Luiz Vander Ferreira da Silva,
morador de rua, de 39 anos, em depoimento a Rafael Nascimento de Souza
Eu estudei até a 4ª série lá em Japeri. Na Escola Municipal Duque de
Caxias. Daquele tempo eu não gosto de falar porque eu perdi o meu coroa. A
necessidade era ainda pior. Sim, era pior do que catar ossos para ter o que
comer. Eu fui pintor, bombeiro, eletricista e entendo um pouco de mecânica. Não
lembro quando foi a última vez que eu tive carteira assinada. Estou com 39
anos. Meu nome é Luiz Vander Ferreira da Silva.
Eu queria mudar a vida da minha esposa, deixá-la melhor. Dar uma casa para
ela, sair da rua (eles vivem perto da Praça Paris, na Glória). Ter uma casinha
para ela levar os filhos, os netos. Estou com ela desde 2011. Nos conhecemos em
Japeri. Lá, tem a casa da mãe dela, onde estão os três filhos dela. Eu tenho
quatro. Não lembro a idade dos meus filhos. Às vezes, eu fico triste. Queria
dar mais condições de vida para os meus filhos. A gente fica aqui mandando as
coisas para as crianças quando dá. Tem dia que a gente tem, tem dia que a gente
não tem. Lá (em Japeri), tudo é muito difícil.
Escolhemos ficar na Glória porque conseguimos as coisas. Conseguimos uma
reciclagem, uma lata, um papelão, alguma coisa. Vai ali no caminhão (que
transporta ossos descartados por mercados da Zona Sul) e pega uma pelanquinha,
salga, manda para casa. Outra parte deixo aqui e faço para geral comer. Quem
vive na rua tem uma união, mas não são todos. Aqui não tem uma alimentação
certa, e a gente acaba dependendo dos outros. Mas eu não posso só ficar
dependendo de ajuda. Eu vou à luta. Tem gente que ajuda, dá comida. Mas tem dia
que não tem nada.
Quando eu cheguei aqui, em 2012, tinha gente, mas não isso tudo. Na rua,
você tem que saber levar. Tem gente ruim e gente boa. A gente tá dormindo, e
pode tomar uma pedrada, uma paulada. A rua é ruim. Na rua, a gente escuta muita
coisa. As pessoas, às vezes, passam aqui e olham para a gente como lixo. Tudo é
muito difícil.
Me sinto bem e mal
Eu não sou herói só porque entro no caminhão da pelanca para ajudar a
distribuir. Herói, só Deus. Eu nem sei explicar isso tudo. Não sei falar
direito. Ao mesmo tempo, me sinto bem e mal. (Após divulgação da reportagem do
jornal Extra sobre pessoas que fazem fila para pegar sobras de ossos num
caminhão na Glória), a minha imagem está no Brasil inteiro. Está no telefone,
no Facebook, na internet, está rodando. Mas eu não esperava que sairia dessa
forma. Entendeu? Eu só penso naquele lá de cima que me ajuda a pegar as minhas
pelanquinhas. Eu ajudo qualquer um, o próximo. Eu não sei o dia de amanhã. Eu
só espero que Deus me dê vida e saúde para fazer as minhas “correrias” (venda
de recicláveis) e ajudar minha família. Eu nem faço oração. Entrego na mão de
Deus.
Sou realista. Só peço que eu consiga uma casa, para levantar com a minha
dona, meus filhos e os filhos e os netos dela, oferecer uma dignidade. Porque
eles vêm aqui e, daqui a pouco, passa um choque de ordem (operação da
prefeitura) e leva os netos dela para o abrigo. E aí? Até a gente correr lá
para tirar a criança, é muito difícil. Às vezes, o pessoal da limpeza também
passa aqui e, se a gente der mole, eles levam tudo. Mas também tem gente boa,
eles conversam e’ não levam nossas coisas.
Hoje eu nem fui pegar pelanca porque eu não tinha sal. Vou pegar lá para
chegar aqui e estragar? Então fui ali, peguei umas pelinhas de galinha e estou
fazendo. Não pego para jogar fora. Eu deixo aqui as pelinhas fritas e geral vai
passar aqui e comer. Eu me sinto grato por ajudar as pessoas. Eu queria ter
algo melhor para dar às pessoas da rua. A gente na rua é criticado. Somos
mendigos, “cracudos”. É assim que somos vistos. Se eu estivesse com um
político, eu só pediria que ele ajudasse os pobres. Olha se isso é certo: você
vai ao mercado e paga R$ 30 em cinco quilos de arroz? Tem gente que vai ter e
outros que não. Vocês têm condições. E nós? Não. Não tenho dinheiro para
comprar o básico”.
Extra
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