quinta-feira, 9 de setembro de 2021

O que está em jogo no 'julgamento do século' sobre as terras indígenas no Brasil?


O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (8) um julgamento que pode colocar em xeque centenas de terras indígenas pendentes de demarcação no país.

 

No chamado 'julgamento do século' sobre os indígenas, caberá ao tribunal superior decidir se é válida a tese do 'marco temporal', defendida pelo agronegócio com o apoio do presidente Jair Bolsonaro.

Nela, apenas as terras ocupadas por esses povos quando a Constituição brasileira foi promulgada em 1988 devem ser reconhecidas como terras ancestrais.

Especificamente, o STF debate um caso no território Ibirama-Laklano, no estado de Santa Catarina, que em 2009 perdeu sua condição de reserva depois que um tribunal de primeira instância aceitou o argumento de que os grupos não viviam ali em 1988.

Mas, por decisão do próprio tribunal, o veredicto terá repercussão geral e poderá afetar muitas outras terras em disputa. O julgamento pode se prolongar por várias sessões e ser adiado a pedido de um dos 11 juízes.

O que dizem as partes?

Os indígenas sustentam que a Constituição reconhece seus direitos sobre suas terras ancestrais, sem prever nenhum "prazo".

E afirmam que em muitos períodos foram deslocados de seus territórios, principalmente durante a ditadura militar (1964-1985), o que tornaria impossível determinar sua presença em 1988.

Os grandes produtores rurais afirmam que no Brasil, com uma população de 213 milhões de habitantes, os 900 mil indígenas já possuem um vasto território - 13% da enorme superfície do país - e que se o 'horizonte temporal' não for adotado, esse número chegará a 28%, projeções ainda questionadas.

O setor tem o apoio de Bolsonaro, que até o momento cumpriu sua promessa eleitoral de não demarcar "mais um centímetro" de terras indígenas.

A FPA, lobby agropecuário do Congresso brasileiro, afirma que as terras indígenas atualmente em estudo "estão se expandindo em áreas que geram os maiores valores produtivos" do agronegócio, o que pode ter um grande impacto em um setor vital para a economia do Brasil.

"A bancada não é contra a demarcação de terras indígenas, defendemos que o produtor rural não seja prejudicado no processo", declarou o presidente da FPA, o deputado Sérgio Souza.

Que impacto a decisão poderia ter nas terras indígenas?

Se o STF aprovar a tese do marco temporal, os povos indígenas podem ser expulsos de suas terras se não comprovarem que estavam assentados no local na data da promulgação da Constituição.

Segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), que defende os direitos dos povos indígenas, das 725 terras indígenas existentes - a grande maioria na Amazônia - o caso pode afetar pelo menos 237 que estão em processo de demarcação. Uma parte das que ainda não estão demarcadas é analisada pela Justiça.

"A perversidade do caso é que os povos indígenas, que costumam ter tradição oral, terão que provar fatos que aconteceram há 32 anos", Juliana de Paula Batista, advogada do ISA, explicou à AFP.

Além disso, os indígenas argumentam que as reservas, vitais para conter o crescente avanço do desmatamento no Brasil, estariam ainda mais expostas aos invasores de terras e garimpeiros ilegais.

Em que fase está o projeto de lei?

Bolsonaro e seus aliados do agronegócio promovem simultaneamente um projeto de lei que visa também estabelecer o "marco temporário" e que abre espaço para a exploração econômica das reservas.

O texto precisa ser debatido na Câmara dos Deputados, para o qual ainda não há data. E se for aprovado, será analisado pelo Senado.

Uma decisão contra o "marco temporal" no STF "não invalida automaticamente a decisão do parlamento, mas seria temerário que o congresso edite uma lei com conteúdo já declarado inconstitucional pelo STF. Possivelmente a lei será declarada inconstitucional", explicou a advogada do ISA.

Por Jordi Miro, na AFP


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