Os países que formam o continente africano são o berço de conhecimentos difundidos pelo mundo. A agronomia, a astronomia, a matemática, a engenharia e a escrita são exemplos de técnicas e sabedorias surgidas no continente e que revelam o pioneirismo de sua população.
Nos dias atuais, estão na África grandes inovações
tecnológicas como trem-bala, mochila que gera luz, robôs para atendimento
médico, startups, sondas espaciais e um dos primeiros sistemas de
microfinanciamento e transferência de dinheiro via telefone no mundo. Os
destaques também estão na área da cultura e do entretenimento. A indústria
cinematográfica da Nigéria, apelidada de "Nollywood", é a terceira
maior do mundo em número de produções.
De acordo com o mestre em História Social e doutorando
pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Machado,
a mídia é uma das responsáveis por fazer com que os brasileiros se tornem
ignorantes em relação à própria história.
“Foi construída uma narrativa sobre a gente de que a
nossa história começa na escravidão e isso ainda está muito forte na
mentalidade de muitas pessoas aqui no Brasil. É importante trazer para as novas
gerações e também as mais velhas que a nossa história é muito mais antiga”,
destaca o autor do livro "Gênios da Humanidade - Ciência, Tecnologia e
Inovação Africana e Afrodescendente", da editora DBA.
Segundo o professor, há um interesse político e
econômico das nações desenvolvidas em evitar que países em desenvolvimento se
agreguem em blocos.
“A união de
países do Sul do Globo, sobretudo do Brasil com os países africanos, seria uma
grande ameaça para a União Europeia e os EUA. Por isso, criou-se esse mito de
que a África é uma região atrasada”, pondera o professor.
Berço da inteligência
Há mais de cinco mil anos, as pirâmides do Egito eram
construídas com milhões de blocos gigantes de calcário e granito com uma
tecnologia avançada. Os povos do Nilo, no Antigo Egito, detiveram o pioneirismo
no sistema de escrita paralelamente aos sumérios da antiga Mesopotâmia. O
registro da história egípcia por meio dos hieróglifos remonta há seis mil anos.
O continente africano também abriga grandes gênios,
como o cientista da computação nigeriano Phillip Emeagwali, eleito um dos
maiores africanos de todos os tempos. Emeagwali foi responsável por conectar,
em 1998, cerca de 65 mil computadores por meio da internet, gerando uma máquina
capaz de realizar bilhões de cálculos por segundo.
O potencial de desenvolvimento tecnológico e as
invenções que já fazem parte da realidade das pessoas são os assuntos tratados
nos canais do Instagram "Eu Afro", e do Youtube , "Sou
Afro", ambos do pesquisador angolano Rui Júnior, que mora no Rio de
Janeiro. Os links e vídeos postados pelo angolano nos dois canais, onde possui
quase 100 mil seguidores, mostram dados e inovações para, nas palavras dele,
provocar reflexões sobre “realidade e percepção” no que diz respeito à
tecnologia na África.
Maior
acesso à internet
Atualmente, no setor tecnológico, a maior conexão à
internet de pessoas do continente propiciou que novos investimentos e avanços
fossem criados. Segundo a ONU, a África tem 11,5% do total de usuários mundiais
da internet.
O cientista da computação angolano Balduino Artur
explica que, em Angola, apesar de haver muito ainda a avançar, já é notório o
maior acesso da população à internet, algo que não era comum há cerca de 10
anos.
“As pessoas não
tinham muito essa opção de ter um saldo de dados nos celulares. A recarga no
celular era só para ligação, não tinha conexão à Internet. Há oito anos, você
tinha que se deslocar em várias partes da cidade de Luanda, capital, para se
conectar ao wi-fi e depois as pessoas começaram a ter acesso a isso a partir do
celular mesmo com crédito de dados”, explica.
De acordo com Balduino, essa maior conexão abriu
espaços para novidades. Com o exemplo de referências globais de startups, em
Angola surgiram aplicativos e plataformas online como o Tupuca, em que o
usuário consegue fazer pedidos de alimentos e em outras lojas disponíveis na
ferramenta para entregas a domicílio.
As inovações no setor tecnológico no país também geram
mais oportunidades de empregos. “Até mesmo a questão de você solicitar um
serviço do Tupuca, que faz entrega, para você levar o item até essa pessoa,
gera algum emprego, pessoas para darem manutenção naquele aplicativo”, detalha
o cientista.
Balduíno também destaca que essas novidades no âmbito
tecnológico aumentam a demanda por mais pessoas capacitadas para exercerem as
profissões dessa área. “Sempre quando acaba surgindo alguma tecnologia e algum
produto novo, isso demanda a necessidade de manutenção, de pessoas com conhecimento
sobre a ferramenta, que fizeram curso de capacitação”, afirma.
De acordo com ele, o governo de Angola investe muito
dinheiro em bolsas de estudos para estudantes cursarem faculdades com melhores
estruturas fora do país e se capacitarem. “Hoje o governo começa a ter essa
noção do poder da tecnologia, o que ela pode agregar na sociedade para o
desenvolvimento. O país vem tendo essa visão de que o futuro, muitas vezes,
passa pela educação”, complementa.
Ruanda é o país que mais se destaca em investir na capacitação
de sua população com a construção de universidades e centros de desenvolvimento
tecnológico. De acordo com Opai Bigbig, historiador, músico da banda Dois
Africanos e conhecido como BIG, a tecnologia foi colocada no centro das
atenções do país no momento de reconstrução após a destruição causada pelo
genocídio de 1994, uma guerra civil motivada por um conflito étnico que fez
quase um milhões de vítimas.
“O investimento no setor de tecnologia pelo governo é
grande, com uma universidade altamente equipada, aliada ao financiamento de
projetos. Hoje, Ruanda é um modelo para vários países africanos”, finaliza.
Inovações
pelo continente
O investimento em uma capacitação e educação propicia
o surgimento de inovações que buscam diminuir as desigualdades sociais
encontradas nos países. Na África do Sul, os empreendedores da empresa Rethaka,
Reabetswe Ngwane e Thato Kgatlhanye, desenvolveram a mochila escolar
"Repurpose Schoolbags", que gera luz a partir da energia solar.
Por meio de sacolas de plástico recicladas, eles
constroem as mochilas com painéis solares que podem ser recarregadas enquanto
as crianças estão estudando. Na volta para casa, a mochila pode auxiliar os
alunos a andarem nas ruas escuras e a fazerem a lição durante à noite em suas comunidades
que ainda não têm acesso à energia elétrica.
A iniciativa recebeu o Prêmio Anzhisha para os jovens
africanos que desenvolveram soluções inovadoras para problemas sociais ou que
iniciaram empresas bem-sucedidas em seus territórios.
Durante a pandemia de Covid-19, o Egito se destacou ao
inovar levando robôs que atendem os pacientes, fazem testagem do vírus e uma
série de tarefas médicas incluindo exames de sangue e raios-x. Dessa forma, os
robôs auxiliam os médicos a se manterem protegidos da contaminação pelo novo
coronavírus.
“Ao contrário do clichê generalista sobre o continente
africano, que tem a fama de ser um lugar inativo nas inovações e invenções
tecnológicas, a África tem também um papel central na aquisição, produção e
aplicação de conhecimentos ligados à inovação tecnológica. As áreas mais
tocadas são da telecomunicação, transporte, saúde, e agricultura”, destaca o
historiador e músico BIG.
Um dos avanços citados por ele é o M-Pesa, criado em
2007 no Quênia e um dos primeiros sistemas de microfinanciamento e
transferência de dinheiro via telefone no setor bancário do mundo. Hoje o
sistema é usado em diversas localidades como Índia, Leste Europeu, África do
Sul e Romênia. Em 2019, a ferramenta foi classificada entre os 10 projetos financeiros
mais influentes dos últimos 50 anos pela Project Management Institute (PMI).
Negros
e negras da diáspora
Os descendentes da diáspora negra africana que
nasceram nas Américas também são responsáveis por grandes invenções
tecnológicas. O engenheiro eletrônico Gerald Lawson, nascido nos EUA, inventou
o primeiro videogame, o Channel F, para uso doméstico já com cartuchos
intercambiáveis no começo dos anos 70. Também nos EUA, em 1961, o engenheiro
eletrônico Otis Boykin patenteou um resistor eletrônico revolucionário que foi
usado para a criação do marca-passo.
O cientista espacial Cheick Modibo Diarra, nasceu no Mali,
e foi trabalhar no laboratório de desenvolvimento de propulsores da NASA
(Agência Espacial dos EUA), nos anos 80, e liderou missões de exploração com
sondas espaciais para observações em Vênus (de 1989 a 1994), em Júpiter (1989 a
2003) e nos pólos do Sol (1990 a 2009).
No Brasil, nas décadas de 40, 50 e 60 do século 19, a
engenheira civil Enedina Alves Marques foi responsável pelo plano hidrelétrico
do Estado do Paraná, incluindo a Usina Capivari. Foi a primeira mulher negra
engenheira do Brasil, ao se formar na Faculdade de Engenharia do Paraná, onde
entrou no final de 1939.
Fernanda
Rosário e Juca Guimarães, Alma Preta, Yahoo notícias
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