Áreas
como Fernando de Noronha e Atol das Rocas devem ficar fora da disputa.
O Brasil ainda não
despertou para a importância e para a necessidade de proteger as zonas costeira
e marinha. Seguimos na contramão do mundo ao incluir na 17? rodada de licitações da Agência Nacional
do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) áreas sensíveis e de enorme valor ambiental como Fernando
de Noronha e Atol das Rocas. A inclusão de blocos das bacias Potiguar (RN e CE)
e Pelotas (RS e SC), permitindo a exploração petrolífera nessas áreas, é
descabida diante da ameaça ao ambiente marinho, do impacto às atividades
pesqueiras e turísticas e do alto risco de vazamentos, acidentes e danos
socioambientais.
O oceano é nossa primeira linha de defesa frente aos impactos do aquecimento
global. Áreas de conservação marinha, parques, monumentos naturais e santuários
como esses devem ser excluídos permanentemente de rodadas de licitações de exploração de petróleo e gás. A atividade
petrolífera é de alto risco para os ecossistemas e, por isso, vedada em regiões
de interesse ambiental - como a Antártida e o Alasca. Além disso, neste momento
de emergência climática, investir em novas explorações de combustíveis fósseis
é persistir em um modelo de negócios prestes a se aposentar.
A influência humana sobre as mudanças climáticas é irrefutável, como colocado
pelo sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC). Não obstante aos alertas do IPCC de que temos um limitado 'orçamento'
de emissões neste século, o Brasil busca expansão da exploração fóssil sobre
áreas marinhas.
Os blocos da bacia Potiguar são inadequados devido a sua proximidade com o
Arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas, ambas áreas protegidas
por Unidades de Conservação, reconhecidas como patrimônio natural da humanidade
por seu elevado valor ambiental. As reações contrárias de diversos especialistas
já resultaram em quatro ações civis públicas, movidas nos estados de
Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Norte, com o objetivo de barrar
o leilão marcado para
amanhã, 7 de outubro. A sociedade também está mobilizada em petições públicas que
já reúnem 1. 564. 328 pessoas na campanha SOS Litoral de Santa Catarina e Mar
Sem Petróleo e mais
436. 128 pessoas no movimento Salve Noronha e Salve a Baleia Azul.
O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou fragilidades na análise
ambiental, feita em caráter preliminar pelos ministérios de Minas e Energia e
do Meio Ambiente, sobre os blocos exploratórios de petróleo incluídos no edital. O TCU fez ressalvas à análise preliminar e menciona trechos da
manifestação técnica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) que classifica como 'temerária' a oferta de blocos afetos às duas
áreas de preservação na concorrência.
O Ministério do Meio Ambiente deveria se opor à inclusão da bacia Potiguar
no leilão e defender a
posição técnica do ICMBio. O Atol das Rocas é o único atol do Atlântico Sul
ocidental, uma área ímpar no mar brasileiro, de elevada produtividade biológica
e refúgio de diversas espécies ameaçadas de extinção. A Fundação SOS Mata
Atlântica apoia a Reserva Biológica do Atol das Rocas desde 2007 e acompanha a
sua trajetória para se tornar uma referência em pesquisa e proteção ambiental.
Espécies antes desconhecidas para a ciência foram descritas no Atol das Rocas e
certamente ainda há muito para se compreender em toda a área marinha da margem
equatorial brasileira, onde se localizam a bacia Potiguar e cadeias de montes
submarinos ainda pouco conhecidos.
O Arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas são as únicas áreas
emersas de um alinhamento de 14 formações geológicas, montanhas submersas que
muitas vezes ultrapassam os 3 mil metros de altura, e que se estendem por 1.
300 km na Cadeia de Fernando de Noronha, ao largo do litoral setentrional do
Rio Grande do Norte e Ceará. Essas formações ainda se conectam com a cadeia
norte brasileira, uma outra sequência de montes submarinos após o talude
continental na região dos Estados do Piauí e Maranhão.
Essa diversidade de feições interage com as correntes marinhas e formam
ambientes mais ricos em nutrientes e que permitem o desenvolvimento de ecossistemas
bastante especiais. Mesmo antes das expedições científicas mais recentes que
ampliaram o conhecimento sobre essas áreas, toda a região já havia sido
reconhecida como Área Marinha Ecologicamente Significante pela Convenção da
Diversidade Biológica, tratado multilateral no âmbito das Nações Unidas.
As correntes marinhas superficiais e subsuperficiais promovem uma conexão
ecológica entre todos esses bancos submersos, incluindo o Atol das Rocas e o
Arquipélago de Fernando de Noronha. Essa conectividade aumenta o valor
ecológico dessas áreas e traz mais preocupações frente a um possível acidente
com petróleo na
região, uma vez que a dispersão do óleo pode atingir diversos locais sensíveis
em pouco tempo.
A inclusão dessas áreas no leilão demonstra
que as características naturais e os riscos não foram devidamente considerados
reforçando a necessidade de maior rigor prévio nos critérios como denunciado
por especialistas. A análise ambiental não deve sedar após o leilão, pois isso é como no dito
popular 'colocar a carroça na frente dos bois'.
A falta de análises criteriosas gera insegurança jurídica e afasta empresas
comprometidas com a agenda climática, ambiental, social e de governança. Motivados por esse fato, a
Associação Nacional dos Petroleiros acionistas minoritários da Petrobras requereu da empresa que
não participasse da rodada e solicitou à Comissão de Valores Mobiliários a
abertura de um processo para apurar o interesse da estatal nessa oferta de alto
risco.
Colocar o Atol das Rocas e Fernando de Noronha em risco não é o caminho para
o desenvolvimento da
economia azul no mar brasileiro.
"Áreas de conservação marinha como essas devem ser excluídas
permanentemente de rodadas de licitações "
Pedro Luiz Passos, Roberto Klabin, Morris
Safdié, Clayton Ferreira Lino, Fernando Reinach, Fernando Pieroni, Gustavo
Martinelli, Jean Paul Metzger e Natalie Unterstell são, respectivamente,
presidente, vice-presidentes e membros do Conselho Administrativo da Fundação
SOS Mata Atlântica, Valor Econômico
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