No Brasil, um ônibus perdido ou um
problema de saúde bastam para perder um ano de estudos. Mas não precisaria ser
assim
Nos últimos anos, conforme o Enem foi
ganhando importância como porta de entrada para a faculdade, um enredo paralelo
ganhou espaço no noticiário: o drama dos atrasados do Enem. As cenas de jovens
aos prantos por terem perdido o horário da prova têm presença garantida nos
telejornais. O desespero tem motivo. Perder a prova significa ter de
esperar um ano até a próxima oportunidade. Basta perder o ônibus ou adoecer no
dia errado e um ano de estudos vai pelo ralo. Mas não precisaria ser assim.
Quando o Enem se transformou em um
processo de seleção para o ensino superior, o modelo de referência citado pelo
Ministério da Educação era o americano SAT – um teste nacional foi criado em
1926 e é utilizado por milhares de universidades nos Estados Unidos.
Acontece que existe uma diferença
essencial: o SAT pode ser feito em sete datas diferentes ao longo do ano – e um
número ilimitado de vezes pelos estudantes.
O candidato que se atrasou e perdeu o
SAT de agosto, por exemplo, pôde refazer a prova em setembro. Ou outubro.
As regras do SAT também permitem que
o estudante refaça a prova para tentar melhorar a nota dentro de um mesmo ano.
Ou seja: a avaliação é mais fiel porque deixa menos espaço para o acaso e o
imprevisto.
Na Espanha, um exame de concepção
semelhante ao Enem – a EBAU – acontece em junho, mas oferece uma segunda
chance: os estudantes têm a oportunidade de fazer a prova novamente em setembro
caso tenham perdido a primeira chance ou busquem aumentar a nota. No Brasil,
não há nada parecido no horizonte.
Em 2011, o então ministro da
Educação, Fernando Haddad, editou uma portaria determinando que o Enem teria
duas edições no ano seguinte. No ano seguinte, o próprio Haddad cancelou a
mudança, alegando que uma prova a mais "sobrecarregaria as estruturas
logísticas do exame”.
O alto custo de uma segunda edição,
especialmente num momento de orçamento enxuto, é tratado como um impeditivo
pelo governo. Talvez seja verdade.
Mas é nesse aspecto que outra
diferença essencial entra em jogo: o SAT não é organizado pelo governo, e sim
por duas entidades que representam milhares de faculdades e universidades
americanas. Ou seja: é um exame realizado pelo setor privado, com recursos
privados.
No Brasil, centenas de universidades
privadas fazem uso da nota do Enem. Mas elas não têm participação direta na
organização da prova ou na divisão dos custos. Enquanto o governo for o único
responsável por bancar o exame, é pouco provável que os alunos terão mais de
uma edição anual da prova.
Gazeta do Povo
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