Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que funciona como Observatório Parlamentar para monitorar as recomendações internacionais ao Brasil, promoveu audiência pública na quarta
Integrante do Subcomitê da Organização
das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, o diplomata peruano Juan Pablo
Vegas criticou, na quarta-feira (22), as ações tomadas até agora pelo Brasil na
tentativa de acabar com a superlotação e a violência no sistema penitenciário.
Ele participou virtualmente de audiência da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara, que funciona como Observatório Parlamentar para monitorar as
recomendações internacionais ao Brasil no âmbito do mecanismo de Revisão
Periódica Universal (RPU) da ONU.
Juan Pablo Vegas manifestou preocupação
com o que chamou de “precariedade” no funcionamento do Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), criado por lei (Lei 12.847/13) em 2013,
mas com eficácia reduzida a partir do decreto (Dec 9831/19) do governo
Bolsonaro que alterou a estrutura do comitê nacional responsável por essas
ações.
“A tortura é um problema sistêmico e
estrutural do Brasil há muitos anos. E as ações tomadas até o presente momento
em diferentes setores do Estado não são suficientes para fazer esse tipo de
enfrentamento do problema central”, afirmou.
A lei federal prevê independência e
mandato para os 11 peritos desse mecanismo de combate à tortura e aos
tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes nos presídios. Porém, o
perito José de Araújo e Souza avalia que houve “desmonte” da estrutura, já que
o decreto presidencial levou à exoneração de profissionais e à perda de cinco
assessores e dois auxiliares administrativos. Os cargos e a remuneração dos
peritos estão garantidos por liminar da Justiça Federal do Rio de Janeiro.
Vários participantes pediram a aprovação dos projetos de decreto legislativo
(PDL 389/19 e 5 apensados) que tramitam na Câmara para suspender os efeitos do
decreto presidencial.
Participação da sociedade
Integrante do Conselho Nacional de
Direitos Humanos, Everaldo Patriota também denunciou que o Comitê Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura está em “crise” diante da decisão do governo
federal de restringir a participação de representantes da sociedade civil.
“A gente tem um Comitê de Prevenção e
Combate à Tortura quase que transformado em quartel: em tudo, parece que se está
em ordem unida. O Brasil é signatário do protocolo facultativo (Protocolo
Opcional para a Convenção contra a Tortura), então, tem que seguir o protocolo.
Há questões de superlotação, insalubridade, promiscuidade e tortura. Não é uma
tortura de pau de arara, mas a rotina prisional brasileira hoje é uma tortura”,
afirmou.
A audiência contou ainda com
representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público. Além da
superlotação, houve denúncias de torturas físicas, revistas vexatórias e falta
de atendimento médico e psicológico nos presídios, mesmo durante a pandemia de
Covid-19.
Números
Governo e entidades da sociedade civil
apresentaram estatísticas divergentes quanto à situação prisional. Para o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, há retrocesso na transparência de informações
e disparidade nos dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen),
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e secretarias estaduais. Mas, de forma
geral, houve consenso quanto ao perfil da população carcerária, marcado por jovens,
negros e baixa escolaridade.
O Depen, órgão do Ministério da
Justiça, informou que o total de presos no país é de 811 mil pessoas. Das 1.381
unidades prisionais, 997 têm mais de 100% da capacidade ocupada e outras 276
estão com ocupação superior a 200%. Sobram vagas em apenas 363 prisões.
Coordenador geral de cidadania e
alternativas penais do Depen, Cristiano Torquato informou que o governo federal
investiu R$ 368 milhões em políticas públicas penitenciárias e mantém 24
convênios com os estados para o monitoramento por tornozeleira eletrônica nos
casos de crimes de médio potencial ofensivo. Torquato disse ainda que há
medidas específicas para o tratamento de mulheres, indígenas, estrangeiros e
LGBTQI+ nos presídios.
“Não se negam as problemáticas que
existem no sistema penitenciário nacional. No entanto, são os esforços
conjuntos que têm trazido alguma melhoria para o sistema. As mazelas do sistema
penitenciário nacional não serão atacadas com retóricas, mas com políticas
penitenciárias eficientes”.
Thandara Santos, representante do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, apresentou as condições gerais de
encarceramento no Brasil: 32% de presos provisórios, 13% presos que trabalham
(geralmente em limpeza e outras atividades dentro da prisão) e 12% presos que
estudam. Ela apontou que, apesar do aumento do encarceramento feminino, apenas
16% das unidades prisionais têm espaços para gestantes e lactantes.
Situação em SP
O coordenador do núcleo especializado
de situação carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, Mateus Moro,
apresentou quadro grave da violência prisional no estado, que detém um terço da
população carcerária do país. Entre abril de 2020 e maio deste ano (portanto
durante a pandemia), houve violência na prisão em flagrante de 31,4% dos homens
e 19,7% das mulheres. A maioria dos casos foi de violência física, ameaças e
agressão verbal. Além disso, 85% das unidades prisionais fazem racionamento de
água, 95% estão superlotadas e 30% não têm médico.
Também foi realizada pesquisa
específica em relação à população LGBTQI+ nas prisões de São Paulo, que chegou
a 2.747 pessoas (42% gays e lésbicas, 30% bissexuais, 17% travestis e 6,7% de
mulheres trans). Desses, 90% sofrem restrições no compartilhamento de
utensílios, 90% já foram forçados a ficar nus na frente dos demais presos, 80%
não têm o nome social respeitado e 32% apresentam pensamento suicida.
Superlotação
Apontado como um dos responsáveis pela
superlotação nos presídios, o Judiciário informou já ter realizado cerca de 700
mil audiências de custódia desde 2015, contribuindo para a redução de 11% das
prisões provisórias. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, as cerca de 280 mil
pessoas que deixaram de entrar no sistema prisional proporcionaram economia de
R$ 13,8 bilhões para o país. Juiz auxiliar da presidência do CNJ, Walter dos
Santos Junior citou algumas das outras 27 ações em curso na Justiça.
“Há um esforço do CNJ para a criação de
um fluxo permanente de identificação civil de pessoas privadas de liberdade,
com o uso de biometria. Para qualificar o controle do poder Judiciário e
promover o equilíbrio entre a porta de entrada e a porta de saída do sistema
prisional, o CNJ está desenvolvendo a tecnologia da Central de Vagas, o
fortalecimento da aplicação de cautelares e das alternativas penais, que são
fundamentais para a redução do encarceramento”.
O presidente da Comissão de Direitos
Humanos, deputado Carlos Veras (PT-PE), espera reunir o máximo de sugestões
para mudar a atual situação de caos do sistema prisional.
“As mais de 240 recomendações foram
agrupadas em eixos de maneira a contemplar todos os pontos que devem ser
avaliados. Todas as sugestões aqui apresentadas serão consideradas no relatório
final”, disse.
O Ministério Público do Trabalho, por
exemplo, sugeriu a criação de cotas para a contração de presos, com foco na
ressocialização e na redução da reincidência criminal.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
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