Em meio a restrições trazidas pela pandemia, dois em cada três alemães de até 30 anos estão estressados |
Já ficou claro que a pandemia não é uma corrida, mas uma maratona sem fim à vista. Na Alemanha, em meio à nova prorrogação do lockdown, aumenta o desânimo e a desconfiança na política. Psicólogos falam sobre os desafios.
Quando
Daniel Günther, governador do estado alemão de Schleswig-Holstein, começou a
organizar um comitê de especialistas em coronavírus no ano passado, logo ficou
claro que seria necessário incluir o diretor de uma clínica pulmonar, a
diretora de uma clínica de psiquiatria e psicoterapia, e, é claro, não poderia
faltar um economista.
O
governador também fazia questão de incluir no comitê um especialista em
comunicação de crise. Afinal, ele já pressentia que os quase 3 milhões de
habitantes de Schleswig-Holstein só levariam adiante a luta contra o vírus se
as medidas impostas pelo governo fossem transparentes e explicadas de maneira
compreensível.
Então,
Günther convocou Frank Roselieb, que há 20 anos presta serviço de treinamento e
gerenciamento de crise para o setor público e privado. "A comunicação se
tornará cada vez mais importante com a progressão da pandemia. Isso porque o
cansaço provocado por ela está se tornando cada vez mais aparente e porque nem
todas as decisões políticas se revelaram corretas", diz Roselieb.
O
trabalho de Roselieb talvez nunca tenha sido tão difícil quanto agora: não
apenas Schleswig-Holstein, mas sim toda a Alemanha está desgastada, exausta e
quase sem forças diante de um lockdown que parece não ter fim , com
restaurantes e lojas fechados e a necessidade, para muitos, de trabalhar e
educar os filhos em casa.
Um
lockdown mais rígido foi imposto na Alemanha em 16 de dezembro, após uma
tentativa de bloqueio parcial no início de novembro não ter sido capaz de
conter a explosão de casos no país. Mas nem as medidas mais rígidas surtiram o
efeito esperado, e o lockdown, inicialmente previsto para terminar em 10 de
janeiro, foi estendido até o fim daquele mês e, em seguida, prorrogado
novamente até 14 de fevereiro. Nesta semana, foi estendido mais uma vez, até 7
de março.
O
mantra de Roselieb é que, nesta pandemia, todos somos gerenciadores de crises.
Mas como motivar as pessoas?
Pragmatismo
e otimismo
"Em
primeiro lugar, é preciso mostrar a linha do horizonte na hora certa, ou seja,
o objetivo que todos querem alcançar juntos, como o professor de uma escola,
por exemplo, que pretende realizar os exames finais em junho ou ter férias de
verão em agosto", diz Roselieb.
"Em
segundo lugar, deve-se comunicar claramente tudo que as pessoas querem saber.
E, em terceiro lugar, quando se trata de riscos extremos, ninguém espera
soluções perfeitas. Um ocasional 'desculpe' pode servir de motivação para
buscar novas caminhos e não perder as esperanças."
Roselieb
gosta de usar metáforas. Ele compara a pandemia a um jogo de futebol, cujo
primeiro e segundo tempos, assim como a prorrogação, já terminaram, e agora a
Alemanha se encontra nos pênaltis há meses, mas o gol redentor simplesmente não
quer sair.
"Nunca
antes uma situação de crise – seja um ataque terrorista, uma crise no mercado
financeiro, um escândalo no setor de alimentos ou de doação de partidos – levou
tantos políticos experientes aos seus limites quanto a pandemia de
covid-19", disse o pesquisador, que, apesar de tudo, vê o futuro com certo
otimismo.
"Toda
a infraestrutura de abastecimento permanece intacta no caso de uma pandemia e
permite um reinício comparativamente rápido após a crise. E, na Alemanha, as
dificuldades serão compensadas tanto quanto possível, seja com um aumento
generoso do subsídio de trabalho de curta duração ou com a concessão de
máscaras gratuitas para os mais necessitados."
Fadiga pandêmica em alta
O
que preocupa cada vez mais os políticos alemães são os últimos resultados do
estudo Cosmo, realizado pela Universidade de Erfurt e o Instituto Robert Koch,
entidade pública de saúde alemã O levantamento, que mede o estado de espírito
da população desde o início da pandemia, aponta: mesmo entre aqueles que apoiam
medidas rígidas, a confiança está desmoronando.
Duas
em cada três pessoas de até 30 anos dizem que se sentem estressadas no momento, o nível mais alto já registrado. E quase 80%
dos entrevistados desejam uma estratégia de longo prazo com
regras unificadas para o país.
"A
fadiga pandêmica aumentou desde o início do segundo lockdown [em meados de
dezembro]", diz o estudo, do final de janeiro. "As pessoas que estão
sofrendo com a fadiga pandêmica tendem a proteger menos a si mesmas e aos
outros menos e a pensar (incorretamente) que o número de casos continua a
aumentar de qualquer forma."
"Acho
que simplesmente continuar assim não é mais possível. A maioria de nós seguiu
as regras no passado", diz Ulrich Wagner, professor de Psicologia Social
na Universidade Philipps de Marburg. "Simplesmente continuar assim leva a
esse sentimento de desamparo aprendido, como dizemos nós, os psicólogos. Não
importa o que façamos, nada muda. E isso leva à resistência e à
depressão."
Wagner
afirma que defenderia uma mudança de estratégia caso fizesse parte de um dos
painéis que assessora o governo . Ele apoia a ideia de um plano de abertura
gradual, baseada nas taxas de incidência do coronavírus, afirmando que isso
poderia para injetar novo ânimo na população.
"Se
conseguirmos reduzir significativamente o número de casos nos hospitais, haverá
um relaxamento das restrições. Se eu, portanto, seguir as regras e não abrir
nenhuma exceção, posso ajudar a melhorar a situação para todos", afirma o
psicólogo social. "Se, através da comunicação, associarmos a incidência ao
comportamento de cada um de nós, isso acaba gerando uma autoeficácia."
Wagner,
no entanto, defende uma abordagem uniforme da política, caso eles realmente
optem por um modelo gradual. "Nas regiões de menor incidência, é possível
aplicar medidas diferentes do que nas regiões onde a incidência é maior. Mas o
princípio tem que ser o mesmo e todos têm que apoiá-lo igualmente. Caso
contrário, a credibilidade sofrerá enormemente."
Confiança no governo em queda
Segundo
o estudo Cosmo, a confiança no governo caiu de 60% para 40% durante a crise do
coronavírus em comparação com o ano anterior. E ainda pode levar algum tempo
para a chanceler federal Angela Merkel, o ministro da Saúde, Jens Spahn, e o
ministro da Economia, Peter Altmaier, recuperarem essa credibilidade perdida.
"Estudos
psicológicos sugerem que uma reputação é construída muito lentamente, embora
sua destruição possa ser muito veloz", diz o professor Stefan
Schulz-Hardt, primeiro vice-presidente da Sociedade Alemã de Psicologia.
"Uma vez que a confiança foi perdida, não se pode recuperá-la de um dia
para o outro."
Sobretudo
quando a população é lembrada diariamente que algo realmente saiu errado na
luta contra a covid-19. A campanha "A Alemanha arregaça as mangas" do
governo federal, por exemplo, pretendia aumentar a disposição da população em
se vacinar. Agora, quando as pessoas olham os cartazes, a primeira coisa que
vem à mente é o início titubeante da vacinação.
"Quando
foi concebida, foi uma medida acertada; já na situação atual é, na melhor das
hipóteses, uma comédia involuntária", diz Schulz-Hardt, que leciona
Psicologia Social na Universidade de Göttingen.
Maratona sem fim à vista
Schulz-Hardt
também considera coerente a estratégia de introduzir um plano gradual para
devolver às pessoas uma sensação de retomar o controle. "Do ponto de vista
psicológico, a percepção de controle se baseia em três pilares:
explicabilidade, previsibilidade e influenciabilidade. E em todos os três, há
possibilidade de otimização na Alemanha."
Mas
justamente no quesito previsibilidade, não só a Alemanha, mas o mundo todo terá
que deixar espaço para uma ou outra perda de controle no planejamento.
Cientistas e médicos têm dito repetidamente que a luta contra o coronavírus não
é uma corrida, mas uma maratona. O problema é que os maratonistas sabem, mesmo
que estejam exaustos no quilômetro 30, que a meta está ao alcance nos 42
quilômetros e 195 metros.
Com
a pandemia, é diferente. "É uma maratona da qual ninguém sabe exatamente a
distância total ou quão longe está a chegada. E isso é algo para o qual o
organismo humano de fato não está preparado: ficar em estado de alerta por um
longo período de tempo", afirma Schulz-Hardt.
Por Oliver Pieper, na Deutsche Welle
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