O
maior experimento já projetado para medir a resposta da floresta amazônica à
mudança climática chegou quase a ser cancelado por falta de recursos, mas após
uma injeção de R$ 19 milhões doados pelo governo britânico (£2,5m) será
retomado neste ano em sua forma mais ambiciosa. Após uma espera de sete anos, o
Amazon Face deve começar em 2021 a construção de torres gigantes que vão bombear
CO2 sobre a floresta e observar como as árvores reagem.
O anúncio foi feito em um evento do governo britânico
na COP26
Coordenado pelo ecólogo David Lapola, da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), o projeto foi lançado originalmente em
2014, mas apesar das promessas de patrocínio nunca chegou a sair do papel como
havia sido idealizado. Agora, em colaboração com o INPA, a universidade
conseguiu recursos.
A ideia básica do experimento é simular condições
futuras da mata para entender como a floresta vai se comportar em termos de
absorção de carbono, um papel de regulação climática fundamental que a Amazônia
providencia para o planeta. Ao bombear mais CO2 sobre uma parcela de floresta e
medir o crescimento das árvores, os cientistas conseguirão medir se as árvores
conseguirão absorver uma parcela maior de carbono.
Caso exista um nível de saturamento para o quanto a floresta
consegue absorver, isso vai consistir em uma má notícia para o mundo, porque a
Amazônia terá uma capacidade menor de ajudar na regulação do ciclo global de
carbono, como faz hoje.
Hoje as projeções usadas pelo do IPCC, painel do clima
da ONU, indicam que se o planeta reduzir as emissões de CO2 a zero até 2050, o
aquecimento global pode ser contido a um acréscimo de 1,5°C antes do fim do
século. Essa estimativa, porém, possui uma grande margem de erro, e essa
temperatura pode variar na prática entre 1,0°C e 2,0°C. As variação parece
pequena mas se traduziria numa diferença gigantesca em termos de impactos da
mudança climática.
— Uma das principais incertezas hoje é o tamanho do
orçamento de carbono que podemos emitir para impedir a terra de aquecer 1.5°C,
e dentro dessa incerteza um dos principais componentes é o volume de carbono
que será absorvido por florestas tropicais no futuro, em resposta ao aumento do
CO2 atmosférico — diz Andrew Wiltshire, cientista britânico do Met Office,
centro britânico de climatologia que será parceiro dos brasileiros no projeto.
— Por isso eu considero o Amazon Face um
experimento-chave, de importância internacional — completa.
Há indícios hoje, baseados em observações de árvores
medidas por botânicos em expedições de campo, de que o aumento da concentração
de CO2 não está beneficiando as árvores tanto quanto se esperava. Como o
carbono atmosférico é o principal alimento das plantas, mais CO2 em princípio
as permitiria crescer mais. Mas o ciclo de nutrientes em florestas úmidas é
complexo e não permite fazer inferências diretas, dizem os pesquisadores.
Durante os anos em que o projeto Amazon Face ficou sem
financiamento fixo, Lapola e seus colaboradores realizaram uma versão
"bonsai" do projeto, analisando o comportamento de árvores pequenas,
no chamado sub-bosque. Mas é a continuação do experimento em sua configuração
mais ambiciosa, com torres de 30 metros para alimentar com CO2 as árvores no
topo do dossel da floresta, que vai dar a resposta de como a mata reage como um
todo.
Colocar o experimento de pé será um trabalho de
engenharia desafiador.
Na primeira fase, os dois cientistas vão separar duas
parcelas de floresta em forma de círculos com 30 metros de diâmetros. Cada um
desses círculos será cercado por 16 torres com 30 metros de altura.
Por fora das torres serão construídos dois guindastes
especiais, de 50 metros de altura, que atuarão na construção do aparato de
pesquisa e vão içar cientistas até o dossel das árvores para fazer medições.
Essas torres de alumínio terão diversas perfurações em
suas estruturas, por onde vão emitir diariamente 1,5 tonelada de CO2, sobre as
árvores, simulando um ambiente futuro com maior concentração do gás.
O CO2 será fornecido ao projeto por uma empresa que
atua no setor de bebidas, uma vez que o dióxido de carbono é o mesmo gás que
produz as bolhas dos refrigerantes. Conectadas às torres estarão dois tanques a
serem construídos pelo Inpa, cada um com capacidade para 25 toneladas do
produto.
— É um desafio muito grande levar isso para o meio da
floresta amazônica porque temos que fazer tudo isso sem derrubar as árvores —
diz Bruno Takeshi, engenheiro da Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera,
responsável pela construção do aparato do experimento.
Em um ano, os cientistas esperam estar com as
primeiras duas parcelas do projeto prontas. Uma terá bombeamento de CO2 e outra
apenas será objeto de medições, para efeito de comparação. A ideia dos
cientistas é, em anos subsequentes, construir mais quatro cercados de 16 torres
cada um, para aumentar a capacidade do projeto e a precisão da análise.
Uma vez de pé, o Amazon Face deve ser o maior projeto
experimental já criado na Amazônia. A única estrutura comparável é o projeto
ATTO (Amazon Tall Tower Observatory), também gerido pelo Inpa, que possui uma
torre solitária de 325 metros, mas não é um experimento propriamente dito, e
sim um projeto de monitoramento.
Rafael Garcia, enviado especial, O
Globo
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