Criadas nos anos 1990 para permitir a sobrevivência de
comunidades tradicionais pela extração sustentável de produtos florestais na
Amazônia, como castanha, látex e óleo de copaíba, as Reservas Extrativistas
(Resex) estão sob ameaça.
Dois projetos em tramitação na Câmara dos Deputados dão sinal verde para a
instalação de lavras de garimpo e a criação de bois e búfalos nessas áreas,
alterando a lei de 2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza.
A regra atual permite apenas a criação de animais de pequeno porte,
agricultura de subsistência e pesca. A exploração de recursos minerais é
proibida, assim como a caça amadora ou profissional. Hoje, o Brasil tem 66
reservas extrativistas.
O projeto que libera bois e búfalos, do deputado Junior Ferrari (PSD-PA),
recebeu em maio um parecer favorável da relatora, deputada Silvia Cristina
(PDT-RO), da Comissão de Agricultura. Ele argumenta que a criação de búfalos
era exercida nas várzeas do rio Amazonas antes das reservas. Em julho, foi a
vez do relator Nereu Crispim (PSL-RS) dar parecer favorável a projeto do
deputado Éder Mauro (PSD-PA) que permite a instalação de lavras garimpeiras de
pequeno porte.
A invasão das Resex é crescente. Entre agosto de 2019 e julho de 2020,
foram desmatados 143 km² nas reservas extrativistas, segundo levantamento do
Imazon. De agosto de 2020 a julho deste ano, a área desmatada atingiu 213 km².
Ambientalistas e extrativistas locais apontam que a investida atual em terras
da União atende projetos de interesse do agronegócio, e de atividades ilegais
de garimpo.
— Dizem que pequenas lavras de garimpo não têm impacto. Mas não existe
extração de minério sem impacto para o meio ambiente e populações locais. É
atividade incompatível com essas áreas — afirma Dione Torquato,
secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
O modelo das Resex foi proposto nos anos 1980 por seringueiros, para
conter o desmatamento e a invasão de áreas de extração, ameaçadas por
pastagens. O projeto saiu do papel após o assassinato do líder seringueiro
Chico Mendes, de repercussão internacional. Coube ao então presidente José
Sarney a criação das primeiras reservas: Chico Mendes e Alto Juruá, no Acre;
Rio Ouro Preto, em Rondônia; e do Rio Cajari, no Amapá.
Das quatro pioneiras, duas têm projetos em andamento para reduzir suas
áreas, a Chico Mendes e a Rio Ouro Preto. A diminuição da Rio Ouro Preto partiu
de um projeto do Senado.
— Nenhuma das proposições foi discutida com as comunidades. É ameaça ao
ambiente e à população das áreas — diz Bruno Taitson, analista de conservação
da WWF Brasil.
Parlamentares de oposição veem risco de aprovação dos projetos, pela
maioria do governo na Câmara.
— A ideia é mercantilizar as Resex. Não há melhor expressão do que a de
“passar a boiada” — diz o deputado Pedro Uczai (PT-SC), referindo-se à frase do
ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Relatores defendem os projetos. A deputada Silvia Cristina diz que a
criação de bois e búfalos é compatível com o extrativismo e pode aumentar a
renda das comunidades:
— Abrimos para conversar. Retiramos de pauta para ouvir ONGs e
extrativistas.
Responsável pelo parecer favorável à mineração nas Resex, o deputado Nereu
Crispim diz ter deixado a bancada governista insatisfeita por estabelecer
regras de mitigação e obrigatoriedade de reflorestamento de áreas danificadas,
além da aprovação de estudo de impacto ambiental:
— Após a ocorrência de eventos como a grave seca e vendavais de poeira, o
Congresso precisa dar uma freada nas mudanças em unidades de conservação.
Resort no
lugar
Um projeto apresentado em junho pelo deputado Uldurico Junior (Pros-BA)
propõe extinguir a Reserva Extrativista Marinha de Canavieiras, com 60 km de
extensão no litoral da Bahia, e criar uma Área de Proteção Ambiental, o que
abre espaço a empreendimentos privados. Na justificativa, o deputado afirma que
a Resex emperra o potencial turístico da área, onde poderia ser construído um
resort.
Mesmo sob a ameaça de extinção da reserva, os cerca de 2,5 mil moradores
conseguiram financiamento de R$ 2 milhões para montar uma área de
beneficiamento de peixes e mariscos, uma fábrica de azeite de coco, uma fábrica
de gelo, e investir em uma operadora comunitária de turismo ecológico.
— As áreas onde vivemos e trabalhamos são cobiçadas pela especulação
imobiliária. Por isso, tratam a natureza como obstáculo. A reserva não é
impeditivo para o desenvolvimento. Temos o turismo sustentável — diz Carlos
Alberto Pinto dos Santos, da associação de extrativistas de Canavieiras e da
Comissão Nacional dos Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem).
Cleide
Carvalho, O Globo
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