prazo? Ou vou ganhar meu dinheiro com petróleo no curto prazo antes de começara transferi-lo para outros ativos?


Qual estágio das empresas em reportar, incluindo métricas e riscos socioambientais? Em linhas gerais, temos um relatório de sustentabilidade que abrange muitas métricas ambientais, sociais, de direitos humanos, gestão de resíduos e mudanças climáticas. E temos o relatório financeiro do balanço, que separa uma área para riscos financeiramente materiais. Os investidores querem um relatório integrado e querem que o auditor diga que as informações estejam corretas quando entrarem no relatório financeiro. Existem muitas maneiras diferentes de fazer isso. A mais fácil, mas não correta, é auditar o relatório de sustentabilidade e verificar se as informações estão corretas. Isso é geralmente chamado de “assurance”. Esse relatório foi elaborado para ser dirigido a todas as partes interessadas: investidores, reguladores, comunidades, funcionários, fornecedores. Mas nem toda questão é relevante para o investidor.


Como lidar com essa questão? O primeiro passo é pegar as questões desse relatório de sustentabilidade e descobrir quais são financeiramente materiais e movê-las para o relatório financeiro. A maioria das grandes empresas terá um sistema de gerenciamento de risco corporativo que usará para avaliar quais são os grandes riscos e oportunidades que o negócio enfrenta. A segunda solução é a empresa integrar ou avaliar todas as questões de sustentabilidade usando a abordagem de gerenciamento de risco corporativo. Um dos maiores padrões lá fora, chamado COSO, publicou orientação sobre como integrar as informações ESG. Mas há outras questões. O auditor vem e comenta: você me disse que a mudança climática é um fator material para sua empresa e colocou isso em seu relatório financeiro. Agora, tenho que usar um padrão contábil para determinar se sua avaliação da materialidade é precisa. E os padrões contábeis estão apenas começando a se atualizar. No fim, as empresas chamam de relatório integrado um relatório apenas maior, que possui algumas informações ESG.


Quão técnicos em ESG os CEOs precisam ser? Não acho que devam ser tão técnicos. Mas é preciso que tenham expandido as tradicionais métricas de risco e oportunidade usadas no passado. A necessidade dos executivos é pegar o que eles sabem intuitivamente e começar a entender melhor como medir isso em sua estratégia de negócios. Por exemplo: qualquer CEO irá te dizer que as pessoas são o recurso mais importante de sua organização. Mas como eles fazem a medição e a mensuração para saber se contam com as melhores pessoas que poderiam ter? Estamos melhorando a mensuração em vários aspectos. Estamos ficando mais inteligentes sobre qual é o dever fiduciário do conselho de administração ou sobre como essas informações precisam ser avaliadas e divulgadas para atender às expectativas dos investidores. E um entendimento melhor para saber onde os reguladores estão indo. Mas precisamos nos manter atualizados com a medição e como ela está impactando nossos negócios. Esse é o tipo de tarefa número um.


Quais são as outras? A tarefa número dois é a expansão do que percebemos ser um risco externo versus o que é um risco internalizado, lemos uma empresa nos Estados Unidos chamada Pacific Gas and Electric (PG&E). Eles são muito famosos por uma série de razões. Mas, recentemente, ocorreram muitos incêndios florestais na Califórnia e alguns deles foram provocados por faíscas de linhas de transmissão que pertenciam a PG&E. Eles passaram por muitos litígios e acabaram declarando falência. Mas não foi a mudança climática que os obrigou a pedir concordata. A mudança climática exacerbou uma condição, uma condição de seca na Califórnia, que ajudou a geraras faíscas e que iniciou o fogo. Se estivessem operando em um clima mais úmido, se não fosse uma seca de cinco anos, essas linhas de transmissão não teriam ajudado a iniciar os incêndios florestais. O que era um risco externo tornou-se um impacto financeiro internalizado. Precisamos melhorar o entendimento sobre eles, porque cada vez mais estamos vendo esses riscos externos: mudanças climáticas, direitos humanos, derramamentos de óleo, clima severo etc. lemos que pagar por eles de uma forma ou de outra, seja um obstáculo crônico à nossa produtividade, seja um problema agudo, como o rompimento de uma barragem. Portanto, os executivos precisam expandira compreensão sobre essas pressões externas.


Os CEOs estão realmente dispostos a considerar mais riscos externos e mais amplos que a bolha de seus negócios? É preciso ser um CEO ativista? Para mim, há três tipos de CEOs. O tipo A é aquele que diz: esses riscos são externos a mim, vou ignorá-los. O desmaia mento não é problema meu. Os direitos humanos não são problema meu. O tipo Ceo que eu definiria de ativista. Esse é o CEO que se preocupa com o inundo. Quer fazer o bem, luta por uma sociedade melhor. Mas há um perfil intermediário, que olha para os fatores externos e diz como irão impactar seus negócios a menos que seja capaz de controlá-los antes. Talvez a minha empresa não tenha que resolver o desmatamento, mas vou me certificar de que não estou exposto a riscos como resultado do desmatamento. É o CEO pragmático. A maioria dos CEOs, quando sai do perfil 1 para o 2, começa a pensar: ok, eu não vou resolver a mudança climática, mas vou garantir que minhas mudanças de negócios sejam resilientes ao clima. Ok, se houver emissões a mais, vou pagar por isso e vou prever esse custo. Não vou resolver o desmatamento, mas vou garantir que estou comprando commodities de uma área onde o desmatamento não está ocorrendo, porque sei que tenho uma reputação e uma marca a zelar. Resumindo: eu não acho que todo CEO tem que ser ativista necessariamente, mas acho que todos, sem exceção, precisam passar pelo menos do A para o B. 

Por Barbara Bigarelli, Revista Valor Setorial     


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