A informação sobre a matéria e
a energia estaria prisioneira apenas de forma temporária, e poderia emergir
depois, embora de forma caótica
Do El Pais
O físico Stephen Hawking concede entrevista coletiva à imprensa
galega no Hotel Porta do Camiño, durante sua visita a Santiago da Compostela. / ANDRES FRAGA
Stephen Hawking e os buracos negros estão
indissoluvelmente ligados. Não é que ele os tenha descoberto, nada disso, mas
suas pesquisas e importantes contribuições sobre esses exóticos objetos
previstos teoricamente e detectados (por seus efeitos) no universo remontam a
trabalhos cruciais feitos há mais de quatro décadas. Agora, porém, ele afirma
que os buracos negros não existem, pelo menos não como se entendem
habitualmente. Nesta semana ele apresentou um artigo, uma pré-publicação que
ainda não passou pelo processo normal de revisão científica, mas que
imediatamente ganhou notoriedade. Assina-o sozinho, tem quatro páginas (uma de
apresentação, duas de argumentos e a última de referências) e recebeu um título
estranho:Conservação
da Informação e Previsão Meteorológica para os Buracos Negros. Os
físicos habitualmente apresentam seus artigos no site arXiv, onde são públicos,
antes de submetê-los ao processo de avaliação por pares, algo obrigatório para
a sua publicação oficial.
Um buraco negro, em princípio, é algo
simples: um lugar em que a matéria e a energia são tão densas que sua gravidade
curva o espaço-tempo, a ponto de que nada, nem mesmo a luz, pode escapar. Mas
além disso, dadas as suas condições extremas, trata-se de um campo de provas
predileto dos físicos teóricos para explorarem suas conjecturas.
O ponto crítico dos buracos negros que
Hawking agora ataca é o denominado “horizonte de acontecimentos”, essa
fronteira a partir da qual nada pode escapar da atração gravitacional, nem a
luz. “Não há saída de um buraco negro na teoria clássica, mas a teoria quântica
permite que a energia e a informação escapem dele”, explicou o próprio Hawking
à revista Nature,
que informa em sua seção de notícias on-line sobre esse último artigo do
célebre físico britânico. Para explicar todo o processo, seria necessário obter
finalmente a plena integração, sob uma teoria única, da gravidade com as outras
duas forças fundamentais da natureza (ou seja, a relatividade geral, que rege o
universo macroscópico, e a mecânica quântica, que rege o mundo subatômico),
reconhece o cientista. Mas essa fusão há muito tempo desafia os esforços dos
físicos, e, por enquanto, “o tratamento correto continua sendo um mistério”,
acrescenta Hawking.
Em seu novo artigo, ele propõe que não
há um horizonte de acontecimentos em torno do buraco negro, e sim um horizonte
aparente, que “aprisiona a matéria e a energia apenas temporariamente, antes de
emiti-la de novo, embora de forma caótica”, relata Zeeya Merali naNature.
A ideia de Hawking é que os efeitos quânticos ao redor do buraco negro provocam
flutuações muito violentas para que essa fronteira definida possa existir.
O horizonte de acontecimentos,
consequência direta da Teoria da Relatividade de Einstein, é a superfície ao
redor do buraco negro que não pode ser superada por nada que esteja apanhado
dentro dele, nem sequer a luz, razão pela qual nenhuma informação poderia sair
de lá. Segundo a teoria clássica, num famoso experimento teórico um astronauta
que caísse em um buraco negro atravessaria o horizonte de acontecimentos sem notar
nada de especial, e a partir daí ficaria inicialmente esticado como um
espaguete (a enorme atração gravitacional é maior nos seus pés do que na
cabeça), para então acabar completamente esmagado no núcleo imensamente denso
do buraco.
Mas, há alguns anos, o físico Joseph
Polchinski alterou esse cenário propondo em troca um muro de fogo: segundo a
teoria quântica, o horizonte de acontecimentos é na realidade uma região de
energia muito alta, em que o astronauta acabaria torrado. Isso pressupõe um
desafio à relatividade, recorda Merali na Nature,
já que, segundo a teoria einsteiniana, o horizonte de acontecimentos do buraco
negro “deveria passar despercebido” para o astronauta em queda. A alternativa
que Hawking propõe, respeitando tanto a relatividade como a teoria quântica, é
que os efeitos quânticos ao redor do buraco negro provocam uma violenta
flutuação do espaço-tempo, o que impede a existência de uma fronteira bem
definida, descartando assim o muro de fogo.
O horizonte aparente, que a luz não
consegue superar para emergir do buraco negro, prossegue Merali, e o horizonte
de acontecimentos seriam idênticos em um buraco negro que não variasse. Mas, se
o buraco negro vai tragando mais material, o horizonte de acontecimentos cresce
e se torna maior do que o aparente. Além disso, com a famosa radiação Hawking,
proposta há quatro décadas, o buraco negro pode encolher, e o horizonte de
acontecimentos seria menor que o aparente. Essa variação permitiria, na teoria,
que a luz escape do buraco.
O físico britânico sugere que a
fronteira real é o horizonte aparente, e que “a ausência de um horizonte de
acontecimentos significa que não há buracos negros […] no sentido de regimes
dos quais a luz não pode jamais escapar”, embora ele não especifique como esse
horizonte de acontecimentos pode desaparecer.
“A ideia de um horizonte aparente não é
completamente nova”, observa Jacob Aron na New Scientist.
Ele e Roger Penrose, recorda, já utilizaram a relatividade geral para
demonstrar que os dois horizontes eram idênticos. Agora, “nesse último artigo
seu, [Hawking] está propondo que a mecânica quântica pode revelar que eles são
diferentes”. Mas essa não é a maior novidade do seu último trabalho, considera
Aron, e sim “a tentativa de utilizar essas ideias para resolver a paradoxo do
muro de fogo: ao eliminar o horizonte de acontecimentos, mata-se também esse
muro de fogo”. E isso significa que desaparece também a consequência óbvia do
mesmo, a saber, que a informação não pode emergir de maneira alguma do sumidouro
negro, porque o muro de fogo a destrói.
Assim, Hawking dá uma oportunidade para
que a informação escape da matéria aprisionada no buraco negro. Mas com
limitações: “A estrutura de um buraco negro imediatamente por baixo do
horizonte é caótica, o que dificulta a compreensão da informação que possa sair
dele, em outras palavras, a informação se perde, no sentido de que seria quase
impossível interpretá-la, mas não está destruída”, afirma Aron. É como a
previsão meteorológica – daí o título do artigo do físico britânico –, porque
“não se pode predizer o tempo senão com alguns poucos dias de antecedência”.
Don Page, especialista em buracos
negros da Universidade de Alberta, no Canadá, observa na Nature que o
caos da informação no buraco negro é tal que tentar interpretá-la após sua
saída seria pior do que tentar reconstruir um livro queimado a partir de suas
cinzas.
O breve artigo do Hawking não inclui
cálculos, salienta Aron, “o que torna difícil tirar conclusões sólidas”. A nova
ideia será estudada e discutida, e inclusive pode ser que o físico britânico
faça alguma nova aposta com seus colegas, como já fez no passado – e às vezes
perdeu –a respeito de questões profundas da física teórica. O que está claro é
que nem a gravíssima incapacidade física da qual sofre nem seus 72 anos
recém-completados comprometem a mente desse grande cientista.
Com uma clara alusão ao seu famoso livro de física Uma Breve História do Tempo: do Big
Bang aos Buracos Negros (1988),
Stephen Hawking escreveu recentemente sua autobiografia com o título de Minha Breve História (Editora Intrínseca). O livro reúne suas recordações da
infância na Londres do pós-guerra, seus estudos, seu trabalho e sua evolução
intelectual, tudo isso salpicado de fotografias inéditas ou pouco conhecidas
desse homem que não se rende nunca.
Ele acaba de completar 72 anos e continua trabalhando em
sua adorada física teórica. Ocupou, até 2009, a cátedra Lucasiana de Matemática
na Universidade de Cambridge (Reino Unido) e já escreveu ao longo de sua vida
numerosos livros de divulgação, além de importantes trabalhos científicos.
Com 21 anos, Hawking foi diagnosticado com uma grave
doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, que lhe provocou uma
paralisia muscular progressiva. Apesar de a expectativa de vida de quem tem
essa enfermidade ser geralmente de poucos anos, o cientista britânico
sobreviveu, mesmo sofrendo problemas de saúde devastadores, como a traqueotomia
que salvou sua vida em 1985, mas o deixou sem fala. A perspectiva de morrer
cedo, recorda Hawking agora em seu livro, o impulsionou para o desafio
intelectual.
“Hawking escreve de uma maneira comovedora”, escreveu o Financial Times sobre a autobiografia, salpicada de
curiosidades de sua vida. “Nessa obra podemos escutar como sua voz é irradiada
diretamente do buraco negro de sua doença, sem a amplificação e o detalhamento
que acrescentavam os coautores com os quais escreveu seus últimos livros.”