Balanço da ONG Global Witness mostra que 20% dos assassinatos de defensoras e defensores do meio ambiente nos últimos dez anos ocorreram no Brasil. Foram 26 mortes somente em 2021.
O Brasil é o líder em
assassinatos de ambientalistas no mundo na última década. Das 1.733 mortes de
defensores e defensoras do meio ambiente registradas no globo no período de
2012 a 2021, 342 ocorreram no país − quase 20% do total.
Os dados são da Global
Witness, ONG sediada no Reino Unido que monitora a situação de pessoas que são
mortas por protegerem seus territórios e recursos naturais. O balanço,
divulgado nesta quinta-feira (29/09), faz parte do relatório anual publicado
desde 2012.
Segundo o levantamento, mais
de 85% dos assassinatos no período aconteceram na Amazônia. A maior parte das
vítimas eram indígenas ou negros.
"Isso diz muito sobre a
situação dos defensores ambientais no Brasil, sobre a situação de violência à
qual estão expostos", comenta Marina Comandulli, brasileira que integra a
equipe da Global Witness, em entrevista à DW Brasil.
Como a Amazônia virou terra
sem lei
Ao longo da década, o
aumento da pressão sobre os recursos naturais e o desmantelamento de
instituições brasileiras que atuam na área de direitos humanos podem ter
influenciado o país a obter essa triste marca internacional, acrescenta.
Depois do Brasil, Colômbia
(com 322 mortes), Filipinas (270) e México (154) são os países considerados
mais violentos para ambientalistas na última década.
A situação, no entanto, pode
ser pior do que a relatada. "Os dados sobre assassinatos não captam a
verdadeira escala do problema. Dentro de alguns países, a situação dos
defensores é difícil de avaliar, com restrições à liberdade de imprensa e a
falta de monitoramento independente que geralmente leva à subnotificação",
alerta a ONG.
Tarefa que custa vidas no
Brasil
No Brasil, a principal fonte
de informação é a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O órgão monitora a
violência no campo há décadas e, desde 1985, divulga seu levantamento anual ao
grande público.
Ronilson Costa, da
coordenação nacional da CPT, vê relações da grave situação brasileira com um
contexto mais global. "A lógica internacional da divisão do trabalho
colocou o país na posição de um mero produtor de commodities, principalmente
agrícolas e minerárias. São setores que exigem contínua expansão de terras. E
essa expansão ocorre sobre territórios que já estão ocupados há séculos",
analisa Costa.
É em nome dessa disputa de
terras que, de repente, comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas
passam a ser seriamente ameaçadas, como demonstram diversos casos coletados ao
longo dos anos pela CPT.
Entre eles estão as mortes
de Maria José Rodrigues, de 78 anos, e do filho, José do Carmo Correa Junior.
Eles foram esmagados por uma palmeira derrubada por um trator enquanto
coletavam coco de babaçu em Penalva, Maranhão, em novembro de 2021. O tratorista
desmatava uma área já assegurada para a comunidade tradicional, mas que sofria
invasão a mando de um fazendeiro que, conforme denúncia dos moradores,
pretendia plantar capim no terreno.
"No geral, as
comunidades resistem a essas invasões porque veem seus modos de vida, a relação
com o meio ambiente e seus territórios ameaçados. É terrível pensar que seja
tão perigoso defender a terra, a vida, o meio ambiente, que isso se torna uma
tarefa que custa a vida de alguém", lamenta Costa.
O enfraquecimento pelo
governo de Jair Bolsonaro dos órgãos de fiscalização ambiental e defesa de
direitos humanos nos últimos quatro anos, como Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional do Índio (Funai), aponta a CPT,
agravou o cenário. "A ausência do Estado virou um prato cheio para os
criminosos", adiciona.
América Latina violenta
O relatório anual de 2021
mostra que o México foi o país mais letal, com 54 mortes. Segundo o
monitoramento, a violência tem aumentado na região nos últimos anos com
desaparecimentos forçados e chacinas, principalmente vitimando populações
indígenas.
A Colômbia, segunda colocada
do ano passado, registrou 33 assassinatos e se manteve como um dos países mais
violentos do globo na última década. O cenário persiste mesmo depois da
assinatura do acordo de paz com as Forças Revolucionárias da Colômbia, Farc, em
2016, que pôs fim a 50 anos de conflitos.
No Brasil, terceiro no
ranking em 2021, os registros mostram aumento das mortes de 20 para 26 em
relação ao ano anterior.
"A América Latina tem
números assustadores. A região é responsável por três quartos dos números que
compõem o relatório. Isso mostra que é uma região problemática", analisa
Comandulli.
Dentre as hipóteses que
poderiam explicar essa característica, estão o fato de que na região, rica em
recursos naturais, reservas de interesse de grandes empresas estão em terras
indígenas, territórios ocupados por comunidades tradicionais e agricultores
familiares.
"Nós vemos que as
empresas tentam expulsar essas pessoas. Há ainda a corrupção nos países, em que
empresas acabam se beneficiando por desenvolverem vínculos com políticos. E,
claro, a impunidade. Isso manda uma mensagem para os criminosos de que podem
continuar atuando porque não tem punição", comenta Comandulli.
Um levantamento da CPT ainda
em fase de apuração mostra que, desde 1985, dos 1.536 assassinatos no campo
registrados pela entidade, apenas 47 foram a julgamento. Desses, 39 mandantes e
139 executores foram condenados. "A impunidade é um prêmio para executores",
lamenta Costa.
Empresas devem adotar
medidas
Para a Global Witness,
empresas em todo o mundo devem agir para coibir as mortes e ameaças a
defensores do meio ambiente. Dentre as recomendações estão a implementação de
mecanismos que previnam a violação de direitos humanos e ambientais.
"As políticas das
empresa devem incluir explicitamente protocolos para salvaguardar os direitos
dos defensores da terra e do meio ambiente", pontua o relatório.
Nessa direção, um projeto de
lei em discussão na União Europeia (UE) quer que as companhias que atuam no
continente sejam mais rigorosas ao avaliar os impactos de suas atividades nas
pessoas e no planeta. Se aprovada, a legislação exigirá que as empresas operando
na UE identifiquem e previnam tais violações, com possibilidade de elas serem
penalizadas pelos tribunais em caso de descumprimento.
DW
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