Em reunião com representante de Biden, governo diz que precisa de
apoio para combater desmatamento. Mas há dúvidas sobre seriedade da proposta.
Bolsonaro travou bilionário Fundo Amazônia e atacou doadores europeus.
Em uma reunião com o representante para assuntos de
clima do governo americano, John Kerry, membros do governo do presidente Jair
Bolsonaro endereçaram um recado aos Estados Unidos: o Brasil está disposto a
combater o desmatamento e queimadas, especialmente na Amazônia, mas precisa de
apoio financeiro internacional para cumprir metas.
O assunto foi tratado num encontro virtual na última
quarta-feira (17/02). Além de Kerry, participaram da reunião os ministros das
Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo
Salles.
Segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo, o
governo Bolsonaro argumentou que o Brasil vem se comprometendo a enfrentar as
mudanças climáticas no âmbito do Acordo de Paris, mas não vem recebendo
contrapartidas financeiras suficientes. De acordo com a publicação, uma fonte
do governo resumiu os argumentos apresentados na conversa como "a gente
faz, mas vocês vão ter de pagar".
Araújo e Salles mencionaram o encontro no Twitter. O
ministro do Meio Ambiente classificou o encontro com uma "excelente
reunião" e disse que o Brasil pretende negociar com os americanos questões
envolvendo créditos de carbono – mecanismo por meio do qual países ou empresas
que poluem podem comprar créditos de atores que preservam florestas como forma
compensar suas emissões.
Já Araújo foi mais discreto, e reproduziu uma nota do
Itamaraty que apontou que no encontro "foram examinadas possibilidades de
cooperação e diálogo entre o Brasil e os EUA na área de mudança do clima e de
combate ao desmatamento".
O americano Kerry, por sua vez, divulgou uma mensagem
diplomática um dia depois, afirmando que "enfrentar a crise climática
requer o tipo de grandes medidas que só podem ser alcançadas por meio de
parcerias globais" e que teve uma "boa conversa" sobre
"cooperação climática, liderança do Brasil e crescimento econômico
sustentável" com Araújo e Salles.
Dúvidas sobre a postura do Brasil
Apesar de toda a simpatia exibida pelos brasileiros,
há dúvidas sobre o grau de seriedade do governo Bolsonaro na elaboração de um
plano de preservação financiado por atores estrangeiros.
Segundo o jornalista Jamil Chade, que cobre diplomacia
internacional, técnicos do governo Joe Biden adotaram cautela com as promessas
brasileiras e "não se deixaram convencer com a versão do Brasil de que o
governo de Jair Bolsonaro está lidando de forma eficiente com o desmatamento no
país".
"Em Washington, os argumentos foram considerados
como 'insuficientes', inclusive sobre as metas do Brasil para atingir seus
compromissos no Acordo de Paris", apontou o jornalista em seu blog.
Histórico de conflitos
Durante a campanha eleitoral dos EUA no ano passado, o
então candidato Biden, durante um debate com o republicano Donald Trump, citou
a questão ambiental no Brasil e disse que contemplava organizar um fundo
internacional de 20 bilhões de dólares (R$ 108,4 bilhões) para ajudar o país
sul-americano a proteger a Amazônia. No entanto, Biden advertiu que, se mesmo
assim os brasileiros persistissem com o desmatamento, o Brasil poderia vir a
sofrer consequências econômicas, sinalizando possíveis retaliações ou sanções.
"Parem de destruir a floresta. E, se vocês não pararem, irão enfrentar
consequências econômicas significativas", disse Biden.
À época, o governo Bolsonaro reagiu imediatamente.
"O que alguns ainda não entenderam é que o Brasil mudou. Hoje, seu
presidente, diferentemente da esquerda, não mais aceita subornos, criminosas
demarcações ou infundadas ameaças", escreveu Bolsonaro logo depois do
debate. "Nossa soberania é inegociável", completou o mandatário, um
fã declarado de Trump e que torceu abertamente pela reeleição do republicano.
Numa entrevista publicada no início de novembro, Biden
voltou a mencionar a Amazônia e a possibilidade de pressionar o Brasil
economicamente para garantir proteção da floresta. Biden tem colocado a agenda
ambiental como uma das prioridades do seu governo. Nesta sexta-feira, seu país
voltou oficialmente ao Acordo Climático de Paris.
Em novembro, Bolsonaro chegou a insinuar que poderia
ter que recorrer à força militar para driblar eventuais sanções econômicas
impostas por Biden em resposta ao desmatamento desenfreado da Amazônia.
Impasse com outros doadores
A reunião desta quarta-feira sinaliza que, por
enquanto, o governo brasileiro quer evitar voltar a antagonizar com Biden sobre
clima e preservação do meio ambiente. Mas o histórico do governo brasileiro na
área indica que envio de recursos financeiros em troca de preservação não são
uma garantia de uma relacionamento harmonioso ou de que o Brasil venha a
aceitar cobranças em troca de dinheiro.
A partir de 2019, o governo brasileiro prejudicou de
maneira ativa a continuidade do Fundo Amazônia, programa bilionário de proteção
à Floresta Amazônica que conta com doações da Noruega e da Alemanha.
No momento, o mecanismo atravessa sua maior crise
desde a criação em 2008. O impasse começou no primeiro semestre de 2019, quando
o ministro Ricardo Salles promoveu uma série de mudanças unilaterais na gestão
do programa, incluindo a extinção de dois comitês, o que contrariou os alemães
e os noruegueses, que não foram consultados previamente sobre a medida.
Além disso, Salles pretendia usar recursos do fundo
para indenizar proprietários que vivem em áreas incluídas em unidades de
conservação da Amazônia, o que foi rejeitado pelos europeus. Berlim e Oslo
também demonstraram contrariedade com as insinuações – sem provas – do governo
Bolsonaro de que há indícios de irregularidades em contratos do fundo.
Como resultado, o fundo segue paralisado, sem previsão
de contemplar novos programas. Apenas iniciativas em andamento continuam
recebendo financiamento. A Noruega era a maior doadora do fundo, tendo
repassado 3,1 bilhões de reais para a iniciativa em pouco mais de dez anos. A
Alemanha, por sua vez, doou cerca de 200 milhões de reais.
Ainda em 2019, a Noruega suspendeu novos repasses. A
Alemanha, por sua vez, cortou programas de financiamento paralelos por causa do
aumento do desmatamento e das queimadas no Brasil. Os valores retidos somavam
35 milhões de euros (cerca de 227 milhões de reais).
Após o anúncio dos alemães, Bolsonaro tratou o
congelamento dos repasses com desprezo. "Ela [Alemanha] não vai mais
comprar a Amazônia, vai deixar de comprar a prestações a Amazônia. Pode fazer
bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso", disse o presidente no
domingo.
Diante da resposta de Bolsonaro, a ministra alemã do
Meio Ambiente da Alemanha, Svenja Schulze, reagiu: "Isso mostra que
estamos fazendo exatamente a coisa certa." Logo depois, o presidente
brasileiro voltou a atacar os alemães: "Eu queria até mandar recado para a
senhora querida [chanceler federal] Angela Merkel. Pegue essa grana e
refloreste a Alemanha, tá ok? Lá tá precisando muito mais do que aqui."
O mesmo tipo de recado foi endereçado aos noruegueses,
maiores doadores do fundo. "A Noruega não é aquela que mata baleia lá em
cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a
oferecer para nós. Pega a grana e ajuda a Angela Merkel a reflorestar a
Alemanha", disse Bolsonaro.
No segundo semestre de 2019, o ministro Salles viajou
a Berlim para tratar de um eventual descongelamento dos recursos. Ele foi
recebido com protestos de ambientalistas e teve encontros discretos com membros
do governo alemão. Ao final, ele deixou a capital alemã sem obter concessões do
governo Merkel.
Logo depois da visita, um porta-voz do Ministério do
Meio Ambiente da Alemanha disse que a pasta não pretendia rever sua posição em
relação à suspensão da verba até que houvesse "uma impressão bem
fundamentada de que o dinheiro será bem investido". Nada foi liberado até
hoje.
Imagem deteriorada
Outros episódios também ajudaram a deteriorar a imagem
do governo brasileiro na Europa, como as ofensiva contra o Inpe e o desmonte de
mecanismos de fiscalização, que precederam a retenção de valores de doadores.
Ao longo de 2020, o governo brasileiro tentou fazer
alguns gestos midiáticos para melhorar sua imagem e vender a ideia de que
estava comprometido com o combate ao desmatamento e queimadas. Em novembro, o
vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia,
comandou uma viagem a três cidades da região amazônica com embaixadores de
diversos países.
No entanto, o embaixador da Alemanha, Heiko Thoms,
afirmou à DW Brasil que a viagemnão
mudou a percepção do governo alemão sobre as ações de Bolsonaro e que não há
previsão para a retomada das transferências ao Fundo Amazônia.
Na
Deutsche Welle
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