Era meia noite e Maria Eleutéria, no Box 7 da rodoviária, criava tumulto gritando, gesticulando em desespero de causa, chamando a atenção de todos que por ali passavam. No princípio parecia se conformar com as cenas de histeria, emprestando aos transeuntes o papel de espectadores de um espetáculo circense, de uma pantomina urbana. Mas logo passou a avançar sobre os passageiros puxando-os pelas roupas, fazendo com que interrompessem o percurso mecânico, desviassem das inamovíveis trajetórias. E seguia-os com apavorante proximidade. Numa escalada progressiva aumentou o tom da encenação e começou a se atracar com os transeuntes derrubando-os no chão, esbofeteando-os enfurecidamente. Clamava por ouvidos, olhares, sentimentos. Como um buraco negro, exigia toda atenção do que gravitasse à sua volta.
- Sequestraram o presidente, sequestraram nosso presidente - era a única coisa que se permitia dizer; repetia exaustivamente a frase, martelando as mesmas palavras no ouvido dos que, sem conseguir obliterar a curiosidade, aproximavam para saber a razão do alvoroço.
Logo o serviço de segurança privada da rodoviária, prevendo maiores problemas, chamou pelo rádio a patrulha. Não demorou e vagarosamente o carro da polícia manobrou para encostar ao lado de Maria Eleutéria.
O sargento da polícia militar, seguido do cabo que conduzia a viatura, permaneceu por alguns minutos acompanhando a cena protagonizada pela pobre mulher, estudando-a meticulosamente, procurando com sua atenta observação esquadrinhar seu perfil psicológico, descobrir seu grau de periculosidade, para então optar pela operação menos traumática, mais adequada face à natureza da ocorrência.
Não foi necessário muito tempo de acurada observação para o experiente militar considerar que não se tratava de um caso de segurança e sim de saúde e assistência social. E imediatamente passou um comando para a central de rádio solicitando o envio, com a devida urgência, de uma ambulância aparelhada para responder à situação em tela.
Se optasse por encarcerar a mulher iria conduzi-la para onde?, para que lugar? Para a delegacia que desde a inauguração comprimia um número de detentos quinze vezes superior à capacidade instalada?, não!, não!, evidentemente, não.
Definitivamente, não. Percebeu que a mulher à sua frente era diferente. Não se confundia com uma mundana. Em nada se parecia com uma arruaceira, uma vadia, disso estava convencido. Um simples olhar era o suficiente para certificar que tinha nos gestos e na postura uma auréola educada, aristocrática.
As roupas que trajava, as bijuterias e o relógio, os cabelos longos e bem cuidados, a textura da pele moldada a creme de leite, tudo dava à mulher uma identificação de quem esteve, desde a infância, em estado de graça com a face melhor da existência.
No dia a dia o sargento lidava com o que de pior e o que de mais subalterno habitava o universo humano. A marginalidade, a criminalidade, toda a gama de delinquência, os larápios, embusteiros, corruptos e assassinos, de modo que, cedo, aprendera a distinguir as pessoas, separar o joio do trigo. E separava com uma tranquilidade de impressionar, a mesma com que discernia urdiduras, aromas e sabores de cada peça de carne que prazerosamente assava nos finais de semana. Como inseparável companhia o único e fiel amigo, o dálmata Trovão. – Não será assim... – pensou o sargento Alípio – umas doses de calmante e a mulher reencontrará o equilíbrio, retornando, Deus há de querer, ao seu lar, à proteção do marido, ao carinho dos filhos, netos, quem poderia saber?
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