De líder estudantil a camareiro de
hotel; a 'mudança' de um bengali para o Brasil
Mariana Della
Barba, da BBC Brasil
"Depois que eles me ameaçaram com uma arma, eu
disse: 'Chega'. Sentei com a minha família e decidimos que eu precisava fugir
de Bangladesh. E rápido. Tentei visto para a Alemanha e para a Noruega, mas não
consegui. Fiquei sabendo de um agente que me levaria em poucos dias para o
Brasil por US$ 10 mil. Paguei US$ 5 mil adiantado, me despedi de todos e
embarquei com ele em um avião."
Assim começou a jornada de Faruk Hussain, administrador e
líder estudantil de 25 anos, para deixar Daca (capital de Bangladesh) e tentar
uma vida no Brasil. Leia o depoimento que o bengali deu à BBC Brasil, por
telefone, de Brasília, onde vive atualmente.
"Eu era ligado ao movimento político e estudantil
havia muito anos, então tinha uma certa influência nessa área lá em Daca. Mas
homens ligados ao partido (governista) Awami não gostavam dessa minha posição
política, porque eu sou ligado à oposição. Então eles começaram a me perseguir.
A maioria deles é viciada em drogas, o que só piorava minha situação.
Um dia, estava de moto e me pararam. Me levaram para uma
área meio deserta e encostaram uma arma em mim. No final, eles roubaram minha
moto, não sem antes fazerem muitas ameaças. Então, vi o quanto era sério e tive
de fugir.
Todo mundo me pergunta por que eu atravessei meio mundo e
vim parar no Brasil, por que eu não poderia fugir para um país mais perto de
casa. Mas não teria com eu ir para nenhum país próximo a Bangladesh. No Oriente
Médio, você pode ser baleado ao tentar entrar em alguns países sem visto. Para
um bengali também é muito difícil entrar e permanecer na Europa.
Já no Brasil tudo mundo me falava que era, sim, possível.
Então, eu me agarrei nessa certeza e paguei o agente.
Para chegar aqui, primeiro passei pelo Peru e depois pela
Bolívia. Ninguém me pediu visto, ninguém me fez nenhuma pergunta sequer. O
agente que estava comigo dava dinheiro para os oficiais nos aeroportos e pronto”.
Na Bolívia, ele pagou US$ 75 e pronto, o cara carimbou meu passaporte.
Perigo na Amazônia
O trajeto de avião até a Bolívia, via Peru, até que foi
simples. O problema começou depois. Do aeroporto de Santa Cruz (Bolívia),
pegamos um ônibus até a fronteira com o Brasil. Lá, o tal agente roubou todo o
meu dinheiro e me entregou para um outro cara, que me obrigou a entrar na
selva.
Cada vez que eu tentava reclamar, dizer que não era esse
o trato ou dizer que estava havia dois dias sem comer, ele me batia ou me
chutava. Isso no meio da Amazônia. Foi muito difícil essa travessia, muito
perigoso, não gosto muito de lembrar.
Refúgio
x Residência
Juntamente com Faruk Hussain, mais de 4 mil estrangeiros
tiveram sua situação regularizada pelo governo brasileiro. Todos eles haviam
entrado com pedido de refúgio e estavam aguardando uma resposta. No entanto, o
governo entendeu que eles não apresentavam os requisitos necessários para se
enquadrarem como refugiados, mas optou por regulamentar a situação (evitando
que fossem extraditados) lhes concedendo a residência permanente no país.
Em relação à reclamação de Hussain sobre não haver prazos
para a entrega da residência, o Ministério do Trabalho informou que esse
processo leva em média 6 meses devido ao grande volume de pedidos e é um
período em que é feita a análise do histórico do estrangeiro.
Chegando em Corumbá, ele me botou num ônibus para
Brasília. Cheguei sem falar nada de português e não conseguia achar ninguém que
falasse inglês. Mas encontrei um taxista que entendeu que eu queria chegar no
bairro de Samambaia, onde sabia que teria outros bengalis e eles poderiam pagar
a corrida.
Chegando lá, realmente encontramos um grupo de bengalis e
eles pagaram a corrida. Mas em seguida eles pegaram meu passaporte e cobraram
outros US$ 2 mil para me conseguir o visto. Eu não tinha o que fazer, não
conhecia ninguém.
Mas outras pessoas que estavam nessa casa comigo, na
mesma situação, resolveram chamar a polícia. E então fomos ajudados pela irmã
Rosita (Milese, diretora do Instituto de Migrações e Direitos Humanos - IMDH).
Devo tudo a ela.
Emprego
Depois disso as coisas começaram a melhorar. Eu entrei
oficialmente com um pedido de refúgio ao governo brasileiro. E pouco depois,
comecei a fazer aula de português na UnB (Universidade Federal de Brasília) e
arrumei um trabalho como camareiro em um hotel.
É um ótimo emprego, mas eu não conto para minha família
que trabalho como camareiro. Eu sou formado, fiz faculdade de negócios e
administração, tinha um bom emprego em Daca, na minha área. Então, é
complicado. Quando ligo para minha mãe, falo só que trabalho em um hotel e que
é um bom emprego para mim, não entro em detalhes.
Eu acho que vou arranjar em emprego melhor em breve,
talvez no hotel mesmo, mas em outro cargo. Eu já achava isso, mas depois que
tive a notícia da residência, passei a ter certeza.
Em dezembro, fiquei sabendo que minha situação seria
regulamentada pelo governo e eu ganharia residência permanente. Até participei
de um encontro em que fui cumprimentado pelo ministro (do Trabalho e Emprego,
Manoel Dias).
Eu já podia trabalhar somente com o protocolo temporário,
que recebi quando fiz o pedido de refúgio. Mas com essa residência - e com as
aulas de português - posso consegui um cargo melhor.
Mas apesar da cerimônia com o ministro, ainda não recebi
nenhuma previsão de quando vou ter o documento na mão e poder viver no Brasil
permanentemente. O governo simplesmente não me dá nenhum prazo. Muitos estrangeiros
ficam esperando, sem ter nenhuma ideia de quando vão receber a residência.
Mas enquanto eu espero, vou aproveitando minha vida no
Brasil, que é muito boa. Não quero mais voltar. Vou construir minha vida aqui
agora. E vou matando a saudade de Bangladesh experimentando de tudo que vem da
cozinha brasileira. Sei que é difícil acreditar, mas a comida aqui é muito
parecida com a que comia em casa. Quer dizer, aqui é minha casa agora."