quarta-feira, 27 de outubro de 2021

'O cavalo de Troia digital'


“(...) o ensaio que aborda as transformações trazidas pela informatização do cotidiano do ponto de vista jurídico, econômico e comportamental (...)”

 

Advogado, escritor e ex-ministro da Cultura no governo Itamar Franco, Luiz Roberto Nascimento Silva já havia abordado as transformações da era digital em diversos artigos e em livros como “A nova peste e outros ensaios” (2013). Com a interrupção de sua rotina de trabalho entre Rio e Belo Horizonte pelo isolamento causado pela pandemia da Covid-19, em março do ano passado, o tema voltou a deter sua atenção, a partir da observação da rapidez com que as fronteiras entre o real e o virtual passaram a ficar cada vez mais borradas, acelerando em alguns anos um processo que já se mostrava irreversível.

Da constatação surgiu o recém-lançado “O cavalo de Troia digital: A quarta revolução industrial” (FGV Editora), ensaio que aborda as transformações trazidas pela informatização do cotidiano do ponto de vista jurídico, econômico e comportamental. A alegoria do título (que também remete a um dos mais conhecidos vírus digitais) nos transforma em troianos contemporâneos encantados com o cavalo — a internet — que, ao mesmo tempo, é dádiva e armadilha.

— Fui buscar essa imagem na “Ilíada”, de Homero, por traduzir bem aquelas situações em que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose — comenta Nascimento Silva . — No início, a internet foi um presente que possibilitou coisas incríveis, um nível de comunicação jamais visto. Depois nos deparamos com o poder das big techs e toda a desinformação que enfraqueceu as democracias e instituições pelo mundo.

O autor situa a era digital como a quarta etapa da revolução industrial, ressaltando que, diferentemente do que aconteceu nos momentos anteriores, nos séculos XVIII e XIX e na década de 1970, a transformação atual não gerou o mesmo volume de empregos dos que desapareceram com as mudanças tecnológicas.

— Em cada um desses processos históricos, após os problemas iniciais houve geração de empregos e melhoria das condições de vida. Agora, as ocupações criadas pela tecnologia digital não substituem os postos de trabalhos extintos ou precarizados — compara . — Mas não é uma questão de lutar contra o digital, esse processo é irreversível. O que não significa que não possa ser aperfeiçoado.

Outro problema seria a gigantesca concentração de capital em poucas empresas e práticas de monopólio que, para o autor, só teriam paralelo na história recente na segunda metade do século XIX, quando magnatas como John D. Rockefeller ou J. P. Morgan dominavam, respectivamente, todo o petróleo ou o sistema bancário americano.

— Não há economia que resista mais a intervenções no setor privado do que a americana. Mas na virada do século XIX para o XX os EUA entenderam que era preciso corrigir as distorções para salvar o mercado. Ao contrário das previsões da época, todos estes setores saíram fortalecidos com a legislação antitruste — observa Nascimento Silva. — Também começamos a ver um processo de regulação para as big techs, que estão sendo mais cobradas pela concentração de poder e a disseminação de fake news.

A onda de desinformação nas redes sociais mereceu três capítulos do livro, dentro da parte intitulada “A proteção ao cidadão”. Nascimento Silva destaca que a luta contra as fake news não deve invalidar o direito à livre expressão, mas que este limite não pode ser estendido à difamação injuriosa ou na sua utilização no processo político. Mesmo em um contexto de ataques à ciência e ao noticiário profissional, o autor acredita que o jornalismo sairá fortalecido:

— Mesmo com uma circulação gigantesca de notícias falsas, em meio à pandemia as pessoas sentiram necessidade de fontes seguras de informação. E é curioso ver como os canais de desinformação tentam emular os signos do jornalismo tradicional para garantir credibilidade.

Desmonte da cultura

Ministro da Cultura entre 1993 e 1994 e responsável pela elaboração e implementação Lei do Audiovisual, Nascimento Silva acompanha com apreensão o setor, cuja pasta foi transformada em secretaria em 2019:

— O momento atual me faz lembrar o desmonte da primeira fase do governo Collor. Se bem que ele corrigiu isto posteriormente ao convidar o Sérgio Paulo Rouanet (em 1991), que transformou o mercado com a lei que levou o seu nome. É muito triste ver hoje essa perseguição primitiva e injustificável contra o setor cultural, o desrespeito contra os artistas.

“O cavalo de Troia digital: A quarta revolução industrial”Autor: Luiz Roberto Nascimento Silva. Editora: FGV Editora. Páginas: 164. Preço: R$ 39.

Nelson Gobbi, O Globo 


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