Do Deutsche Welle
A distribuição de
músicas por portais de streaming como o YouTube foi um dos temas mais
discutidos no Midem, feira de música em Cannes. O futuro do setor pode estar
nesse tipo de serviço online, dizem especialistas.
Há cerca de dois
anos, Marius Lauber, um músico alemão completamente desconhecido, postou na
internet, sob o pseudônimo Roosevelt, uma faixa demo com o belo
título Sea. Pouco tempo depois, o músico estava tocando em clubes
famosos como o Berghain, em Berlim, ou o Le Bain, em Nova York – e os
críticos musicais lhe prognosticavam uma grande carreira.
"Fiz o upload
da música no YouTube, sem pensar em ser descoberto. Mas a faixa chamou a
atenção do selo Greco-Roman, e então nos encontramos", disse Lauber, pouco
depois da divulgação de sua primeira música numa rádio pela internet, no final
de 2012. "Um ano depois, tudo estava assinado e selado", conta.
A história de
sucesso de Roosevelt não é um caso isolado e mostra como portais de streaming
como YouTube, Soundcloud, Spotify ou o recém-criado Beats Music estão mudando a
maneira como músicos são descobertos e ouvidos. Esse desenvolvimento preocupa a
indústria musical – que culpa parcialmente os portais de streaming pelas perdas
financeiras do setor – há bastante tempo. Nos últimos 15 anos, as vendas caíram
quase pela metade.
Em busca de talentos pelo
Twitter
Thom Yorke (d) diz
que streaming prejudica a sua banda, Radiohead
Mas nem todos veem
a situação de forma tão obscura. Lyor Cohen já foi chefe do selo de hip-hop
americano Def Jam e executivo da Warner Music Group. Na maior feira mundial da
indústria musical, o Midem (Mercado Internacional do Disco e da Edição
Musical), ele apresentou em Cannes, na França, o seu novo projeto 300,
afirmando: "Eu acredito firmemente que o streaming é o futuro de uma
indústria musical saudável."
Ao filtrar e
analisar dados relacionados à música da internet, Cohen pretende contornar a
morosa burocracia dos grandes selos. O nome 300 já diz tudo:
ele alude à Batalha das Termópilas, na Grécia antiga, quando 300 espartanos
conseguiram derrotar milhares de soldados persas.
Cohen explicou que
a ideia central de seu modelo é uma parceria com o serviço de microblog
Twitter, de onde, futuramente, ele poderá acessar grandes quantidades de dados
musicais, incluindo informações como a localização de usuários (artistas), não
acessíveis publicamente.
Em contrapartida,
o projeto 300 irá utilizar suas descobertas para apoiar o
Twitter no desenvolvimento de um software que deverá ser útil também para
outros empresários musicais.
As intenções de
Cohen são claras: graças a tais informações da web, ele pretende descobrir
novatos como Roosevelt antes de caírem nas redes de um caça-talentos
convencional. A ideia é saber que artistas estão atraindo atenção e onde.
YouTube – pirataria legal?
Quando ouvem falar
de um novo artista, o YouTube é frequentemente o ponto de partida. Em Cannes,
ficou bastante evidente a frustração da indústria musical com esse fato. Axel
Dauchez, executivo-chefe do serviço de streaming Deezer, foi direto ao ponto: a
falta de pagamento a muitos artistas transforma tais websites em
"importantes piratas legais", disse.
will.i.am, do
Black Eyed Peas, faz palestra no Midem
Também o líder da
banda Black Eyed Peas, o cantor americano de rap will.i.am, criticou que os
artistas são deixados de fora de todas as operações de pagamento. Outros
serviços de streaming também sentiram recentemente a fúria de músicos como Thom
Yorke, da banda Radiohead, ou de David Byrne, líder do lendário grupo pós-punk
Talking Heads. Eles se queixaram de que a remuneração dos serviços de streaming
seria desproporcional ao esforço artístico.
As vendas nos EUA
mostram os efeitos dos sites de streaming. A consultoria de dados SoundScan
relatou no site da revista Billboard que, em 2013, o número de
downloads no mercado americano – o maior do mundo – caiu pela primeira vez.
Também a venda de CDs caiu por volta de 14%, enquanto o streaming de canções
aumentou em quase 32%, para 120 bilhões de acessos.
Na Alemanha, que
pertence aos cinco maiores mercados musicais do mundo, os números de 2013 ainda
não foram divulgados. Estatísticas preliminares, no entanto, apontam que as
vendas de CDs caíram 2%, enquanto a receita na área digital cresceu, por outro
lado, em 12% – e isso engloba o streaming.
Possível crescimento
bilionário
Marc Geiger, chefe
do departamento de música da agência de talentos William Morris Endeavor, não
vê nenhum motivo para pessimismo nesses números. No Midem, ele apelou a seus
colegas para que, finalmente, reconheçam que o download de músicas irá
pertencer, em breve, ao passado – e que o futuro está no streaming.
Ele estima que a
indústria musical tenha conseguido a sua maior receita até agora no final da
década de 1990, quando o setor lucrou cerca de 40 bilhões de dólares. Ele
prognosticou aos participantes do Midem que, em 15 anos, os lucros com o
streaming poderão girar em torno de mais de 100 bilhões de dólares.
Essas projeções
têm como base os seguintes pré-requisitos: no início, o preço das assinaturas
deve ser baixo, depois deve aumentar continuamente. Taxas mensais devem ser a
regra e não a exceção, e os serviços de streaming poderiam, no futuro, ser
associados a outros serviços.
A empresa de
telefonia americana AT&T, por exemplo, coopera com o Beats Music. Esse
serviço de streaming, criado pelo produtor e cantor de hip-hop Dr. Dre, pode
vir a ser um precursor dessas ofertas combinadas.
Evitar o "efeito
jukebox"
O streaming inclui
também outro problema, disse o executivo-chefe da Deezer, Axel Dauchez, à
Deutsche Welle. Os usuários só escutam músicas e artistas que já conhecem.
Segundo Dauchez, os caminhos se fecham então para que artistas novos e
experimentais possam divulgar as suas músicas.
"Se o streaming é para
ser algo sustentável, devemos todos trabalhar para que este serviço possibilite
ao usuário a descobrir coisas novas", disse Dauchez. No entanto, antes que
os internautas descubram novas músicas nos exclusivos serviços de streaming, é
preciso pagar as taxas. Quantos desses usuários estarão dispostos a pagar tais
assinaturas será, nos próximos anos, uma questão chave para a indústria
musical.