Ainda pouco explorada no Brasil, a educação híbrida, antes tida como o "futuro" da área, tornou-se uma urgência presente.
Em ambiente pandêmico, a retomada das
aulas presenciais será adaptada ao novo momento. Para isso, educadores apontam
que é preciso cautela antes de apostar em soluções tecnológicas mágicas e
indicam a necessidade de se promover infraestrutura das redes de ensino e investir
na assistência aos professores.
O assunto foi debatido na mesa "A
hora e a vez da tecnologia na educação?", que aconteceu no primeiro dia do
Educação 360 Internacional, evento que coloca em debate questões urgentes da
educação. O encontro é uma realização dos jornais O GLOBO, Extra e Valor
Econômico, com patrocínio do Grupo SEB, apoio do Itaú Social e apoio
institucional de Unicef, Unesco, Futura e Fundação Roberto Marinho.
Para a educadora Maria Inês Fini,
presidente da Associação Nacional de Educação Básica Híbrida (Anebih) e
ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), a educação híbrida não deve significar a exclusão do modelo
presencial, mas deve, sim, agregar novas experiências a ele.
— Temos que fazer uma defesa incansável
da escola presencial, com 200 dias letivos, no mínimo, com 800 horas, no
mínimo, e um projeto pedagógico que aproveite todos os recursos que o contexto
social e cultural têm para poder alargar as experiências dessas crianças e
jovens — afirma a educadora.
Segundo Paulo Blikstein, professor da
Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, há diversas maneiras de se
utilizar a tecnologia para promover a educação. Algumas delas reforçam práticas
arcaicas, enquanto outras contribuem para inovação em sala de aula e promovem
uma educação híbrida de qualidade.
— Pegar uma aula tradicional e
colocá-la no Zoom é rodar a velha pedagogia na nova tecnologia. É o que eu
chamo de tecnologia educacional bancária, que é usar o que tem de mais
conservador e velho e colocar um verniz tecnológico e empurrar para as escolas
— critica Blikstein, complementando: — Tem esse outro "como usar a
tecnologia" que é agente, transformador, onde o aluno traz o conhecimento
para escola. É um "como" muito mais inspirado pelo que Paulo Freire
chamaria de emancipação.
Diretora-geral das escolas Concept
Brasil, Priscila Torres explica que o uso da tecnologia na rotina escolar é
permeado por situações complexas que exigem resposta por parte dos educadores.
Ela argumenta que ao longo do processo é preciso entender as novas ferramentas
como um meio para facilitar a promoção do conhecimento.
— O que a gente enfatiza é justamente o
uso da tecnologia como potencializador e não como resposta final. Sim, a
tecnologia pode ser usada. Como pode potencializar uma pesquisa, por exemplo?
Mas ela não precisa ser o meio pelo qual o estudante vai receber a informação
principal — indica.
O novo ensino médio foi tema da mesa
seguinte. Para os participantes desse debate, ele abre caminhos para mudanças
positivas, mas sua implementação não pode abir brechas para retrocessos.
Estiveram presentes o CEO da Conexia Educação, Sandro Bonás; a presidente da
União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso; e o
superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques.
— Evidente que há riscos de
precarização, sobretudo diante do nosso histórico de desigualdades. No entanto,
abre-se chance para as escolas públicas criarem oportunidades a 75%, 80% dos
estudantes que não veem o horizonte do ensino superior como aquele imediato —
avalia Henriques.
Ex-aluna da Faetec (rede pública de
escolas técnicas do Rio de Janeiro), Rozana Barroso defende que a palavra
principal para se ter qualidade é investimento. Ela conta que viveu, durante a
sua experiência escolar, greve de professores quando eles pararam de receber
seus salários integralmente, corte de jornada por falta de merenda e até
vaquinha para a compra de materiais básicos.
— A gente já tem muitos problemas neste
momento. Vamos precisar de investimento para conseguir beber na experiência dos
institutos federais, que oferecem educação técnica de maior qualidade com
professores doutores e todos os laboratórios de qualidade e mais estrutura —
afirma.
Já o CEO da Conexia Educação, Sandro
Bonás, acredita que o novo ensino médio garante a oportunidade de deixar o
jovem mais próximo do mundo do mercado de trabalho quando propõe que os
estudantes enfrentem mais a resolução de desafios reais.
— Existe a escola silenciosa, que é a
que os pais gostam. Nela, o professor dá aula e os alunos ficam em silêncio
ouvindo enfileirados. E o novo ensino médio abre o espaço para a escola
barulhenta, na qual o professor está mediando e o aluno fazendo, trabalhando em
grupos, por projetos, com metodologias ativas e tudo — afirma.
Às vésperas do centenário de Paulo
Freire, celebrado no dia 19 de setembro, o pensamento freireano ainda é alvo de
polêmicas e provoca barulho ao redor do mundo. Na opinião dos especialistas que
participaram da mesa "Paulo Freire no século 21", as ideias deixadas
pelo professor são mais atuais do que nunca e compõem material valioso para a
saída da crise educacional pós-pandemia.
— As ideias de Freire incomodam muito
ainda. Incomodam a escola tradicional da Zona Sul do Rio; a escola tradicional
de Tucson, no Arizona; as universidades. Por que incomoda dizer que o aluno tem
que se emancipar? Que a educação dele não é só para passar no vestibular? Que
ele pode e deve ser capaz de ser crítico na escola? Será que a escola tem que
ser sem partido, ou apolítica e neutra? É quando Paulo Freire causa confusão
que sempre vejo quanto ele é atual — afirma o educador e pesquisador da New
York University, Fabio Campos.
Carlos Rodrigues Brandão, antropólogo e
professor da Unicamp, que era amigo de Paulo Freire, acrescentou:
— Há uma legitimação da educação como
uma mercadoria e uma crescente invasão da universidade, da escola pública, não
apenas pelo poder, mas pelo imaginário do capital. Esse é o grande problema. Se
Paulo Freire esbravejava contra uma educação bancária nos anos 1960, temos
agora uma educação neocapitalista melhor armada e muito mais preparada.
Carolina Campos, fundadora e
diretora-executiva do Vozes da Educação, afirmou que os pilares da filosofia de
Freire serão fundamentais para retomada das atividades presenciais Pata ela,
crianças que tinham 6 anos de idade no início da pandemia, agora estão perto
dos 8 e tiveram um momento crucial da trajetória escolar afetado: a
alfabetização. Isso exigirá escuta por parte das redes escolares.
— Neste momento da retomada das aulas,
talvez a gente só precise de mais humanidade. Então talvez a gente precise
muito mais de Paulo Freire agora do que se imaginava. Se antes a gente colocava
Freire num espaço de debates diferentes do que sua luta traz, hoje, precisamos
colocá-lo no espaço devido de um humanista, educador. Uma pessoa que entendeu
que primeiro a gente precisa comer e não passar fome para depois conseguir
estudar.
A paternidade real que aparece nas colunas
de Leo Aversa no GLOBO fechou o primeiro dia do Educação 360 Internacional. O
fotógrafo analisou sua experiência com a paternidade num contexto em que ele vê
transformações na relação entre pais e filhos.
— Falta de atenção é ruim, mas excesso
também pode gerar falta de autonomia — diz o fotógrafo. — Antes tinha mais
"se vira aí". Em algum momento a criança tem que se colocar. A
criança precisa ter autonomia para correr atrás.
Na visão dele, os pais e avós da
geração atual de adultos adotaram criações mais voltadas ao exemplo do que ao
discurso, como ele vê agora.
— Você sacava que o que ele fazia era
importante. Era isso que funcionava. Agora, você segue o próprio discurso que
faz para seu filho? Isso é muito importante. Quer um exemplo? A história das
telas, que é uma praga. Quando você reclama da tela do seu filho, você está com
o celular na mão? — questiona.
Bruno Alfano e Paula Ferreira, Extra
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