Presos foram
torturados e tiveram de comer olhos humanos em Manaus
A denúncia do Ministério Público do Amazonas que acusa 213
pessoas pelos crimes do massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim
(Compaj), em Manaus, também narra passo a passo as ações da Família do Norte
(FDN) no dia 1º de janeiro deste ano. O documento, apresentado na
sexta-feira, 24, à Justiça, detalha como os alvos da FDN, os integrantes do
Primeiro Comando da Capital (PCC), tentaram se proteger do ataque fugindo por
dutos e se escondendo em telhados, mas alguns acabaram sendo capturados, torturados
e sendo obrigados até a comer olhos humanos de vítimas que haviam sido mortas
naquele dia.
O documento traz detalhes até então desconhecidos do massacre. A
investigação mostrou que o massacre começou às 16h08 no Compaj, momento no qual
os integrantes da FDN, portando armas de fogos, facas e pedaços de paus, além
de material combustível, promovem um motim e avança sobre pavilhões vizinhos.
Era dia de visita de parentes dos presidiários. Alertadas, elas deixaram o
local antes do horário final estabelecido.
O alvo principal eram integrantes do PCC, custodiados em uma
área separada das demais, chamada de “Seguro PCC”. Lá, só sobreviveram quatro
dos 26 homens. Três deles conseguiram escapar dos ataques ao deslocar a tampa
de um bueiro, arrastando-se por dutos de escoamento de água e esconderam-se nas
galerias. “Apesar dos rebelados terem perseguidos as vítimas, inclusive jogando
várias bombas nos dutos, não conseguiram concretizar seus intentos assassinos e
as vítimas ficaram escondidas até o fim da rebelião”, narra a denúncia.
Quando os integrantes da FDN partiram para a chamada área de
inclusão, o objetivo era matar presos condenados não filiados a nenhuma facção,
mas condenados por crimes sexuais. “De acordo com informações prestadas pelos
internos sobreviventes dessa área, além da condição vulnerável de todos os
presos que ali estavam, as ‘lideranças’ do Compaj estariam ainda incomodadas
com a presença deles, pois queriam transformar essa área em um ‘motel’ (área
para recebimento de visitas íntimas) exclusiva para os integrantes da facção
FDN”, explicou o promotor Edinaldo Medeiros, que assina a denúncia.
Logo que os presos da área de inclusão notaram o começo da
rebelião naquela tarde, eles decidiram incendiar os colchões de espumas das
suas celas, além de lençois e roupas, “como única forma de tentar impedir o
acesso àquela área”. “De acordo com o relato dos sobreviventes, o referido
incêndio permitiu que alguns internos da inclusão fugissem pela grade
previamente já serrada, localizada na cela 4, como única opção de
sobrevivência”, destaca Medeiros.
Na área de inclusão, dos 42 internos sobreviveram 22, a maioria
por se declararem “irmãos de benção”, integrantes de grupos religiosos dentro
da cadeia. Dois dos sobreviventes relataram à polícia que se esconderam no
telhado para não serem pegos. Outros tentaram se esconder, mas foram
capturados. Cinco detentos contaram que após serem agredidos foram obrigados a
comer olhos humanos. Eles foram mantidos como reféns sob constantes ameaças de
mortes, mas acabaram liberados ao fim da rebelião.
Uma das vítimas se escondeu no forro da enfermaria, “mas foi
capturado e jogado de aproximadamente nove metros de altura, tendo desmaiado na
queda, e quando acordou, foi espancado com golpes de ‘perna-manca’ em seus
testículos, furaram os seus pés, dentre outros tipos de lesão corporal”.
“Depois lhe obrigaram a comer dois olhos humanos. E foi mantido refém até às 6h
do dia seguinte.”
Os 213 presos denunciados nesta sexta responderão a 56 acusações
de homicídio qualificado, seis tentativas de homicídio, 26 casos de tortura e
46 casos de vilipêndio de cadáver. Caso sejam condenados a penas máximas, cada
um poderá pega mais de 2,2 mil anos de reclusão.
Jornal de Brasília
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