Um novo relatório aponta que uma rede de mais de 350 perfis falsos nas redes sociais está promovendo narrativas a favor do governo da China. Por outro lado, o sistema tenta desacreditar pessoas vistas como opositores de Pequim.
O objetivo seria deslegitimar o Ocidente e aumentar a influência e a imagem da China no exterior, sugere o relatório do Center for Information Resilience (CIR), um grupo sem fins lucrativos que trabalha para combater a desinformação.
O estudo, ao qual a BBC News teve acesso, descobriu
que a rede de perfis falsos compartilhou desenhos animados satíricos
retratando, entre outros, o magnata chinês exilado Guo Wengui, um crítico
ferrenho do governo chinês.
Outras figuras polêmicas apresentadas nos desenhos
animados incluem a cientista Li-Meng Yan e Steve Bannon, ex-estrategista
político de Donald Trump.
Cada um desses indivíduos foi acusado por Pequim de
espalhar desinformação, incluindo informações falsas sobre a covid-19.
Algumas das contas — espalhadas por Twitter, Facebook,
Instagram e YouTube — usam como foto principal imagens falsas geradas por
inteligência artificial, enquanto outras parecem pertencer a pessoas reais.
Não há evidências concretas de que a rede esteja
ligada ao governo chinês, mas, de acordo com o CIR, ela se assemelha a redes
pró-China anteriormente derrubadas pelo Twitter e Facebook.
Essas redes ampliaram narrativas favoráveis ao governo
comunista semelhantes às promovidas por representantes do Estado chinês e pela
mídia estatal.
Muito do conteúdo compartilhado pela rede se concentra
em ataques aos Estados Unidos e, em particular, em questões polêmicas, como
leis sobre armas e política racial.
Uma das narrativas promovidas pela rede retrata os EUA
como tendo um histórico ruim na defesa dos direitos humanos. Postagens de
contas falsas citam o assassinato de George Floyd entre os exemplos, bem como a
discriminação contra asiáticos.
Alguns relatos negam repetidamente os abusos de
direitos humanos na região de Xinjiang, onde especialistas dizem que a China
deteve à força pelo menos 1 milhão de muçulmanos. As publicações chamam as
acusações de "mentiras fabricadas pelos Estados Unidos e pelo
Ocidente".
"O objetivo da rede parece ser tentar
deslegitimar o Ocidente, ampliando as narrativas pró-China", disse
Benjamin Strick, autor do relatório do CIR.
Existem fortes semelhanças entre esta rede e a chamada
rede de propaganda "Spamouflage Dragon", identificada pela empresa de
análise social Graphika.
"O relatório mostra que nas plataformas dos EUA
não houve 'lua de mel' com a China nos primeiros meses do governo Biden",
diz Ira Hubert, analista investigativo do Graphika.
"A rede divulgou uma mistura constante de
conteúdo anti-EUA, por exemplo, aplaudindo a 'derrota' dos EUA antes de sua
retirada do Afeganistão e pintando o país como um aliado pobre cuja ajuda à
Índia foi inadequada durante alguns de seus piores meses na batalha contra
covid-19", diz Hubert.
Como a rede foi
descoberta?
O CIR mapeou hashtags promovidas por redes previamente
identificadas, apontando contas que apresentavam indícios de fazer parte de uma
operação de geração de influência.
Os indicadores incluíam altos níveis de atividade
promovendo narrativas de propaganda e o uso repetido das mesmas hashtags.
Contas recém-criadas, com nomes de usuário que pareciam ter sido gerados
aleatoriamente e com muito poucos seguidores também apontam para perfis criados
de maneira artificial.
Alguns perfis foram criados para postar conteúdo
original, enquanto outros apenas compartilharam, curtiram e comentaram sobre
essas postagens originais, para ajudá-las a atingir um público mais amplo.
Este tipo de atividade é frequentemente chamado de
"astroturfing", porque é projetado para criar a aparência de uma
campanha popular, surgida espontaneamente.
Perfis falsos
Muitos dos perfis falsos usavam fotos geradas por
inteligência artificial - um fenômeno relativamente novo que permite a criação
de imagens realistas de pessoas que não existem.
Ao contrário das fotos de perfil roubadas de pessoas
reais, essas imagens são criadas por uma estrutura de aprendizado digital
chamada StyleGAN: as fotos não podem ser rastreadas usando uma pesquisa reversa
de imagens no Google, por exemplo.
O uso de fotos de perfil falsas em campanhas de
desinformação está se tornando mais comum à medida que os usuários e
plataformas se tornam mais cautelosos com contas suspeitas.
O CIR usou várias técnicas para identificar fotos de
perfil falsas na rede. As imagens sintéticas sempre direcionam os olhos do
personagem para o mesmo local, portanto, o alinhamento de várias delas pode
ajudar a identificar uma coleção de fotos falsas.
Normalmente, uma coleção aleatória de fotos de perfil
exibiria muito mais variedade no corte e no alinhamento dos olhos.
Outros sinais incluem bordas borradas ao redor do
cabelo, dentes em ângulos estranhos e objetos borrados ao redor do rosto.
Muitas das contas do Facebook que fazem parte da rede
pareciam ter nomes turcos. Essas contas parecem pertencer a pessoas reais, mas
podem ter sido hackeadas ou vendidas, além de receberem novas fotos de perfil.
Contas sequestradas também espalham as narrativas
pró-China no YouTube.
Segundo o relatório, perfis que antes postavam em
inglês ou alemão passaram anos inativos até que, repentinamente, começaram a
postar conteúdo de emissoras oficiais do estado chinês.
O CIR compartilhou sua pesquisa com as plataformas de
mídia social envolvidas.
O Facebook removeu as contas de sua plataforma
destacadas no estudo.
"Em setembro de 2019, removemos uma rede de
atividade de spam que postava conteúdo político sensacionalista e falso. Essa
rede quase não tinha envolvimento em nossa plataforma e continuamos a trabalhar
com pesquisadores e colegas do setor para detectar e bloquear suas tentativas
de voltar à rede, como as contas mencionadas neste relatório", afirmou um
porta-voz do Facebook.
O YouTube também encerrou contas na rede por violar as
diretrizes da comunidade da plataforma.
O Twitter disse que também removeu quase todas as
contas identificadas pelo CIR, bem como várias outras que adotaram
comportamento semelhante. A plataforma disse que ainda investiga o caso.
Análise - Kerry Allen, analista de mídia da BBC
Monitoring China
Na última década, bilhões de dólares foram gastos para
financiar o crescimento da presença da China em plataformas internacionais de
rede social.
Mas com Facebook, Twitter e YouTube bloqueados no
país, e acessíveis apenas por VPN, a China tem lutado para que essas
plataformas sejam reconhecidas como concorrentes viáveis dos gigantes ocidentais. Elas precisaram não apenas de vozes chinesas, mas de vozes estrangeiras, para mostrar que o
país "chegou".
A "diplomacia do guerreiro lobo" surgiu com
funcionários usando contas do Twitter para hastear a bandeira da retórica do
Partido Comunista. A China quer se apresentar como um amigo para o mundo - e
não um estado repressivo e autoritário, como ela acredita que as nações
ocidentais enxergam o país.
Com mais de um bilhão de usuários da Internet, a China
certamente tem a capacidade de orquestrar campanhas de mídia social em grande
escala e direcionar o que considera vozes anti-China com uma riqueza de
opiniões opostas.
Mas com o domínio da língua inglesa limitado na China,
muitas vezes há indícios de que algum troll chinês está por trás de relatos
falsos. Muitos contam com software de tradução automática para transformar
mensagens chinesas em inglês, o que significa que essas mensagens estão
repletas de erros de digitação ou contêm estruturas gramaticais desajeitadas.
E com muitas plataformas ocidentais inacessíveis na
China, os usuários geralmente têm muito pouco conhecimento de quem são os
alvos, então eles simplesmente pegam carona nas respostas de outros dentro da
mesma rede.
Flora Carmichael - BBC
News
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