Tatiane Romano diz que Davi, de 3 anos, melhorou após a volta às aulas — Foto: Arquivo pessoal |
Fechamento das escolas, necessário para conter a transmissão do coronavírus, trouxe impactos para a saúde mental na infância.
Por causa da pandemia da Covid-19, escolas do país
inteiro ficaram fechadas por quase todo o ano letivo de 2020. Era uma medida
necessária para evitar a disseminação da doença. Por outro lado, manter as
crianças distantes das salas de aula e dos amigos trouxe consequências para a
saúde mental delas.
Segundo profissionais de educação e de saúde ouvidos
pelo G1, há alunos com:
- ansiedade e depressão;
- alteração no sono e no apetite;
- maior irritabilidade e agitação;
- dores psicossomáticas (uma dor de cabeça, por exemplo,
de origens emocionais);
- regressão no comportamento (passam a fazer xixi na
calça ou a ter atitudes de birra);
- dificuldade na socialização.
Para Raquel Franzim, coordenadora de educação do
Instituto Alana, era esperado que houvesse um atraso no desenvolvimento das
crianças.
“Na escola, elas
exercem algum nível de independência. Precisam tomar decisões sozinhas: onde
vão comer, com quem vão tomar o lanche — há um estímulo à autonomia. O ambiente
familiar as poupa disso, porque os pais vão tomar as decisões. Isso traz um
impacto na saúde emocional”, diz.
“Algumas crianças passam a não saber mais comer
sozinhas, querem só dormir na cama dos pais, deixam de se limpar sem ajuda. A
ausência do ritmo escolar vai causando mais ansiedade, agitação e regressão na
independência”, diz.
Segundo o psiquiatra Marcelo Feijó, professor do
departamento de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina e da Faculdade de
Medicina Einstein (SP), há uma perda nas “conquistas” antigas das crianças.
“Algumas ficam sem o controle do esfíncter e passam a fazer xixi na cama. Falam
de dores que não são relacionadas a quadros clínicos, mas a emoções, como
estresse e tensão”, diz.
Mas, calma, não há motivo para desespero: os
especialistas explicam que estes comportamentos serão reparados depois, aos
poucos, com a volta das atividades.
Em São Paulo, Tatiane Romano sentiu alterações na
rotina do filho, Davi, de 3 anos.
“Antes, ele dormia das 21h às 7h. Sem escola, passou a
deitar à meia-noite e a levantar só às 10h. Ele ficava irritado, queria só ver
TV e tablet”, conta. “Virou uma criança mais agressiva, jogando coisa no chão,
respondendo pra mim: ‘Me deixa’.”
O menino voltou à escola no início de fevereiro.
“Estou com muito receio da pandemia, mas arrisquei. Estava muito difícil, eu
não conseguia mais trabalhar em casa, ele só queria colo. Agora, já chega mais
cansado e dorme bem", conta Tatiane.
No final de janeiro, a Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP) divulgou um documento em que defende o retorno às aulas
presenciais, citando o adoecimento de alunos e professores. Reconhece que não
foram colocadas em prática as regras para garantir a segurança sanitária,
principalmente na rede pública, mas diz que as crianças "representam menos
de 1% da mortalidade e respondem por 2-3% do total das internações".
A entidade pede "a responsabilização das
autoridades públicas, nas três esferas de governo (municipal, estadual e
federal), para solucionar o problema da volta às aulas, o que implicaria a
tomada de uma série de decisões".
Por que estar longe da escola pode trazer tantas
consequências emocionais?
A interrupção das atividades presenciais da escola
pode trazer abalos psicológicos por causa de fatores como a:
- rotina desregrada, sem horários definidos;
- distância dos amigos e dos professores;
- exposição mais intensa a telas;
- perda do contato com realidades diferentes das de
casa;
- exposição maior a problemas do núcleo familiar (como
agressões e brigas);
- redução da autonomia e do espaço de independência que
a escola oferecia.
“Há uma quebra de
ritmo de vida, de socialização, de horários. O isolamento priva as crianças das
atividades de movimento, das brincadeiras e das conversas”, explica Feijó.
Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acrescenta mais um fator: a perda
dos chamados “laços fracos” — relações superficiais que o aluno desenvolve com
colegas ou funcionários da escola.
“É por meio disso que a gente se conecta com outras
realidades e desenvolve empatia”, afirma. A criança que passa a conviver apenas
com seu núcleo familiar perde o contato com outros universos.
Quando procurar ajuda?
Segundo o psiquiatra Feijó, em uma situação tão
prolongada de isolamento, é inevitável que haja consequências na saúde
emocional das crianças. Mas quando é hora de procurar ajuda médica?
Vitor Calegaro, professor de neuropsiquiatria da
Universidade de Santa Maria (RS) e coordenador do projeto Covid Psiq, recomenda
que os pais fiquem atentos aos seguintes sinais:
- ansiedade de separação (a criança que era independente
passa a ficar com medo de perder os pais de vista, mesmo dentro de casa, por
exemplo);
- alterações no apetite e ganhos/perdas de peso;
- insônia e dificuldade para dormir;
- pesadelos com frequência maior;
- irritabilidade;
- mudança no padrão das brincadeiras e dos desenhos
(mais temáticas de morte, por exemplo, ou de posturas agressivas).
“As crianças usam outras formas para expressar o que
sentem, por isso, os adultos devem prestar atenção em mudanças de
comportamento. Se forem alterações persistentes, o ideal é procurar um
psicólogo infantil”, recomenda Calegaro.
Em Manaus, Ana Inês de Souza sugeriu que seu filho,
Carlos, de 10 anos, conversasse com um terapeuta. “Expliquei que é um
profissional, que não vai contar nada para mim. Mas ele disse que não quer
falar com ninguém. Tento ficar ao lado dele, dar apoio, mesmo que em silêncio”,
conta.
“As crianças usam outras formas para expressar o que
sentem, por isso, os adultos devem prestar atenção em mudanças de
comportamento. Se forem alterações persistentes, o ideal é procurar um
psicólogo infantil”, recomenda Calegaro.
Em Manaus, Ana Inês de Souza sugeriu que seu filho,
Carlos, de 10 anos, conversasse com um terapeuta. “Expliquei que é um
profissional, que não vai contar nada para mim. Mas ele disse que não quer
falar com ninguém. Tento ficar ao lado dele, dar apoio, mesmo que em silêncio”,
conta.
Marta Gonçalves, professora e psicopedagoga do
Instituto Singularidades, ressalta também que é preciso preparar uma reabertura
que foque não só na questão sanitária e curricular, mas também no acolhimento
emocional.
“Pode haver um estranhamento. Uma criança pequena
talvez se desacostume a dividir o brinquedo com amigos ou a não ter mais a
atenção exclusiva dos adultos. A pandemia trouxe uma privação de tudo isso”,
explica.
“E o isolamento ocorreu de forma muito singular em
cada casa. Há alunos que perderam o pai, a mãe, o avô. Eles estarão em um
período de luto.”
Vinha dá sugestões de atividades de acolhimento na
escola elaboradas por seu grupo de pesquisa na Unicamp:
- criar espaços de escuta e círculos de conversa;
- respeitar quando os alunos não quiserem falar sobre
sentimentos;
- montar caixas de areia para que os alunos desenhem,
com as mãos, como estão se sentindo;
- fazer uma caixa na qual as crianças possam depositar
desenhos ou textos anônimos que expressem suas emoções;
- montar jogos de memória e quebra-cabeças com a
temática de emoção (podem ser peças com emojis bravos, tristes, felizes…).
Em todos os casos, é preciso estar atento à
necessidade de atendimentos individualizados. A escola deve acionar as redes de
proteção quando julgar que um aluno está em situação de sofrimento acentuado.
Por
Luiza Tenente, G1
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