A cidade de Alexandria, nos Estados Unidos, tem um sistema de ônibus quase que dos sonhos: os coletivos passam em intervalos curtos, geralmente chegam com assentos vagos, mantêm o ar-condicionado em temperatura agradável e são grátis.
O município de 154 mil
habitantes, a 10 km de Washington, recebeu verba do governo da Virgínia para
testar, por três anos, o modelo de tarifa zero. A iniciativa começou em
setembro de 2021 e tem colhido bons resultados: o sistema recuperou 95% do
volume de passageiros que tinha antes da pandemia.
Nos EUA, mesmo com a
reabertura das atividades, o transporte público continua com procura menor. Em
todo o país, trens e ônibus receberam, em média, 17,2 milhões de usuários por
dia no segundo trimestre de 2022. O número é 60% do registrado antes do início
da crise sanitária; no mesmo período de 2019, a média era de 27,7 milhões por
dia, segundo a APTA (Associação Americana do Transporte Público). O fenômeno é
visto também no Brasil.
Assim, várias cidades
americanas estão fazendo experimentos com a tarifa para tentar atrair o público
de volta. Em Boston, três linhas de ônibus têm tarifa zero desde março e
ficarão assim ao menos até 2024. Em Washington, há tarifa mais barata aos fins
de semana. Em Nova York, se um usuário fizer 12 viagens em sete dias ou gastar
mais de US$ 33 (R$ 171) em tarifas, os demais deslocamentos na semana serão
grátis, não é preciso fazer cadastro, basta usar a
mesma forma de pagamento todas as vezes, seja cartão de transporte, bancário ou o celular.
Em Alexandria, porém, o
governo percebeu que só a tarifa grátis não seria suficiente para atrair
passageiros e fez mudanças nas rotas e na quantidade de veículos. Funcionou.
Quando a reportagem esteve na cidade, era raro ver pessoas por mais de cinco
minutos no ponto.
"Se uma pessoa sai de
casa e sabe que pegará o ônibus em 10 ou 15 minutos, está disposta a esperar.
Se for demorar 20 ou 30 minutos, não. A frequência dos ônibus é ponto muito
importante para o sucesso", explica Canek Aguirre, conselheiro da cidade
(cargo equivalente ao de vereador) e um dos idealizadores da iniciativa.
A mudança nas rotas também
buscou priorizar o atendimento a idosos, minorias (como imigrantes) e pessoas
de baixa renda. A prefeitura também quer que os ônibus ajudem as pessoas a
realizar outras tarefas ao longo do dia. "Estamos tentando mudar a
mentalidade de levar as pessoas de casa para o trabalho e vice-versa. Elas têm
outras coisas a fazer: ir ao médico, ao mercado, buscar as crianças."
Filho de imigrantes
mexicanos, Aguirre usou muito transporte público na infância, em Los Angeles,
pagando na época US$ 0,25 (R$ 1,29 na cotação atual) por viagem, e sentiu a
diferença quando pôde usar ônibus gratuitos nos tempos da universidade.
Democrata, ele tomou posse como conselheiro de Alexandria em 2018 e passou a
integrar conselhos regionais de transporte.
Em meio à crise sanitária, o
governo federal e estados passaram a dar dinheiro para custear operações dos
sistemas de transporte, como pagar combustível e salários dos motoristas.
Antes, os investimentos eram concentrados em gastos pontuais, como a compra de
veículos novos e a realização de obras viárias. Com isso, as cidades
conseguiram manter frotas rodando e pensar em novos modelos.
A tarifa grátis em
Alexandria é custeada por um programa estadual, que busca provar se a ideia
pode funcionar na prática. Aguirre aponta que o custo anual para manter as 11
linhas de Alexandria operando de forma gratuita é de cerca de US$ 25 milhões
(R$ 129,4 milhões) 3%
do Orçamento municipal. Depois que o teste
acabar, será
preciso debater se o gasto poderá ser
incorporado de fato às
contas públicas, a serem pagas por meio de
impostos, ou se haverá outra fonte de recursos.
Alexandria reúne condições
que a tornam indicada para o experimento: é pequena, mas adensada: foi fundada
em 1749, quando os EUA ainda eram colônia britânica, e mantém um ar antigo, com
ruas estreitas e casas baixas, coladas umas às outras. Em cidades maiores, a
tarifa grátis é um desafio mais amplo, pois manter sistemas de transporte para
levar milhões de pessoas por dia demanda gastos bem mais altos. E é preciso
enfrentar questões como trânsito e falta de espaço físico para intervenções.
Eric Goldwyn, professor de
urbanismo e transporte na Universidade de Nova York, lembra que metrópoles que
testaram a tarifa zero acabaram vendo uma questão social se sobrepor ao
experimento. "Pessoas sem teto andavam nos ônibus o dia todo, gerando
reclamações e servindo como desestímulo para outros passageiros potenciais.
Nossas cidades não estão fazendo um bom trabalho social."
Ele põe a questão, então, em
perspectiva. "Se você vai gastar alguns milhões de dólares para ônibus
grátis, poderia usar esse dinheiro e os milhões arrecadados com a tarifa para
adquirir mais veículos e fazer outras coisas", diz. "O dinheiro é
mais bem gasto se for usado para criar um serviço mais frequente e confiável,
que pode dar descontos para alguns públicos."
A adoção da tarifa zero em
metrópoles também esbarra na necessidade de acordos políticos amplos,
envolvendo municípios e, às vezes, até estados vizinhos. A região metropolitana
de Washington, por exemplo, divide-se entre o Distrito de Columbia e os estados
de Maryland e Virgínia, e é atendida por um sistema parcialmente integrado de
ônibus e metrô. Assim, embora Alexandria fique a menos de dez estações da Casa
Branca, a chance de essa viagem ser grátis parece algo ainda distante.
Questionado sobre a
possibilidade, Aguirre suspira. "Não há nada que eu amaria mais do que um
sistema de metrô grátis. Não acho que estamos perto disso. Mas pode haver um
futuro para isso? Com certeza."
Yahoo notícias, Folhapress, Rafael
Balago
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