sexta-feira, 24 de março de 2023

Nueva Germania: A tentativa fracassada da irmã de Nietzsche de criar 'utopia racista' no Paraguai

Adolf Hitler no funeral de Elisabeth Nietzsche

Em uma cidade no Paraguai existem nomes de ruas relacionados a personagens alemãs, uma igreja luterana, um museu com a história do lugar e você pode ver crianças loiras de olhos azuis falando alemão.

Nada extraordinário. Embora, talvez, se eu disser que essas crianças também falam espanhol e guarani, e vivem em um clima tropical em uma área conhecida como berço da erva-mate, isso chamará sua atenção.

Bem-vindos a Nueva Germania, uma colônia alemã localizada em uma selva do Paraguai. Nela vivem mais de 6 mil pessoas e a principal atividade é a agricultura.

Alguns de seus habitantes são descendentes dos primeiros alemães que chegaram no final do século 19 para fundar a colônia. Hoje a comunidade Nueva Germania sobrevive, embora o conceito que inspirou sua criação tenha falhado.

Uma utopia ariana

Para compreender as origens de Nueva Germania, temos de relembrar o crescente clima anti-semita que varreu a Europa na década de 1870.

Em alguns círculos, ideias de pureza racial e a criação de assentamentos fora da influência judaica estavam florescendo.

O compositor alemão Richard Wagner, conhecido anti-semita, fez parte desse ambiente, assim como o professor Bernhard Förster e sua esposa Elisabeth Nietzsche, irmã do filósofo Friedrich Nietzsche — mas o próprio Nietzsche era contrário à ideologia de sua irmã.

"A ideia começou com Richard Wagner", diz o antropólogo polonês-alemão Jonatan Kurzwelly, que escreveu uma tese sobre identidade em Nueva Germania, à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanho da BBC).

"É preciso entender um pouco do contexto histórico europeu. Eram tempos de aumento do anti-semitismo, principalmente na Alemanha, em conjunto com dois eventos: a quebra da bolsa de Viena, que causou uma crise econômica, e os pogroms no Império Russo, os ataques aos judeus que causaram uma grande onda de imigração."

"Naquela época, na casa de Richard Wagner, Elizabeth Nietzsche conheceu seu futuro marido, Bernhard Förster", conta Kurzwelly.

"E aí Wagner supostamente apresentou a ideia de que uma Nova Germânia deveria ser construída fora da Europa, porque a Europa já estava sob controle judaico demais."

O casamento de Förster e Nietzsche ajudou a dar forma a essa ideia. E essa utopia racista de criar uma comunidade ariana fora da Alemanha se materializou — brevemente — a dezenas de milhares de quilômetros de distância da Alemanha.

Da Alemanha ao Paraguai

Förster viajou sozinho pelo Paraguai entre 1883 e 1885. Mas por que aquele país?

Pouco mais de uma década se passou desde o fim da Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870).

"O Paraguai era um país totalmente destruído, sem recursos econômicos e com uma dívida de guerra gigantesca", diz à BBC News Mundo o historiador e gestor cultural paraguaio Fabián Chamorro.

Por conta disso, havia uma política de trazer imigrantes. Além disso, no Paraguai já havia uma colônia alemã, a de San Bernardino (embora não tivesse nada a ver com a utopia ariana de Förster).

Viajando pelo país, Förster escolheu o local onde queria instalar sua colônia: uma área remota e de difícil acesso — no que hoje é o departamento de San Pedro — às margens do rio Aguaray, a cerca de 300 km da capital, Assunção.

"O que não sabemos é por que ele escolheu um lugar tão hostil. Há somente dez anos ainda era difícil chegar lá", diz Chamorro.

Ele negociou com o governo paraguaio e eles chegaram a um acordo no qual o Estado cedeu o terreno a Föster. Este se comprometeu em trazer 140 famílias europeias em dois anos. Se ele conseguisse imigrar essa quantidade de famílias, a terra se tornaria propriedade dos colonos.

De volta à Alemanha, Förster se casou com Elisabeth.

Em 1887, os dois viajaram para o Paraguai, junto com várias outras famílias alemãs, e fundaram Nueva Germania.

Seu sonho era claro: criar um espaço onde pudesse colocar em prática suas ideias utópicas racistas sobre a superioridade da raça ariana, longe da influência dos judeus, a quem desprezava.

Em alguns relatos, consta que chegaram 14 famílias, embora os dados não sejam fáceis de se verificar, diz Kurzwelly, citando a tese de doutorado de Daniela Kraus.

"É preciso distinguir entre o número de famílias que embarcaram em Hamburgo, o número de famílias que chegaram ao Paraguai e as que se mudaram para Nueva Germania", diz a antropóloga.

Os problemas

Porém, a vida na colônia e a adaptação ao local não foram fáceis, e logo os problemas começaram em Nueva Germania.

"Essa área tem um clima tropical e é terrivelmente quente", diz Chamorro.

Retratos de Elisabeth Nietzsche e Bernhard Förster no museu dedicado à história da Nova Germânia

Retratos de Elisabeth Nietzsche e Bernhard Förster no museu dedicado à história da Nova Germânia

"Eles encontraram uma terra hostil, e não se podia cultivar simplesmente qualquer tipo de alimento."

Além disso, acrescenta o perito paraguaio, eles não eram agricultores. Não tinham experiência de trabalho no campo, mas eram pessoas que também fugiam pela difícil situação em que viviam na Alemanha.

Além disso, Förster fundou a colônia longe da capital, embora "Elizabeth quisesse que ela ficasse mais perto de Assunção e San Bernardino", diz Kurzwelly.

E acima de tudo, o projeto tinha muitos problemas financeiros.

O casal era quem administrava tudo, inclusive os preços dos produtos que depois eram vendidos na capital, explica a antropóloga. "Foi realmente uma empreitada privada do casal."

Além disso, Förster vendia terras que ainda não lhe pertenciam conforme acordado com o governo paraguaio. Mas mesmo que a terra não lhe pertencesse legalmente, pelos termos do acordo ele tinha direito de uso dela para poder formar uma colônia.

"Ele esperava que a terra viesse a ser sua", diz Kurzwelly. "Eu realmente acho que eles estavam animados com o sonho de que milhares e milhares de famílias iriam segui-los."

E a relação dos colonos com o casal se deteriorou.

"Förster passava cada vez menos tempo na colônia e Elisabeth cada vez mais cuidava do gerenciamento da colônia."

O fim do sonho Förster-Nietzsche

A notícia do que estava acontecendo na colônia acabou chegando à Alemanha, por meio de cartas ou colonos que voltaram ao país. Em algumas cartas, Förster foi acusado de ser um fraudador.

"Há algumas cartas que dizem, por exemplo, que foi um erro ir para Nueva Germania", diz Kurzwelly.

Por conta disso, outros alemães não quiserem se mudar para o Paraguai, e Förster nunca foi capaz de cumprir o compromisso de trazer 140 famílias.

No final, ele acabou se mudando para San Bernardino, onde morreu em 1889.

"Existem duas teorias, a maioria das pessoas diz que ele cometeu suicídio, mas não se sabe ao certo. O laudo médico dizia que ele sofreu um infarto. Diz-se que o laudo médico foi falsificado por Elisabeth, mas isso não pode ser verificado."

Elisabeth viajou para a Alemanha e, embora tenha retornado à Nueva Germania, os colonos não a aceitaram mais e ela se estabeleceu definitivamente em seu país em 1893 para cuidar de seu irmão doente.

Após a morte do filósofo em 1900, ela obteve os direitos sobre seus manuscritos e, rejeitando o acesso público às obras, editou e distorceu-as.

Ela virou defensora do nacional-socialismo (nazismo). Adolf Hitler e outras autoridades nazistas compareceram ao seu funeral em 1935.

Após sua morte, os especialistas reeditaram os escritos de Nietzsche e encontraram as versões distorcidas de Elisabeth: ela forjou quase 30 cartas e reescreveu várias passagens.

E foi assim que essa utopia ariana racista fracassou.

"Nueva Germania não fracassou como colônia, pois continua existindo até hoje. O que fracassou foi o sonho racista de Förster", observa Kurzwelly.

"O que devemos ter em mente é que o sonho racista era dele, de Elisabeth e talvez de uma ou duas outras famílias."

"Outros, naquela época em que havia ondas gigantescas de imigração para as Américas, só queriam partir e construir uma nova vida, e a ideia do organizador dessa imigração talvez tenha tido menos importância para eles."

Nueva Germania hoje

A origem alemã desta localidade ainda é visível, graças "às quatro ou cinco famílias originais alemãs que ficaram e tiveram filhos", diz Chamorro.

"Hoje você pode ver meninos loiros falando guarani."

Três línguas são faladas em Nueva Germania. Guarani e espanhol, que são as línguas oficiais do Paraguai, e alemão, usado por famílias de descendência alemã.

"O alemão que se fala muitas vezes se mistura com o espanhol", diz Jonatan Kurzwelly, que morou algum tempo em Nueva Germania para fazer sua tese.

O antropólogo explica que hoje existem conexões com a Alemanha. "Algumas pessoas passaram algum tempo viajando ou morando na Alemanha."

"Há um acordo com uma comunidade evangélica na Alemanha, que organizou alguns intercâmbios entre seus membros."

Há duas igrejas fortes na região: a Igreja Evangélica Luterana (que possui relação com a Igreja Luterana Alemã) e a Católica.

"Tradicionalmente, essa também era a divisão entre alemães e paraguaios", diz a antropóloga.

Quanto à identidade, ele diz que "uns se definem como alemães, outros se definem como alemães e paraguaios e às vezes têm essa contradição interna."

O que não existe mais em Nueva Germania — que morreu junto com Bernhard Förster e sua esposa Elisabeth Nietzsche — é a ideia racista com que o casal concebeu a colônia, explica Kurzwelly.

"Famílias alemãs moram com paraguaios, às vezes se casam, se misturam".

"Nueva Germania não deve ser explicada como um sonho racista. Ela foi um sonho privado de duas pessoas com ideias muito racistas que enfrentaram a dura realidade de trabalhar no campo, administrar a colônia e a insatisfação do povo da colônia."

"Um amigo meu disse que gostaria que Nueva Germania não fosse lembrada como a primeira tentativa protonazista, mas como a primeira tentativa protonazista fracassada."

Mar Pichel, BBC News Mundo


Para saber mais sobre o livro, clique aqui


Para saber mais sobre o livro, clique aqui.



Para saber mais, clique aqui.


No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui

O autor:

No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui


Clique aqui para acessar os livros em inglês



- - - -




No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui

O autor:

No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui


Clique aqui para acessar os livros em inglês