E
um equívoco a decisão da ANP de incluir em leilão áreas próximas a Fernando de Noronha e Atol das Rocas
Os cenários paradisíacos de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas estão
sob risco. Apesar dos reiterados apelos de ambientalistas, a Agência Nacional
do Petróleo (ANP)
decidiu manter, no leilão marcado
para quinta-feira, blocos de exploração de óleo e gás em regiões próximas aos
dois santuários, ambos entre os mais importantes do ecossistema de recifes no
Brasil. A 17º rodada de concessão, que oferecerá 92 blocos em diversas regiões,
inclui áreas da Bacia Potiguar a cerca de 370 quilômetros do Parque Marinho de
Fernando de Noronhaea260 quilômetros da Reserva Biológica do Atol das Rocas.
O alerta sobre o desatino vem de dentro do próprio governo. O Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou nota técnica na
página da ANP afirmando que a decisão é temerária, 'considerando a propagação
por longas distâncias de ondas sísmicas, a grande mobilidade de algumas
espécies marinhas, a ação das correntes marítimas sobre a propagação do óleo e
o histórico de invasão de espécies às atividades de exploração de petróleo e gás'.
O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou fragilidades na análise
ambiental do leilão e
recomendou ao Ministério de Minas e Energia o aperfeiçoamento para futuros
certames, que devem ter 'dados primários dotados de melhor qualidade e robustez
técnica'. Só faltou combinar com o imponderável.
O governo não deveria desprezar os riscos. Os exemplos do que pode acontecer
estão por toda parte. No último sábado, um vazamento na costa da Califórnia,
nos Estados Unidos, jogou no Oceano Pacífico ao menos 126 mil barris de óleo,
criando uma mancha de mais de 20 mil quilômetros quadrados. A poluição levou ao
fechamento de Huntington Beach, conhecido destino de surfistas. Autoridades
americanas suspeitam que o desastre ambiental tenha tido origem numa plataforma
de exploração de petróleo operada
pela empresa Beta Offshore.
Não é apenas o risco inerente à atividade que preocupa, mas principalmente o
desleixo do governo com a preservação ambiental - para não falar no costumeiro
despreparo, que, a bem da verdade, não se restringe à área ambiental. Um
exemplo é o misterioso vazamento de óleo que atingiu a costa do Nordeste e de
parte do Sudeste em 2019, causando prejuízos incalculáveis ao meio ambiente, à
pesca e ao turismo. Os planos de contingência e as investigações sobre o
desastre se tornaram uma comédia de erros. O então ministro Ricardo Salles
chegou a atribuir o acidente a uma ONG cujo intuito seria prejudicar o governo.
Patético. Dois anos depois, ainda não se sabe o que aconteceu.
Os sinais do governo na questão ambiental não inspiram confiança. As ações mais
marcantes nestes quase três anos de gestão Bolsonaro são as muitas 'boiadas'
passadas sobre a legislação, como a flexibilização que praticamente acabou com
o licenciamento para determinadas atividades. Agora o Congresso, sob o
incentivo do Planalto, prepara mais uma, para permitir extração mineral e
criação de gado nas Reservas Extrativistas (Resex). Paralelamente, promoveu-se
um desmantelamento sem precedentes dos órgãos de fiscalização. Tudo isso deveria desaconselhar a exploração de óleo
próximo a santuários ecológicos. Independentemente dos ganhos, os prejuízos
podem ser irrecuperáveis.
O Globo / Opinião
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