Cartaz do documentário norte-americano "Blackfish" (2013), de Gabriela Coperthwaite, que revela a crueldade no tratamento de baleias e orcas para exibições públicas, principalmente no parque Seaworld. O documentário é apontado para o Oscar 2014 e foi aplaudido no Festival Sundance
Documentário de US$ 76 mil atinge reputação dos
parques SeaWorld
Da Folha de São Paulo
Pode
um documentário orçado em US$ 76 mil colocar na berlinda uma empresa avaliada
em US$ 2,5 bilhões? A resposta é sim.
Nos
EUA, a estreia de "Blackfish - Fúria Animal", dirigido por Gabriela
Cowperthwaite, atingiu em cheio a reputação do SeaWorld, conjunto de 11 parques
temáticos com filiais em cidades como San Diego (Califórnia), Orlando (Flórida)
e San Antonio (Texas), que completarão 50 anos no dia 21 de março.
A
repercussão do documentário levou ao menos 150 pessoas que se opõem ao
confinamento de mamíferos marinhos a protestaram durante participação do
SeaWorld no evento anual Rose Parede, em Los Angeles, no dia 1º de janeiro –19
ativistas foram presos. Ao menos nove artistas, entre eles o norte-americano
Willie Nelson, cancelaram os shows que fariam nos parques do SeaWorld após
verem o documentário. Páginas criadas no Facebook inflam o coro de vozes que
pedem boicote ao parque.
Em
seu site, a diretora Cowperthwaite, documentarista norte-americana e filha de
brasileiros, afirma que "a ideia não era fazer algo contra o
SeaWorld".
Ela
usou no filme a narrativa de antigos treinadores de orcas e golfinhos para
condenar os shows de cetáceos. Mas, na verdade, as exibições já estavam fazendo
água desde que, em 2010, a treinadora Dawn Bracheau foi arrastada, em Orlando,
pela orca macho Tilikum para o fundo de um tanque e morreu diante de uma
plateia estupefata.
No Brasil, coincidindo com o
aniversário de 50 anos do SeaWorld, "Blackfish - Fúria Animal" será
lançado pela Universal Pictures no dia 21 de março em DVD e Blu-ray.
Internacionalmente, o SeaWorld acusa o documentário de "não dar um
tratamento justo e equilibrado a um assunto complexo" e de ser
"impreciso e enganoso". Produção modesta, o filme de Cowperthwaite já
arrecadou US$ 2 milhões em bilheteria.
Assista o triller oficial
SOB NOVA DIREÇÃO
Em
2013, mesmo com uma queda inédita de 6% no número de visitantes, os parques do
SeaWorld receberam 25 milhões de pessoas.
Fundada
em 1964, ano em que recebeu 400.000 visitantes, a companhia SeaWorld Parks and
Entertainment pertencia ao grupo cervejeiro Anheuser-Bush, fabricante da
Budweiser.
Mudou
de mãos depois que a belgo-brasileira AB InBev entrou em cena em 2008.
No
ano seguinte, 2009, o SeaWorld foi vendido para o megagrupo investidor
Blackstone, empresa de private-equity sediada em Nova York.
A
Blackstone também é acionista de outros parques temáticos, como o Universal
Studios de Orlando, a Legoland, os museus de cera Madame Tussaud e explora a
roda-gigante London Eye.
Em
2013, a Blackstone realizou um lançamento de ações em bolsa ("IPO",
na sigla em inglês) para capitalizar o SeaWorld, realizando a quantia de US$
702 milhões.
O
fechamento da receita dos megaparques referente ao ano passado é previsto em
US$ 1,4 bilhão. Até 2012, a empresa tinha capital fechado e não divulgava
resultados.
NOVA PERCEPÇÃO
O
momento da bem-sucedida capitalização em bolsa quase coincidiu com o lançamento
do documentário "Blackfish - Fúria Animal" nos EUA.
Para
ativistas como o norte-americano Ric O'Barry, que treinou os golfinhos usados
nos anos 1960 pela série televisiva "Flipper" –e que, depois, mudou
de lado, se transformando num crítico do confinamento desses mamíferos marinhos
em shows– a tragédia que ocorreu com
Dawn Bracheau não é caso isolado.
Do
ponto de vista das regras de captura dos cetáceos para atuarem em espetáculos,
muita coisa já mudou.
O
SeaWorld se diz comprometido com a proteção e a reprodução de espécies, afirma
que resgata da natureza animais doentes e qualifica seus shows de educativos.
Pouco
convencidos do escopo científico e ético dos parques, ativistas mais radicais
como O'Barry, fundador do instituto conservacionista The Dolphin Project,
clamam pelo esvaziamento imediato dos tanques com mamíferos marinhos nos EUA e
no mundo todo.
No
Brasil, por força da lei 7.643, de 1987, "a pena para quem molesta
cetáceos em águas jurisdicionais brasileiras é de dois a cinco anos de
reclusão." O Ibama pode, em tese, autorizar que animais nascidos em
cativeiro participem de exibições públicas, muito embora não ocorram shows
semelhantes aos do SeaWorld no país.
CONTRADIÇÕES
Peixe
fora d'água, curiosamente a organização ambientalista Peta (ou Pessoas pelo
Tratamento Ético dos Animais) investiu US$ 2.273,70 no SeaWorld em 2013.
E,
ao adquirir ações, passou a integrar o conselho de acionistas e a opinar
criticamente na gestão da empresa.
A
Peta, que participou do ato em Los Angeles no primeiro dia deste ano, tem
advogado pela soltura da orca Corky, mantida em cativeiro pelo SeaWorld há 44
anos.
No
seu site oficial, a Peta explica a entrada na sociedade que controla a empresa:
"compramos o menor número de ações necessárias para ter o direito de
participar e falar nos encontros anuais e para submeter os demais acionistas
sobre mudanças de política".
Olhando
em perspectiva, o lançamento do documentário "Blackfish - Fúria
Animal" tem operado uma mudança de percepção na opinião pública
norte-americana.
Em
última análise, o filme tem levado as pessoas a refletirem o quanto
organizações como aquários e zoológicos têm condições ou legitimidade para
manter e exibir grandes animais selvagens, ainda que eles não sejam treinados
para dar piruetas, dançar ou entreter o público com macaquices ensaiadas em
troca de comida, como é o caso nos shows de cetáceos exibidos pelo SeaWorld.