“(...)Na área ambiental, observamos a degradação crescente e acelerada
dos biomas brasileiros, além da contaminação das águas, solos e atmosfera (...)”
O
ano de 2021 foi muito difícil para nosso país, em vários aspectos. Não só pela
pandemia da covid-19, mas, principalmente, pela forte degradação econômica,
social e política que estamos vivenciando. Na área ambiental, observamos a
degradação crescente e acelerada dos biomas brasileiros, além da contaminação
das águas, solos e atmosfera. De modo mais geral, é claro o projeto de desmonte
de políticas públicas em áreas vitais como educação, ciência, saúde e meio
ambiente, e ele segue a todo vapor.
Somente
neste ano, tivemos a derrubada de mais de 13 mil km² de florestas na Amazônia,
e o Pantanal teve 60% de sua área queimada pelo segundo ano consecutivo, em
atividades associadas a crimes ambientais. O agronegócio segue avançando sobre
o Cerrado, já que não há a implementação de políticas de uso da terra voltadas
à preservação dos nossos ecossistemas. O garimpo ilegal continua a poluir com
mercúrio nossos rios, afetando a saúde de ribeirinhos, população indígena e de
todo o bioma amazônico. E, para completar, os eventos climáticos extremos
marcaram o Brasil central e trouxeram insegurança energética e hídrica a grande
parte da população.
Não
é raro constatar, na mídia nacional e internacional, manchetes e editoriais nos
quais o governo do Brasil é duramente criticado e repudiado por destruir
políticas públicas, leis e órgãos de proteção ao meio ambiente, asfixiando
instituições tradicionais, como o Ibama, ICMBio, Funai e outras. E os
resultados destas ações se configuram no avanço dos crimes ambientais e nos ataques
aos direitos de povos indígenas e das comunidades tradicionais.
Vale
ressaltar que estas políticas de destruição do Estado brasileiro promovidas
pelo Poder Executivo receberam apoio do Legislativo e do Judiciário, que
desgastaram princípios básicos da proteção ao meio ambiente, resultando em
extensas áreas desmatadas e degradadas em todos os biomas e ecossistemas
brasileiros. Certamente, os impactos sociais e econômicos serão de longa
duração, agravados pelas mudanças ambientais globais. A redução de qualidade do
ar, das águas e dos solos foi uma das principais consequências dessas ações
(des)coordenadas.
Meio
ambiente sofre com negligências e chega a 2022 exigindo mudanças políticas e
investimentos
Importante
salientar que a COP-26 significou um revés importante neste ano de 2021, no que
se refere à questão da governança mundial sobre meio ambiente. A principal
razão foi a falta de ações concretas para enfrentar e minimizar os impactos das
mudanças climáticas em curso, uma das maiores ameaças à nossa sociedade. A
COP-26 também frustrou expectativas devido à negação dos países desenvolvidos
em ajudar os países pobres a lidar com a emergência climática, a reduzir suas
emissões e a se adaptarem. A consequência de todo esse processo é o aumento das
desigualdades sociais, e tudo indica que elas serão um forte fator de
instabilidade política no futuro próximo.
Apesar
de o governo brasileiro ter assinado um compromisso de zerar o desmatamento da
Amazônia até 2028, sabemos que as chances de isso acontecer são remotas,
afinal, não há qualquer política pública de fortalecimento a
instituições-chaves como Ibama, ICMBio, MMA, MCTI e órgão associados, para que
esta meta seja atingida. Se realmente houvesse interesse, este estaria
contemplado no orçamento de 2022. Ou seja, na prática, não há incremento de
recursos para essa finalidade, indicando que a meta era só “para inglês ver”.
Devido
à ausência de ações concretas do governo federal, vimos, na COP-26, a atuação
subnacional se impor, com a presença de 12 governadores, CEOs de grandes
empresas e a participação significativa da sociedade civil. Acredito que esse
novo quadro possa ser um importante motor de transformação de nosso país em uma
sociedade mais justa e sustentável.
E
para 2022, o que esperar? Como teremos o mesmo governo federal, o mesmo
Congresso dominado por ruralistas e o mesmo Judiciário, claro que seria
ingenuidade pensarmos em mudança estrutural. Há pressões internacionais para
reduzir o desmatamento, por parte dos países desenvolvidos, e elas podem ser
intensificadas com sanções comerciais em relação à importação de carne, madeira
ou soja advindas de regiões desmatadas. Talvez isso possa mobilizar o atual
governo brasileiro em relação a suas práticas (inclusive, existe pressão
interna dos grandes produtores de carne).
Um
dos graves problemas que temos hoje é a forte atuação de redes criminosas na
Amazônia, seja pela grilagem de terras públicas ou indígenas, seja pelo avanço
da mineração ilegal ou pela atuação de madeireiras ilegais. O fato é que as atividades
criminosas passaram a dominar na Amazônia. Para encontrarmos um modelo de
desenvolvimento sustentável para a região, o primeiro passo é coibir atividades
ilegais de exploração e cumprir o que diz a nossa Constituição.
Para
além da Amazônia, nossas questões ambientais atingem também a maior parte de
grandes cidades, que continuam a viver com níveis altos de poluição
atmosférica, proveniente de emissões veiculares. Por muitos anos, a indústria
automobilística impediu a implementação de ações visando à melhoria nos padrões
de emissões de poluentes, já em vigor em países desenvolvidos. Embora
vislumbremos novos padrões de emissões para veículos a diesel, provenientes das
próximas etapas do Proconve (Programa de Controle de Emissões Veiculares), as
chamadas L7 e P8, equivalentes ao padrão Euro 6, em vigor na Europa, os
impactos da atual frota veicular altamente poluidora durarão décadas,
aumentando a mortalidade na população urbana por problemas respiratórios.
Outro
problema a ser enfrentado é o uso excessivo e crescente de agrotóxicos pelo
agronegócio brasileiro, com número recorde de autorização de produtos proibidos
em outros países e largamente utilizados em nosso país. Além de contaminar
nossos rios, população e produtos, muitos deles são compostos persistentes no
meio ambiente.
Importante
realçar que o Brasil tem todas as condições para ser uma potência mundial em
sustentabilidade, pelas vantagens estratégicas em vários setores. Nossa matriz
energética, por exemplo, poderia se beneficiar em muito do uso em larga escala
de energia solar e eólica. Além disso, seria viável implantar uma agricultura
de baixas emissões de carbono, zerar o desmatamento e servir de exemplo para
nosso planeta.
Não
há maneira mais fácil, rápida e barata de reduzir emissões de gases de efeito
estufa do que zerar – pra valer e não para inglês ver – o desmatamento da
Amazônia. O Brasil já foi um líder na redução de emissões de desmatamento e
poderíamos repetir a façanha, se tivéssemos um governo comprometido em defender
os interesses da população ao invés de beneficiar e até estimular o agronegócio
predatório. Pesquisas de opinião mostram que mais de 80% da população
brasileira são contra a destruição de nossos recursos naturais. A implementação
de políticas de preservação de nossa biodiversidade é crítica para a região
amazônica e demais biomas brasileiros.
Não
podemos esquecer que o ano de 2022 será marcado por eleições majoritárias, e
muitas das políticas e leis sendo discutidas atualmente no Congresso Nacional
dizem respeito ou a “terminar” com o restante da reforma na legislação de
proteção ambiental no Brasil, ou a beneficiar grupos econômicos que possam
contribuir na campanha eleitoral (e reeleição) do atual governo. Neste quadro,
o panorama ambiental para 2022 continua a ser desesperançoso, como em 2021.
A
sociedade brasileira vai ter que trabalhar muito para recuperar os danos ao
meio ambiente promovidos ao longo dos últimos anos e também para que possamos
atingir nossos compromissos com o Acordo de Paris e os ODS da ONU. Claro que
muitos dos danos ambientais já feitos são irreversíveis, como a destruição de
dezenas de milhares de quilômetros de florestas. Resta-nos torcer para que os
debates públicos em 2022 sejam uma nova oportunidade para lembrar e discutir os
valores que nos definem como nação digna em um mundo democrático, inclusivo e
sustentável.
Paulo Artaxo, Jornal da
USP
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